“Lamentamos a ausência de algumas autoridades e de
representantes de alguns órgãos governamentais envolvidos diretamente nesta
questão. Auguramos que se façam presentes em iniciativas como esta para que não
seja ‘um diálogo para nós mesmos’, mas seja um diálogo da sociedade civil
afetada”, escrevem os Bispos do Oeste do Pará, em declaração publicada sobre os
impactos dos projetos na Bacia do Tapajós.
Eis a declaração.
Nós, Bispos da Igreja Católica do Oeste do Pará, aproveitando
nossa participação no Seminário sobre Impactos, Desafios e Perspectivas dos
Grandes Projetos na Bacia do Tapajós, nos dias 23 e 24 de maio de 2016,
queremos manifestar o nosso apoio a esta iniciativa e partilhar nossas
preocupações e reflexões sobre assuntos tão delicados que afetam a vida de
forma global e o ecossistema amazônico.
Parabenizamos o Ministério Público Estadual e o Ministério
Público Federal de Itaituba por ter convocado todos os segmentos da sociedade
para um diálogo aberto e transparente. A sociedade civil e todos os órgãos das
gestões públicas municipais, estaduais e federais desta rica e bela bacia do
Tapajós mereciam esta oportunidade para debater sobre os grandes projetos que
se estão implantando na região sem a devida discussão pública e inclusive com
violação de direitos constitucionais, como por exemplo: a não realização de
consulta prévia, livre e informada às populações indígenas e tradicionais.
Trata-se de um modelo de desenvolvimento para região que vem sendo imposto pelo
poder central do país sem a devida consulta à população da região, ignorando
assim o direito das populações e autoridades locais de decidir o seu próprio
desenvolvimento.
Concordamos com os princípios éticos afirmados e defendidos
neste seminário, tais como:
· a procura incansável do bem comum e da diminuição da
desigualdade sócio-econômica, respeitando a diversidade cultural e ecológica;
· o reconhecimento do direito das populações e autoridades
locais de decidir sobre o modelo de desenvolvimento regional;
· o desenvolvimento deve estar centrado no respeito ao ser
humano e ao ecossistema que possibilita a vida para todos os seres e não no
lucro das empresas e do capital financeiro;
· o reconhecimento de que “somos administradores dos bens da
criação” e que “não somos deuses para querermos nos impor às leis da natureza e
da vida” (Juarez Munduruku);
· que se tomem medidas efetivas e eficazes para evitar os
impactos negativos já acontecidos onde se construiu hidrelétricas e outros
grandes projetos;
· que os estudos sobre os impactos sociais e ecológicos
abranjam toda a bacia do Tapajós e não só a área a ser inundada por uma
hidrelétrica;
· não se submeter aos grandes projetos esperando converter em
compensação socioambiental aquilo que o Estado está obrigado a realizar como
políticas públicas de educação, de saúde e de preservação ambiental;
· disciplinar e orientar a atividade garimpeira para que se
evite que os resíduos sólidos e não sólidos da atividade mineral provoquem
consequências desastrosas para vida do ser humano e dos ecossistemas;
· que qualquer intervenção cogitada para a região leve em
consideração o muito preocupante cenário das mudanças climáticas globais;
· que os estudos levem em conta a alta presença de metais
nocivos na bacia do Tapajós e que com a intervenção humana no ecossistema vão
multiplicar os efeitos desastrosos sobre a saúde das populações que aqui moram;
· que o Estado faça respeitar a lei em relação à vida social,
mas também que o próprio Estado respeite as leis, especialmente as relativas
aos direitos dos povos e comunidades tradicionais – como a consulta prévia,
livre e informada – e aos ecossistemas;
· que a Amazônia não mais seja vista como uma colônia do
exterior e do próprio Brasil. Por isso, que as riquezas extraídas do solo
amazônico sejam convertidas em qualidade de vida para seu povo;
· que se respeite as leis ambientais para os grandes
projetos, já enfraquecidas na prática, e não se aprove o Projeto de Lei do
Senado nº 654/2015 que visa alterar a Lei 6.938/81 da Política Nacional do Meio
Ambiente e instituir a licença ambiental única e a abolição das audiências
públicas.
Esperamos que o respeito a estes princípios éticos possam
nortear o desenvolvimento humano socioambiental que se almeja para esta região
da bacia do Tapajós.
Lamentamos a ausência de algumas autoridades e de
representantes de alguns órgãos governamentais envolvidos diretamente nesta
questão. Auguramos que se façam presentes em iniciativas como esta para que não
seja “um diálogo para nós mesmos”, mas seja um diálogo da sociedade civil
afetada.
Que continuemos empenhados, todos nós, como nos alerta o Papa
Francisco, pelo respeito e cuidado da casa comum, que nasce do reconhecimento
do mistério e graça da criação e da humildade e bom senso que disto deriva. O
próprio Papa Francisco em sua Encíclica Laudato Sì’ é quem orienta:
“185. Em qualquer discussão sobre um empreendimento,
dever-se-ia pôr uma série de perguntas, para poder discernir se o mesmo levará
a um desenvolvimento verdadeiramente integral: Para que fim? Por qual motivo?
Onde? Quando? De que maneira? A quem ajuda? Quais são os riscos? A que preço?
Quem paga as despesas e como o fará? Neste exame, há questões que devem ter
prioridade. Por exemplo, sabemos que a água é um recurso escasso e
indispensável, sendo um direito fundamental que condiciona o exercício doutros
direitos humanos. Isto está, sem dúvida, acima de toda a análise de impacto
ambiental duma região.
186. Na Declaração do Rio, de 1992, afirma-se que, «quando
existem ameaças de danos graves ou irreversíveis, a falta de certezas
científicas absolutas não poderá constituir um motivo para adiar a adoção de
medidas eficazes» que impeçam a degradação do meio ambiente. Este princípio de
precaução permite a proteção dos mais fracos, que dispõem de poucos meios para
se defender e fornecer provas irrefutáveis. Se a informação objetiva leva a
prever um dano grave e irreversível, mesmo que não haja uma comprovação
indiscutível, seja o projeto que for deverá suspender-se ou modificar-se.
Assim, inverte-se o ônus da prova, já que, nestes casos, é preciso fornecer uma
demonstração objetiva e contundente de que a atividade proposta não vai gerar
danos graves ao meio ambiente ou às pessoas que nele habitam.”
Por isso, convidamos todas as comunidades desta bela e rica
região do Oeste do Pará a cumprir com esmero esta responsabilidade social e
cristã que é de todos na diversidade de competências e possibilidades.
Que o bom Deus nos abençoe e nos ajude a continuar em
diálogo.
Itaituba, 24 de maio de 2016.
Dom Frei Bernardo Johannes Bahlmann, OFM Bispo da Diocese de
Obidos
Dom Flávio Giovenale, SDB Bispo da Diocese de Santarém
Dom Frei João Muniz Alves, OFM Bispo da Prelazia do Xingu
Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm. Bispo da Prelazia de Itaituba
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