Por Pierre Le Hir*
Para os ativistas do meio ambiente e
os povos indígenas que lutam contra a apropriação e a destruição de suas
terras, de suas florestas e de suas águas, 2015 foi um ano funesto. Foi o que
revelou o relatório "On Dangerous Ground" (Em terreno perigoso) publicado,
na última segunda-feira (20), pela ONG Global Witness, especializada na
denúncia de conflitos, de corrupção e de violações dos direitos humanos
associados à exploração dos recursos naturais.
Em todo o planeta, o relatório
levantou nada menos que 185 assassinatos associados a questões ambientais —ou
seja, uma morte a cada dois dias— perpetrados em 16 países, um número 59% maior
que em 2014 e jamais atingido desde que a ONG começou a fazer esse levantamento
macabro, em 2002.
O balanço real "certamente é mais
elevado", ressalta a Global Witness, uma vez que a coleta de informações é
muito difícil.
"Para cada assassinato que
conseguimos documentar, outros não puderam ser verificados ou não foram
notificados", relata a ONG. "E para cada vida perdida, muitas outras
são arruinadas pela onipresença da violência, de ameaças e da
discriminação."
"Grilagem
de terras"
No ano passado, o maior número de
mortes entre defensores do meio ambiente foi no Brasil (50 mortes), nas
Filipinas (33) e na Colômbia (26). Eles foram mortos em conflitos associados em
sua maior parte à extração de minérios, mas também a atividades
agroindustriais, madeireiras, hidrelétricas ou de caça ilegal.
Quanto aos autores desses
assassinatos, o relatório indica que grupos paramilitares são "suspeitos"
de envolvimento em 16 casos; o Exército, em 13; a polícia, em 11, e
serviços de segurança privados, em outros 11.
"Enquanto a demanda por produtos
como minérios, madeira e óleo de palma continua, governos, empresas e bandos
criminosos se apropriam de terras ignorando as populações que ali vivem",
denuncia Billy Kyte, responsável pelas campanhas na Global Witness.
Só que o relatório aponta que
"poucos elementos indicam que as autoridades tenham investigado plenamente
os crimes, ou tenham tomado medidas para que os responsáveis sejam
punidos."
Diante desse crime quase organizado,
as populações indígenas são as mais vulneráveis.
"Devido à insuficiência de seus
direitos à terra e a seu isolamento geográfico, elas ficam particularmente
expostas à apropriação de suas terras para a exploração de recursos
naturais", aponta a ONG.
Quase 40% das vítimas registradas em
2015 pertenciam a comunidades indígenas. "Estas se encontram cada vez mais
ameaçadas pela expansão territorial das empresas mineradoras ou
madeireiras", constata Billy Kyte.
Os Estados amazônicos do Brasil, em
particular, viveram "níveis de violência sem precedentes".
"Fazendas, plantações ou gangues
de madeireiros ilegais invadem terras de comunidades," descreve o
relatório da Global Witness. "A floresta tropical deu lugar a milhares de
acampamentos ilegais, enquanto a fronteira agrícola está sendo empurrada para
dentro de reservas indígenas que antes permaneciam intactas."
A pressão é muito forte: 80% da
madeira proveniente do Brasil seria extraída ilegalmente, e essa madeira
representaria um quarto dos abates ilegais que alimentam os mercados mundiais,
destinados sobretudo aos Estados Unidos, à Europa e à China.
O fim brutal de certos defensores do
meio ambiente foi coberto pela mídia. Em setembro de 2015, na ilha de Mindanao
(sul das Filipinas), a jovem ativista Michelle Campos assistiu um grupo
paramilitar assassinar seu pai e seu avô —líderes da comunidade autóctone— e um
diretor de escola, na frente do Exército regular.
Eles se recusavam a ser expropriados
por companhias mineradoras que cobiçavam o carvão, o níquel e o ouro do
subsolo. Cerca de 3 mil indígenas tiveram de fugir de seus vilarejos, onde 25
assassinatos foram registrados só nesse ano. Mas muitas pessoas que morreram
por suas terras permanecem anônimas.
Segundo dados coletados pela Global
Witness, a África continua relativamente livre desses abusos, com exceção da
República Democrática do Congo, onde 11 guardas de parques nacionais foram
mortos.
É uma constatação "ainda mais surpreendente
pelo fato de que muitos países africanos estão sujeitos a uma violência
profunda, e que os conflitos parecem muitas vezes ligados à terra e aos
recursos naturais", observa a ONG. A explicação poderia ser uma falta de
informações provenientes de zonas rurais isoladas, onde as organizações
humanitárias são pouco representadas.
"Escolha
dos consumidores"
No entanto, o relatório ressalta um
"aumento no número de casos de criminalização de ativistas em toda a
África", como a prisão do diretor de uma ONG em Camarões que combate a
extração do óleo de palma; ameaças na República Democrática do Congo contra o
coordenador de uma ONG que atua na proteção de florestas comunitárias; prisão
de um ativista ambiental em Madagascar que denunciava o tráfico de pau-rosa;
condenação em Serra Leoa do porta-voz de uma associação de proprietários de
terras afetados pelo domínio das palmeiras para extração de óleo, etc
A situação no continente africano não
é a única a ser mal documentada. "As informações são falhas para países
como a China e a Rússia, onde ONGs e a mídia sofrem repressão", explica
Billy Kyte.
Para ele, "as agressões que
vitimam os defensores ambientais são sintoma de uma repressão mais ampla que
atinge os atores da sociedade civil, em países onde os interesses dos governos
e os das companhias privadas entram em conflito."
Como proteger mais os ativistas da
causa ambiental? "Os governos e as empresas precisam acabar com os
projetos que desprezam os direitos das comunidades de usufruir de suas terras,
para conter a espiral da violência", alega a Global Witness.
"Os assassinatos que continuam
impunes nos vilarejos mineradores remotos, ou em pleno coração das florestas
tropicais, são alimentados pelas escolhas que os consumidores fazem do outro
lado do planeta."
Fonte: Le Monde –
Tradução: UOL