Unidades de conservação sob responsabilidade da base de
Itaituba do ICMBio.
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A nomeação de 30 novos
servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
para a base de Itaituba (Pará) é algo a se comemorar, afinal, trata-se de uma
das porções mais ameaçadas de todo o bioma amazônico. No vale do Tapajós, hoje,
estão os maiores índices de desmatamento e degradação florestal da Amazônia,
além de a área estar na mira da obsessão barrageira do governo Dilma, no marco
de um polêmico projeto de complexo hidrelétrico, que prevê cinco barramentos,
além de outros aproveitamentos hidrelétricos de menor porte, espalhados pela bacia. A
região é alvo, ainda, de outras grandes obras do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), como a hidrovia Teles Pires-Tapajós, concebida para
transformar o rio Tapajós em um corredor de escoamento da soja plantada no
norte de Mato Grosso.
Os novos servidores serão
gestores de um mosaico de unidades de conservação (UCs) de mais de 9 milhões de
hectares, o equivalente a três vezes o tamanho da Bélgica. A área seria maior,
não fosse a autoritária redução de várias das UCs por meio da Medida Provisória
nº 558/2012 para "liberar" áreas a serem inundadas pelos lagos das hidrelétricas.
Na ocasião, os antecessores dos gestores que chegam agora publicaram uma
contundente carta aberta em repúdio ao ato do governo federal .
Porém, ao que parece, o próprio ICMBio encarrega-se agora de formar seus
servidores de modo a inibir quaisquer críticas, ainda que essas venham no
sentido de defender as UC em que são lotados e que são, portanto, obrigados a
proteger.
Entre 10 e 12 de dezembro,
em Itaituba, os novos servidores concursados participam de uma oficina, cujos dois
primeiros objetivos são:
Ampliar a compreensão da equipe sobre cada UC, a
região e o território do Tapajós; e
Possibilitar que a equipe conheça o histórico de
gestão das UC a partir de Itaituba e compreenda o momento atual, onde se propõe
a Gestão Integrada.
Considerando-se os objetivos
mencionados, imagina-se que entre os convidados para falar da região, do
território do Tapajós, dos problemas enfrentados pelas UCs e pelos povos e
comunidades tradicionais que ali vivem figurariam representações dos índios
Munduruku e de beiradeiros do Tapajós. Afinal, são quem, de longe, melhor
conhece o que os novos gestores deverão enfrentar. Imaginamos que estariam
professores e pesquisadores que estudam as dinâmicas e tensões agrárias e ambientais
da região. Imaginamos que estariam convidados, também, procuradores da
República, que, à frente do Ministério Público Federal (MPF), empreendem uma
árdua luta em defesa dos direitos socioambientais.
Entretanto, a programação da
oficina vai na direção oposta evidenciando, pelo tipo de formação que o órgão
oferece, o que espera dos seus servidores. Os temas a serem abordados, com os
respectivos palestrantes convidados, são:
- Licenciamento ambiental – Hilário Rocha/Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo de Itaituba (Semmat);
- Hidrovia e Terminal Portuário – Marco Domaneschi/Bunge;
- Desenvolvimento regional – Consórcio Tapajós; e
- Concessões em Florestas Nacionais (Flonas) – Serviço Florestal Brasileiro (Serviço Florestal Brasileiro).
Criado em junho de 2013, o Consórcio Tapajós consiste em uma articulação
das prefeituras de seis municípios situados na área de influência dos projetos
de barramento do rio: Aveiro, Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso, Rurópolis
e Trairão. Durante solenidade em que se selou o pacto, o prefeito de Rurópolis
assim definiu os objetivos da entidade: “Fomos esquecidos durante muitos anos,
mas esta região será a menina dos olhos do Brasil, pelo seu potencial para a
geração de energia e pela localização estratégica para o escoamento da produção
de grãos”.
Por essa afirmação, vê-se o sentido de “desenvolvimento regional” que
norteia o Consórcio Tapajós, e a coerência entre uma apresentação da entidade e
a de um representante de uma empresa privada (Bunge) para ”formar” servidores
públicos.
Porto da Bunge às margens do rio Tapajós, em Itaituba-PA. Há projetos para que a região torne-se um grande corredor de escoamento de soja. |
Há escalação, ainda, de representantes do SFB, que terá a incumbência de
falar sobre a concessão de florestas públicas da região para empresas
madeireiras. Levando em consideração essa região, em particular, assunto não
falta. Atualmente, dois processos de concessão no oeste paraense são
questionados judicialmente pelo Ministério Público Federal (MPF), sob suspeita
de desrespeitarem territórios tradicionalmente ocupados, e um terceiro caso já
anunciou a pretensão de leiloar terras que podem estar sobrepostas a uma terra
indígena ainda não demarcada.
Tudo isso, acontece sob a
batuta da The Nature Conservancy (TNC), uma ONG especializada em conferir
“fachadas verdes” a seus endinheirados parceiros, como a Monsanto e a Dow Chemical.
Em suma, a formação dos
servidores contemplará a apresentação de diversos segmentos econômicos
proeminentes, com interesse em recursos da região, mas não terá contraponto
algum oriundo das diversas comunidades tradicionais e povos indígenas que
habitam a região, e cujo modo de vida – bem como sua resistência ao avanço de
interesses econômicos predatórios, muitas vezes – contribuíram para a
sociobiodiversidade que justificaria a existência, mesmo, de um mosaico de
unidades de conservação ambiental.