A constitucionalidade do Decreto Federal n° 4.887/03, que
regulamenta o procedimento administrativo de titulação dos territórios
quilombolas, foi discutida em audiência pública promovida pelo Tribunal
Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), nesta segunda-feira (30).
Reunindo representantes de comunidades quilombolas,
organizações da sociedade civil, agronegócio, do Ministério Público Federal, da
Defensoria Pública da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a
audiência objetivou debater o conteúdo do direito quilombola à terra, previsto
no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da
Constituição Federal, congregando diferentes visões sobre o tema.
A necessidade de levar a discussão ao TRF-2 se dá devido ao
julgamento do decreto, que será apreciado por órgão especial do Tribunal.
Representantes do agronegócio questionam a constitucionalidade do decreto na
justiça o trabalho do Incra na titulação do território tradicional da
comunidade quilombola de Santana, localizada no município de Quatis, Estado do
Espírito Santo.
Caso o TRF-2 declare a inconstitucionalidade do decreto,
todos os processos de titulação de territórios quilombolas que tramitam nos
estados do Rio de Janeiro e Espírito Santos serão imediatamente paralisados.
Caso contrário, se houver declaração de constitucionalidade,
a luta das comunidades quilombolas pela legitimidade jurídica do direito à
terra será fortalecida, fator essencial no atual momento político onde estes
direitos fundamentais vêm sendo atacados no Poder Judiciário, no Legislativo e,
de forma mais recente, no Poder Executivo.
Em dezembro de 2013 o TRF da 4ª Região declarou a
constitucionalidade do decreto por doze votos contra três, no caso da
comunidade quilombola Invernada Paiol de Telha, localizada no município de
Reserva do Iguaçu (PR).
Esta decisão, somada a que será tomada no TRF-2,são
importantes referências para o julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 3239, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF)
e tem por objetivo avaliar a constitucionalidade do decreto nº 4887/03.
O assessor jurídico da Terra de Direitos, Fernando Prioste,
esteve presente na audiência e avalia que o momento foi propício para que as
comunidades quilombolas pudessem dialogar diretamente com o Tribunal e
especialistas da área. “O aprofundamento do debate levará a uma decisão mais
informada”, afirma.
Ainda segundo Prioste, a presença dos quilombolas na
audiência foi muito importante para as discussões. “A falta de informações e,
principalmente, de presença ativa dos quilombolas nos debates, só favorece aos
interesses de quem se opõe aos direitos quilombolas. Um auditório lotado de
quilombolas levou ao Tribunal as vidas e histórias que serão julgadas”,
destacou o advogado.
A audiência foi promovida por determinação do desembargador
federal André Fontes,que acatou pedido feito pela Coordenação Nacional das
Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e da Clínica Direitos
Fundamentais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Para saber mais sobre o os argumentos construídos pela
assessoria jurídica popular ao longo de anos de luta pelo direito à terra,
confira o livro “Direito constitucional quilombola: Análises sobre a Ação Direta
de Inconstitucionalidade 3239”, publicado pela editora Lumen Juris, com
organização de Fernando Prioste e Eduardo Fernandes de Araújo.
O Executivo e as
novas ameaças aos direitos quilombolas
Ainda nesta segunda-feira (30) foi publicado no Diário Oficial
da União o decreto n° 8.780/16, que transfere para a Casa Civil a
responsabilidade de titular os territórios quilombolas. Esta é a terceira
mudança de competência para a função desde que a presidenta Dilma Rousseff foi
afastada por uma ação golpista.
No último dia 13, através da Medida Provisória 726, o
presidente interino Michel Temer transferiua atribuição da titulação dos
territórios quilombolas do extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário para o
Ministério da Educação e Cultura. No dia 20, a MP foi alterada para delegar a
tarefa ao recém criado Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário.
Agora, o governo interino transferiu a competência para o
ministério da Casa Civil, alteração feita sem diálogo com os movimentos sociais
e comunidades quilombolas que explicita a tentativa do novo governo em
desmontar a política pública quilombola.
Estas alterações têm por objetivo dificultar – e até impedir
– a aplicação do direito constitucional quilombola à terra. O atual ministro da
Casa Civil, Eliseu Padilha, não tem experiência ou qualquer afinidade com o
tema.
A mudança não favorece a política de titulação dos
territórios quilombolas, que já andava a passos lentos. A política pública para
titulações precisa de aporte orçamentário, de apoio político e de estrutura de
Estado. É necessário que o Incra seja fortalecido, com a contratação de novos servidores,
disponibilização de recursos e de material para a realização o trabalho.