Em escutas telefônicas do Ministério
Público, líder de associação de produtores rurais diz que funcionário da CNA
precisava ser pago para elaborar parecer sobre projeto que visa paralisar
oficialização de Terras Indígenas e Unidades de Conservação
Na
tarde desta quarta (3/12), pode ser votado numa Comissão Especial da Câmara o
novo relatório da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215. Em ligação
interceptada legalmente pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia
Federal (PF), em agosto, Sebastião Ferreira Prado, líder da Associação de
Produtores Rurais de Suiá-Missu (Aprossum), menciona a intenção de pagar R$ 30
mil a um suposto assessor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
(CNA) para produzir o novo parecer da PEC 215.
A
proposta transfere do Executivo para o Congresso a tarefa de aprovar a
oficialização de Terras Indígenas (TIs), Unidades de Conservação e territórios
quilombolas. Por causa da força ruralista no parlamento, na prática vai
significar a paralisação definitiva da formalização dessas áreas.
“O
cara que é relator, o deputado federal que é o relator da PEC 215, quem tá
fazendo pra ele a relatoria é o Rudy, advogado da CNA, que é amigo e
companheiro nosso”, diz Prado nas conversas gravadas. “Esse trem custa 30 conto.
Eu dei cinco conto, o Navo vai dar cinco, precisa arrumar 20 conto de hoje pra
amanhã, que essa semana vai ficar pronto esse trem”, afirma.
Nas
gravações, Sebastião Prado diz que o pagamento para a elaboração do relatório
serviria para “colocar as coisas de interesse nosso” e informa ainda que seria
coordenador da campanha do então candidato à Presidência Aécio Neves (PSDB-MG)
“Rudy”
é o advogado Rudy Maia Ferraz, que foi consultor da bancada ruralista, até o
início deste ano, e, segundo a assessoria da CNA, funcionário da organização
até agosto de 2013. “Não sou advogado do produtor rural”, afirmou ao Correio
Braziliense, em agosto. Ele disse ao jornal que presta “serviços jurídicos a
entidades representativas do setor produtivo rural, que atuam em estreita
sintonia” com a bancada ruralista.
“A
entidade tão somente enviou parecer técnico favorável à PEC. O parecer foi
elaborado pela Superintendência Técnica da CNA, depois de o referido assessor
já ter deixado o quadro de funcionários da Confederação”, diz nota da
assessoria da CNA enviada ao ISA.
Prado
foi investigado e ficou preso por mais de dois meses por seu envolvimento com
uma quadrilha que promovia invasões à Terra Indígena Marãiwatsédé, no nordeste
de Mato Grosso. Segundo o MPF, o grupo recebia recursos de outros Estados e
apoiaria ações semelhantes na Bahia, Paraná, Maranhão e Mato Grosso do Sul.
Apesar
de ressalvar que o lobby seria atividade normal, o juiz federal Paulo Cézar
Alves Sodré, que decidiu prender Prado, destacou que o meio supostamente usado
para influenciar o relator da PEC seria indevido. “O fato de o relatório da PEC
215/2000 ter sido, supostamente, ‘terceirizado’ para a Confederação Nacional da
Agricultura (CNA), representa, a princípio, um desvirtuamento da conduta do
parlamentar responsável pela elaboração da PEC, eis que a CNA é parte política
diretamente interessada no resultado da mencionada PEC”, argumenta Sodré em sua
decisão
Substitutivo
Da
prisão de Prado, em 7/8, até a semana retrasada, a única movimentação na
tramitação da PEC 215 foi a apresentação pelo relator, deputado Osmar Serraglio
(PMDB-PR), de um substitutivo, muito diferente da proposta original, com
restrições ainda mais drásticas aos direitos indígenas. O fato aumenta a
suspeita sobre a participação direta da CNA na elaboração da proposta.
O
novo parecer adota a data de promulgação da Constituição (5/10/1988) como “marco
temporal” para comprovar a posse indígena, ou seja, a comunidade teria direito
à terra se puder demonstrar sua ocupação nessa data. Também veda ampliações de
Tis; exige que as demarcações tramitem no Congresso como qualquer projeto, com
a diferença de que deve ser de iniciativa do Executivo; abre as Tis à
exploração do agronegócio, por meio de arrendamentos; e exige a participação de
estados e municípios nas demarcações, entre outras limitações.
Algumas
das propostas são inspiradas no acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre
o caso da TI Raposa-Serra do Sol, de 2009, e em decisões recentes da corte nele
baseadas. O problema é que ainda há divergências no STF sobre a aplicação
da decisão de 2009 a outros casos.
“O
Congresso está usando decisões do STF para ir muito além do que a corte
decidiu. O STF nunca referendou conceder ao Congresso a atribuição de demarcar
Terras Indígenas, por exemplo”, alerta Márcio Santilli, sócio fundador do ISA.
A
PEC tem tramitação complexa: se for aprovada na comissão especial, segue para
os plenários da Câmara e do Senado, onde precisa ser aprovada por dois terços
dos parlamentares, em dois turnos de votação.
O
ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, e a própria presidente Dilma
Rousseff já manifestaram-se contra o projeto. O presidente da Câmara, Henrique
Alves (PMDB-RN), disse que ele não seria votado sem acordo.
Diante
das dificuldades, a PEC vinha sendo usada como meio para pressionar o governo a
mudar por si mesmo o procedimento de demarcação. Uma proposta com esse objetivo
está na gaveta de Cardoso há meses: ela cria uma série de obstáculos às
demarcações ao incluir nos processos ministérios e órgãos auxiliares, como a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Com
base nas decisões recentes do STF, no entanto, os ruralistas decidiram dar novo
fôlego à PEC. Pelo menos sua aprovação na comissão especial parece mais viável
diante da maioria absoluta da bancada do agronegócio no colegiado e do clima
tenso entre Planalto, base aliada e oposição neste fim de ano.
PL de regulamentação da Constituição
Para tentar aproveitar esse clima, os
ruralistas pretendem aprovar ainda, também na quarta e quase no mesmo horário,
o Projeto de Lei Complementar do Senado (sem nº) que regulamenta o parágrafo 6º
do artigo 231. A proposta tramita numa Comissão Mista e pretende excluir
das demarcações áreas com atividades e projetos econômicos, como fazendas e
linhas de transmissão (leia projeto). O projeto é de autoria
do senador Romero Jucá, (PMDB-RR), um dos mais notórios adversários dos
direitos indígenas.
*Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
Leia também: Relator mantém demarcação de terras indígenas pelo Congresso Nacional (Agência Câmara)
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