Fim de comissão é vitória histórica de defensores do meio
ambiente, dos direitos de povos indígenas e tradicionais. Desfecho ocorre
depois de duas semanas de batalhas regimentais entre parlamentares ruralistas e
socioambientalistas
Presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), discute com deputados destino da PEC 215 | Zeca Ribeiro - Agência Câmara |
O
Congresso finalizou, tarde da noite de ontem (17/12), as votações do ano
legislativo e da atual legislatura sem que a Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) 215 tenha sido votada pela comissão especial que a analisava. Com isso,
de acordo com o Regimento da Câmara, a comissão deve ser extinta e o projeto
arquivado, numa vitória histórica para defensores do meio ambiente, povos
indígenas e tradicionais.
Com apoio da bancada do agronegócio na
Câmara, a PEC pretendia transferir do Executivo para o Legislativo a
prerrogativa de formalizar Terras Indígenas, Unidades de Conservação e
Territórios Quilombolas. Se aprovada, significaria, na prática, a paralisação
definitiva dos processos de oficialização dessas áreas protegidas, entre outros
retrocessos para os direitos socioambientais.
As últimas duas semanas foram
particularmente tensas para os opositores da proposta, quando parlamentares
ruralistas e socioambientalistas travaram uma batalha de manobras regimentais
em torno de sua tramitação. Desde terça (16/12), os acessos ao Congresso foram
restringidos. Um grande aparato policial foi mobilizado sob a ordem do presidente
da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), para impedir a entrada de manifestantes.
Indígenas que protestavam contra a PEC foram reprimidos e seis deles foram
presos.
O vice-presidente da comissão
especial, o ruralista Nílson Leitão (PSDB-MT), reconheceu a derrota em
Plenário, apesar da bancada do agronegócio dominar o colegiado. “Não
conseguimos terminar o ano sem debater minimamente a PEC. Fomos derrotados de
forma covarde. O presidente da comissão, Afonso Florence [PT-BA], nos enrolou
toda a manhã e veio aqui sorrateiramente e encerrou a reunião”, resignou-se o
deputado.
Durante boa parte da manhã, conduzindo
uma reunião conturbada da comissão, Florence rejeitou pacientemente, uma a uma,
as várias questões de ordem apresentadas pelos poucos deputados contrários à
PEC. O petista, no entanto, ganhou tempo e irritou os ruralistas. Pouco antes
do meio dia, quando faltou luz no Congresso, ele suspendeu a sessão. Os deputados
tiveram de ir ao plenário da Câmara para acompanhar as votações da ordem do
dia.
A expectativa dos ruralistas era ler e
votar o substitutivo do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) assim que as
votações no plenário terminassem e a reunião fosse retomada. Com o alongamento
de votações complexas no plenário, Florence pediu a palavra e determinou o
encerramento da reunião da comissão de lá mesmo, sob protestos de Nílson
Leitão. Nos corredores da Câmara, a expectativa era de que os ruralistas
tentariam uma nova manobra para realizar uma nova reunião da comissão. Eles
continuaram pressionando Alves e Florence a voltar atrás e para tentar votar o
relatório de PEC até tarde da noite, mas, já com o Congresso esvaziando-se, não
tiveram sucesso.
Eles precisariam apreciar o
substitutivo de Serraglio no máximo até amanhã. Em geral, os parlamentares
deixam Brasília para voltar aos seus estados no máximo até quinta na hora do
almoço. O recesso parlamentar está previsto para começar na próxima segunda
(22/12).
Do lado de fora do Congresso, um grupo
de mais de 50 índios passou o dia em protesto contra a PEC, cantando e
dançando, impedido de entrar no prédio por um grande contingente de policiais.
Não houve incidentes durante todo o dia.
“Essa foi realmente a vitória de 2014,
num momento em que não víamos a possibilidade de vencermos, diante dos votos e
das manobras ruralistas”, comemorou Sônia Guajajara, coordenadora da
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ela ressaltou a importância
da união de parlamentares aliados, organizações indígenas, indigenistas e ambientalistas
na luta contra a PEC.
Arquivamento
“O artigo 105 do Regimento da Câmara
determina que os projetos devem ser arquivados ao final da legislatura caso não
sejam aprovados por todas as comissões pelas quais precisam tramitar”, explica
Maurício Guetta, advogado do ISA.
Ele aponta, no entanto, que os
ruralistas ainda podem tentar uma amanobra regimental objetivando o não
arquivamento da PEC, ainda neste ano, ou o seu desarquivamento, no início da
próxima legislatura. Guetta prevê que eles seguirão tentando aprovar propostas
contrárias ao meio ambiente e aos direitos de povos indígenas e tradicionais.
Por:
ISA – Instituto Socioambiental
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Funai e Cimi pedem soltura dos cinco indígenas detidos após protesto - Agência Brasil