Lideranças estão também preocupadas com o atendimento nas
áreas da saúde e da educação nas aldeias.
Por Elaíze Farias e
Fábio Pontes*
O governo interino do
presidente Michel Temer (PMDB), que assumiu o cargo após o afastamento de Dilma
Rousseff (PT), completa [completou] um mês no próximo dia 12 sem definir uma
agenda para as populações indígenas do país. O ex-vice pemedebista chegou à
Presidência da República com o apoio das bancadas ruralista e evangélica no
Congresso Nacional, após votação da admissibilidade do processo de impeachment
da petista.
É dessas bancadas que
partem as propostas para flexibilizar os direitos indígenas, uma das maiores
ameaças à população que soma mais de 817 mil pessoas no Brasil, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No governo Temer ganhou
força a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 – cuja tramitação teve
início no governo Dilma – que prevê a transferência da Fundação Nacional do
Índio (Funai) para o Congresso Nacional a competência de demarcação de terras
indígenas.
O sinal vermelho foi
aceso quando o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, declarou em entrevista à Folha de S. Paulo, que poderia rever as últimas demarcações de terras feitas pelo governo Dilma Rousseff, publicadas no
“Diário Oficial da União” dias antes de o Senado afastar a presidente do cargo.
O processo de
demarcação de terras indígenas no Brasil, regulamentado pelo Decreto nº
1.775/96, consiste em três etapas, todas elas de competência exclusiva do Poder
Executivo. São elas: 1) Identificação (que incluiu a delimitação do território
a cargo da Funai), 2) declaração dos limites (a cargo do ministro da Justiça) e
3) homologação da demarcação, a cargo da Presidência da República.
Com uma administração
marcada pelo desprezo às reivindicações dos povos indígenas e pela decisão de
seguir com a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, Dilma
Rousseff, foi a presidente que menos demarcou terras indígenas nos últimos 31
anos. Menos até do que no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(2003 a 2006 e de 2007 a 2010), que lhe indicou como sua candidata à Presidência
da República nas eleições de 2010. No primeiro mandato (2011 a 2014) do governo
Dilma foram dez áreas declaradas e 11 homologadas. No mandato encurtado (2015 a
2016) foram 15 declaradas e dez homologadas. Sendo que no auge do processo do
impeachment foram regularizadas 12 terras.
A maioria das terras
regularizadas às pressas pela presidente Dilma Rousseff estavam engavetadas há
bastante tempo. Entre elas está a Terra Indígena Sawré Muybu, ameaçada pelo
projeto de um conjunto de usinas hidrelétricas na Bacia do Rio Tapajós (PA),
dos índios Munduruku, que ainda precisa ser homologada.
Na Amazônia Legal
concentra-se 98% das 700 terras indígenas existentes do país, o que equivale a
111,4 milhões de hectares. Nos estados do Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia,
Roraima, Pará, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins vivem 433 mil índios. Veja o
quadro das demarcações abaixo:
Os índios também
estão apreensivos com a mudança no comando da Funai. Ainda não foi nomeado o
novo presidente da fundação após a exoneração, no último dia 03 de junho, do
ex-senador João Pedro Gonçalves da Costa (PT), indicado pelo PMDB. O cargo está
ocupado interinamente por Artur Nobre, que é diretor de Promoção ao
Desenvolvimento Sustentável e servidor de carreira da Funai.
Simpatizantes de João
Pedro achavam que ele permaneceria no cargo pela sua ligação com o senador
Eduardo Braga (PMDB-AM), que é aliado de Dilma e que não assumiu cargos em
ministérios de Temer, apesar de ter sido convidado pelo presidente interino,
como apurou a reportagem. No entanto, a presidência da Funai seria alvo de
interesse do Partido Social Cristão (PSC), presidido pelo pastor Everaldo
Pereira.
Segundo o blog Coluna Esplanada do UOL, o próprio pastor Everaldo teria pedido a Temer a
prerrogativa para indicar o novo presidente da Funai. Procurado pela
reportagem, a assessoria de imprensa do pastor Everaldo negou a indicação,
dizendo que “não tem uma posição a respeito do assunto”. O PSC foi um dos
partidos que apoiaram o afastamento de Dilma da Presidência.
O Ministério da
Justiça foi procurado pela reportagem para informar a respeito da política
indigenista, mas a assessoria de imprensa não respondeu até a publicação desta
reportagem.
Lideranças indígenas
ouvidas pela reportagem da Amazônia Real temem que o governo de Michel Temer,
que tem principais aliados os ruralistas e evangélicos, reveja os processos de
13 terras identificadas, declaradas e homologadas no governo Dilma na região
amazônica. Veja o quadro baixo:
Durante o período que
ficou à frente da Funai, o petista João Pedro teve uma passagem controversa.
Foi dele a polêmica autorização para que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) licenciasse as obras da segunda fase do
Linhão de Tucuruí, dentro da Terra Indígena Waimiri Atroari, para Roraima.
Gonçalves também
demorou para intervir no conflito interétnico na Terra Indígena Vale do Javari,
no Amazonas, e a dar uma resposta ao protesto dos indígenas Matís. Ele ainda
assinou a transferência do pivô da manifestação à época, o agente indigenista
Bruno Pereira, para a coordenação da Frente Etnoambiental Vale do Javari, o que
provocou o retorno da tensão no Vale do Javari.
Em um balanço de sua
gestão publicado em 17 de maio no site da Funai, João Pedro Gonçalves declarou
que um dos pontos positivos foi a realização da 1ª Conferência Nacional de
Política Indigenista e a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista.
Ele também acenou contra possíveis mudanças nas demarcações de terra no governo
de Michel Temer. “Qualquer ato que vise desestruturar os direitos indígenas e
os direitos aos seus territórios de ocupação tradicional ou que vise revisar os
atos administrativos realizados é frontalmente inconstitucional”, disse.
Ao deixar a Funai no
dia 3 de junho, João Pedro fez uma espécie de prestação de contas de sua
administração em uma rede social destacando os problemas na política
indigenista atual e na saúde. “Estar à frente do órgão me fez tomar ciência dos
desafios impostos à política indigenista e da importância de o governo federal
fortalecer a Funai. Nesse período, pude viajar pelas cinco regiões do Brasil e
identificar os problemas vivenciados pelos servidores e povos indígenas.
Conclui que a Funai e a Sesai são as únicas instituições que realmente têm
presença dentro das terras e junto aos povos indígenas.No entanto, essa
presença ainda é muito tímida diante da complexidade e da grandiosidade
representadas pelos povos indígenas do Brasil e das demandas por eles
apresentadas cotidianamente”, afirmou.
João Pedro também fez
uma mea-culpa da gestão do PT à frente da Funai. “Sei que fizemos pouco se
olharmos o que ainda precisa ser feito para garantir a efetividade dos direitos
indígenas. Mas quero deixar registrado que fizemos tudo o que esteve ao nosso
alcance. Não descansamos nenhum dia e não iremos abrir mão das lutas que ainda
teremos que travar”, disse o ex-presidente da Funai.
O que dizem sobre o momento político as lideranças
entrevistadas pela Amazônia Real?
Mandeí Juma
Ela tem 28 anos,
cacique da Terra Indígena Juma, em Canutama, Amazonas. “Nós, Juma, não
aceitamos que o governo que está aí mude as demarcações das terras indígenas.
A gente não pode aceitar isso. Somos contra a PEC 215. A
demarcação das terras é um direito nosso, conquistado com muita dificuldade.
O governo deveria melhorar a saúde e a educação. Queremos que
nossos filhos aprendam em escolas bilíngues, coisa que a gente não tem.
Muitas crianças não falam a nossa língua porque na escola elas só
aprendem o português. Isso aí não é certo. Quanto à Funai, ela
deveria ser presidida por um indígena, alguém que tem interesse no nosso povo.” Leia mais sobre os Juma..
Jairo Saw Munduruku
Ele é assessor da
Associação Indígena Pariri do Médio Tapajós, em Itaituba, no Pará, tem 47 anos.
“A gente sabe que há pressão da bancada no Congresso. As terras
indígenas ainda têm matérias-primas, têm mineral. Estão de olho.
Vão fazer uma emenda tudo para que enfraqueça a Constituição sobre nossos
direitos. A gente não sabe se melhora com o governo Temer. Para
nós, ele vai apenas favorecer os grandes latifundiários, os empresários.
Não vai resolver os problemas dos indígenas. O Temer poderá fazer
coisa pior, talvez pior do que o anterior. Eu acreditaria no governo que
dissesse: ‘Olha, vamos resolver o problema dos indígenas, estamos preocupados
com a Amazônia, vamos apoiar todos os povos para que eles mantenham a floresta.
Vamos garantir seus direitos na Constituição’. O que a gente quer é
que solucione o problema dos indígenas, fazer tudo para que a Constituição seja
cumprida, que não assine a PEC 215, que não passe o projeto de mineração.
Sobre as hidrelétricas que querem construir, é para lembrar que elas não
vão gerar energia para as pessoas que estão na cidade. Será gerada para
grandes empresas mineradoras. Com as hidrelétricas, as cabeceiras dos
rios serão contaminadas. Todas as nascentes ficarão contaminadas.
Mas enquanto não houver esse interesse em resolver a situação dos
indígenas, só querendo resolver interesses das empresas, o Brasil vai virar um
caos. Vai ficar igual ou pior do que o governo anterior”. Leia mais aqui.
Mário Nicácio
Com 32 anos de idade,
do povo Wapichana, ele é presidente do Conselho Indígena de Roraima (CIR).
“O governo do Temer pode ser um retrocesso muito grande para os povos
indígenas. Na verdade, o governo como um todo nunca tem uma agenda para
os povos indígenas. E agora esse governo do Temer pode ter um retrocesso.
Aqui em Roraima temos uma preocupação. Aqui temos alguns nomes que
estão envergonhando a política nacional. É o ministro que caiu. Que
faz parte do governo [referindo-se ao senador Romero Jucá]. Nós estamos
atentos a isso. Ele caiu, mas não vai mudar em nada. Ele é senador.
Portanto, a nossa luta não vai diminuir. A luta é com relação ao
governo. Estamos conectados com o movimento indígena no Brasil.
Todo dia acompanhando. Dormimos pensando o que vai acontecer
amanhã. O governo Temer, a gente considera hoje, é um risco para a exterminação
dos direitos dos povos indígenas. A gente não tem esperança que possa
melhorar em relação aos povos indígenas. Pelo que a gente vê, o Temer não
quer implementar as ações da política indigenista. Até agora ele não deu
sinal sobre a regulamentação do Conselho Nacional de Política Indigenista
(CNPI). O que a gente está fazendo é acompanhar e monitorar. Quando
apertar, a gente vai fazer uma grande mobilização nacional. O que eu acho
é que coisas só vão direcionar mais ou menos depois da votação final do
impeachment. Se a Dilma entrar de novo, vamos ver o que acontece.” Leia mais aqui.
Zé Bajaga Apurinã
Coordenador-executivo
da Federação das Organizações Indígenas do Médio-Purus, no sul do Amazonas, tem
49 anos. “O que eu penso da nova política do presidente interino?
Estou meio nervoso com essa política. Inclusive, para nós,
indígenas em nível nacional onde uma das metas é tentar que ressurja a PEC 215.
Esse é um dos maiores medos nosso, que a PEC seja aprovada. A gente
aqui no Purus ainda tem muita terra para ser demarcada. Não apenas aqui,
mas no país todo. Essa política vai nos atingir diretamente. Esses
cargos de apoio que ele [Michel Temer] tem são os principais anti-indígenas.
Eles podem fazer mudanças. Se for aprovada a PEC 215, todos os
nossos direitos vão por terra. As que são demarcadas na abrangência da
Focimp estamos com 40 terras demarcadas nos municípios de Beruri, Tapauá,
Canutama, Lábrea, Pauini, Boca do Acre. Mas todos os municípios têm 28
terras aguardando demarcação. Sobre a Funai, queremos que ela mantenha
firme o processo da terra. O ministro da Justiça, pelo jeito, mostrou que
não quer mais demarcação. Mas estamos sempre atentos. Precisamos
nos organizar e mobilizar, estamos em contato com as outras lideranças,
mantendo informações, vamos montar uma estratégia para enfrentar essa
caminhada.”
André Fernando Baniwa
Da etnia Baniwa,
presidente da Organização Indígena da Bacia do Içana, no Alto Rio Negro
(Amazonas), tem 45 anos. “A situação é muito difícil. Muito grave. Antes
[governo Dilma] pelo menos estava para ter uma direção, mesmo com dificuldades,
mesmo com contra-ataque. Com o Temer, parece que [os interesses anti-indígenas]
ocuparam de vez o governo. Quando digo que não há espaço, digo que antes tinha
pelo menos uma coisa definida na Funai. Estava dentro de uma instituição que
podia defendê-lo [o indígena]. Já havia pessimismo, mas piorou. Mesmo com a
Dilma, ainda assim a Funai colocava as questões relativas aos indígenas em
pauta. Agora, não vejo uma pauta indígena. Foi criado o Conselho Nacional de
Política Indigenista, mas não tem agenda. Não tem notícia sobre isso. Sobre a
Funai, existe uma especulação de que o PSC quer assumir a presidência. Eu acho
que os indígenas estão preocupados com esta história. Não tem uma política de
Estado. Está tudo muito indefinido. A minha conclusão é, agora, que não
encontramos mais nem espaço. Está tudo desacreditado. Onde vamos colocar a
nossa crença? Em quem vamos acreditar agora? A não ser nosso próprio Deus, quem
nos criou e nos colocou na terra. Está feio para todo lado, um acusando o
outro. E têm os anti-indígenas ruralista querendo dominar todos os espaços para
ser completamente contra os direitos dos povos indígenas. Então vejo com muito
pessimismo, mas o movimento indígena vai continuar lutando”.
Ninawa Huni Kui
É presidente da
Federação Huni Kuin do Estado do Acre e vice-coordenador da Federação dos Povos
Indígenas do Acre, Noroeste de Rondônia e Sul do Amazonas, e tem 37 anos. “Para
nós não há uma boa perspectiva deste governo interino por estar acatando a
decisão de sua base, a bancada ruralista. Essa possibilidade de se colocar um
pastor na Funai representa um retrocesso pois são pessoas que não têm uma
relação muito voltada à organização cultural, espiritual dos povos indígenas.
Enquanto a questão da Saúde, há a intenção [de o governo] tirar uma secretaria
[a Secretaria Especial da Saúde Indígena], que tem toda uma estrutura montada,
para transformar numa coordenadoria da Saúde dos Povos Indígenas. Há a questão
da demarcação das terras indígenas ameaçada pela PEC 215 e outras PECs. Isso
[novo governo] de alguma forma dá uma certa garantia para que estas PECs
tramitem de forma mais acelerada, trazendo um grande retrocesso na
Constituição, da conquista dos direitos dos povos indígenas ao longo do tempo.
A gente só espera muita luta. Não dá para acreditar num governo que nunca teve
uma história com os povos indígenas, a não ser uma história de massacre. Não dá
para se confiar de que haverá coisas boas para os povos indígenas, haverá muita
luta. No início da nossa luta era para garantir os direitos no papel, para que
se transformassem em lei. Hoje essa luta é para pelo menos manter esse direito
que se tem e que está querendo ser acabado por esse governo. O fato é que há
uma bancada ruralista muito forte, uma bancada evangélica e latifundiária que
sempre tentaram antecipar esse retrocesso de direita. Os povos indígenas,
independente deste governo ou de qualquer outro, continuarão lutando, assim
como foi na ditadura militar e nos governos democráticos”.
Almir Suruí
Com 41 anos de idade,
ele lidera a Associação Metareilá do Povo Indígena Surui, em Rondônia. “Para
mim como liderança indígena é uma grande preocupação o que pode acontecer com a
política indigenista do país com este novo governo. Há vários parlamentares
atuando no Congresso para aprovar leis de mineração e outras leis que
prejudicam direitos indígenas. A gente não espera muito deste governo pois pode
haver um retrocesso na política indigenista. Com o governo do PT haviam
dificuldades, mas ainda se buscava o diálogo em alguns momentos para construir
essa política. Então, quando se vê a nova equipe do governo com uma visão
discriminatória e uma visão de destruir aquilo que está na Constituição,
realmente é preocupante. O movimento indígena precisa se mobilizar, debater e
avançar junto ao governo para não ocorrer retrocessos. Eu acho que precisa uma
pessoa que tenha compreensão e respeito aos direitos indígenas comandar a
Funai, e que tenha visão sobre o futuro do Brasil. Muitas das vezes as pessoas
acham que a questão indígena pode trazer prejuízos ao país. A luta dos povos indígenas
pelo seu território também pode contribuir muito para o futuro do Brasil. O
presidente da Funai precisa ter essa visão, e não visão discriminatória. Eu
repudio a atitude de parlamentares religiosos que querem interferir dentro da
Funai. Eu acho que a PEC 215 ganhará força dentro do Congresso, o que
representa um retrocesso para a luta do movimento indígena”.
Assis Kaxinawá
Presidente da
Organização dos Agricultores Kaxinawás da Terra Indígena Colônia 27, no
município de Tarauacá, no Acre, tem , 41 anos. “Nós populações indígenas do
Acre estamos achando uma situação muito difícil este novo governo, porque
quando ele assumiu entregou aos ruralistas a demarcação e homologação das
terras indígenas. A população indígena está se sentindo mais insegura. Ele pode
ser um dos piores governos para a população indígena, ou não. Nós, lideranças
indígenas, estamos receosos sobre a evangelização em terras indígenas. A
bancada evangélica no Congresso é contra a demarcação de nossas terras. Nosso
povo enfrenta problemas de demarcação das terras. Tem uma demarcada, uma em
estudo, outra está homologada e há outra que nem iniciou os trabalhos dos
antropólogos”.
Marcelo Marke Turu Matís
Uma das mais novas
lideranças da Amazônia, ele é assessor da Associação Indígena Matís (Aima), na
Terra Indígena Vale do Javari (AM), tem 30 anos. “A gente não vai desistir de
nossa luta. Estão querendo acabar com os direitos dos povos indígenas, o que
dificultou mais para a gente. A luta continua e a luta sempre vai ter. Não é
porque mudou o governo que vamos parar nossa luta. Com certeza nós vamos querer
enfrentar a guerra com esses caras, esse presidente que está assumindo. Essas
pessoas já quiseram acabar com terras indígenas para, no lugar, colocar
petróleo, agronegócio. É preciso mobilizar os parentes para irmos para Brasília
e fortalecermos nossa luta. Se aprovarem a PEC 215 vai ter muita briga. A gente
espera que essa pessoa que vai assumir a Funai venha ouvir os indígenas. Mas
nós também podemos nos unir, ir para Brasília e brigar para colocar alguém que
a gente quer. O João Pedro desrespeitou o povo Matis. Até agora, enquanto ele
está presidente, não está ouvindo os povos indígenas. Ele trouxe muitos
problemas para os povos aqui do Vale do Javari. Enquanto movimento indígena a gente
aguarda que o novo presidente venha a atender nossas reivindicações e faça o
melhor por nós”.
Braulina Aurora Baniwa
Do Alto Rio Negro, no
Amazonas, Braulina Aurora Baniwa é estudante de Ciências Sociais na
Universidade de Brasília (UnB), tem 32 anos e é membro da diretoria do Coletivo
de Estudantes Indígenas. “Há preocupação do governo Temer não continuar ou não
reconhecer direitos que conseguimos conquistar com sangue derramado de nossos
ancestrais, sofremos ameaças todos os dias, perdemos parentes indígenas ainda
por lutar pelo seu território tradicional. Existem muitas emendas parlamentares
que atingem diretamente os povos indígenas. Uma das mais críticas é a PEC 215 e
a PEC 65 [que trata do licenciamento ambiental]. Como mulher indígena do Amazonas,
penso nas futuras gerações do meu povo. Não sonho para futuras gerações a
leitura na história de que o governo acabou com o maior floresta do mundo com a
instalação de hidrelétricas com a desculpa de progresso, ou de não lutar por
esses direitos de sermos consultados, participar ativamente nas discussões do
que queremos para nossa região ou comunidades.
Para o governo Dilma,
nós éramos vistos como entraves para progresso do país. Índio bom é índio morto
para o agronegócio. Pois, então, o que esperar desse usurpador, digo, o governo
Temer? Como povos indígenas, não temos nada a esperar. Uma das ameaças maiores
é entregar a Funai para a bancada evangélica. Temos, sim, que temer porque as
nossas práticas culturais indígenas, definitivamente sofrem ameaça de extinção.
Não preciso comentar que voltamos ao tempo de colonização, onde índio precisava
ser batizado na igreja para salvar a alma, e que sua cultura são práticas de
pecado. Temos lutado incansavelmente para preservar e valorizar nossas
culturas. Estamos no processo de construção junto às comunidades do plano de
proteção aos nossos territórios; lutamos e temos algumas escolas indígenas
reconhecidas pelo governo anterior de uma excelência de qualidade de ensino.
Na educação, queremos
manter o ensino via pesquisa que valoriza conhecimento tradicional junto à
ocidental. Não queremos perder a nossa língua materna, então não queremos um
dizimador indígena à frente da Funai, ou um anti-índigena na Secadi. A reforma
de ensino tira de nós o direito de falar à sociedade que existimos e que
fazemos parte da história desse país e somos parte da resistência de história
desse país.
Com esse novo
governo, tememos perder tudo. Os direitos sociais conquistados que levaram
milhares de jovens estudantes indígenas a ter acesso ao ensino superior, com a
política de ações afirmativas diferenciada. Como mãe, mulher indígena e
estudante, só tenho algo a dizer: continuaremos na luta e não recuaremos por
qualquer ameaça, e assim manter os direitos e deixar mais acesso aos direitos
para futuras gerações”.
Fonte: Amazônia Real