Massacre. A palavra resume o resultado
do ataque sofrido na manhã desta terça-feira, 14, pelos Guarani e Kaiowá da
terra indígena Dourados-Amambai Peguá, município de Caarapó (MS). Conforme informações
de lideranças indígenas e da Fundação Nacional do Índio (Funai), o Kaiowá e
agente de saúde indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, 23 anos, foi
assassinado com ao menos dois tiros, morrendo ainda no local. Até a tarde desta
terça, seis indígenas foram encaminhados ao Hospital São Matheus, na mesma
cidade, alvejados por disparos de arma de fogo, entre eles uma criança de 12
anos, atingida com um tiro no abdômen.
Três Guarani Kaiowá foram removidos
para o Hospital da Vida, em Dourados, e dois aguardam remoção. Todos correm
risco de morte. Apenas uma mulher, atingida no braço, deverá receber alta ainda
nesta terça.
No entanto, de acordo com servidores
da Funai, o número de feridos deve ser ainda maior porque os indígenas se
dispersaram pelo território, em fuga, com a chegada de cerca de caminhonetes,
motocicletas, cavalos e trator usados por pistoleiros, capangas e homens que
chegaram atirando contra o acampamento em que os Guarani e Kaiowá estavam na
Fazenda Yvu, incidente sobre a terra indígena, atualmente em processo de demarcação
pelo Minitério da Justiça (MJ).
Em filmagens feitas pelos próprios
Guarani e Kaiowá é possível ver uma centena de homens armados, queimando motos
e demais posses dos indígenas. A maioria dos indivíduos está vestida com um
uniforme preto; nas filmagens, é possível ouvir gritos de: “Bugres! Bugres!”,
forma pejorativa usada para se referir aos indígenas na região sul do país.
Caminhonetes circulam como moscas ao redor dos homens de preto e das enormes fogueiras
usadas para incendiar tudo o que antes era o pouco que estes Guarani e Kaiowá
possuíam, além da terra tradicional pela qual mais um massacre contra o povo se
registra.
Os Guarani e Kaiowá não saíram da área
retomada. Refugiaram-se de forma dispersa em outros rincões do território e na
própria reserva que compõem a terra indígena.
Na porta do Hospital São Matheus, em
Caarapó, a preocupação maior de familiares das vítimas, que vivem em reservas
vizinhas, era sobre a segurança dos indígenas que ainda seguem na área do massacre.
O clima de tensão é tamanho que viaturas da Polícia Militar foram para a
Fazenda Yvu ajudar a socorrer as vítimas, mas acabaram atacadas pelos
indígenas; temiam que os policiais chegassem para atacá-los, posto que na
região a polícia é associada pelos Guarani e Kaiowá aos fazendeiros.
Operação
Massacre
O ataque foi uma resposta à retomada
realizada pelos indígenas de Tey’i Kue na Fazenda Yvu, vizinha à reserva.
Segundo S.T., liderança indígena que estava no local e pediu para não ser
identificada, no último domingo, 12, um grupo de 100 famílias reocupou o
território chamado de tekoha Toropaso, onde incide a Fazenda Yvu. “Quando
chegamos lá, não tinha ninguém na fazenda, só um funcionário que era indígena.
Explicamos nossa luta e ele se propôs a ficar com nós”, relata S.T.
No dia seguinte, os indígenas
receberam a Polícia Federal (PF) no local, acompanhada da Força Nacional,
Polícia Militar e Polícia Civil, além de duas caminhonetes em que estavam,
segundo a liderança, alguns fazendeiros da região.
Após a saída da polícia, um grupo de
carros se aglomerou num ponto a cerca de três quilômetros do acampamento
indígena, e os observou por cerca de quatro horas. Na terça-feira, por volta
das sete da manhã, cerca de 200 carros se concentraram no mesmo local do dia
anterior.
“Às sete da amanhã, começamos a
avistar carro chegando no mesmo local de ontem”, relembra. “Vinha mais de
duzentos carros. Fizeram uma divisão, dois grupos: um veio de um lado, pela
divisa da aldeia, fizeram um cerco na gente. Do outro lado, veio pá cavadeira
[tipo de trator] e arrebentou a cerca, e começaram a entrar pelo campo. Vieram
atirando, atirando, tiroteio feio mesmo, arma pesada”.
A liderança segue no relato: “A gente
foi empurrado de volta pra aldeia. Eles continuaram atrás e entraram na
reserva, atacando. No meio desse ataque o filho da nossa liderança caiu morto,
as pessoas foram feridas”, conta S.T.
Tudo indica que a operação massacre
desencadeada contra a comunidade está longe de um fim. “Estamos cercados aqui.
Tá tudo rodeado, os fazendeiros estão em volta. Não podemos nem entrar nem
sair”, diz S.T. Ainda, os indígenas afirmam saber quem são produtores rurais
responsáveis pelos disparos.
Relatório
publicado e manifestações públicas
Em maio, os indígenas estiveram em
Brasília, pressionando pela publicação do relatório da terra indígena Dourados-Amambai
Peguá. Sob pressão, a Funai assinou o relatório.
Dessa forma, a demarcação da terra indígena teria prosseguimento e o massacre,
para as lideranças indígenas, é uma forma criminosa e covarde de intimidar as
autoridades públicas e expulsar os Guarani e Kaiowá de uma terra que lhes
pertence.
Em nota, o Conselho Indigenista Missionário
categorizou como “paramilitar” a ação, e afirma que, no último semestre, foram
registrados ao menos vinte e cinco casos similares entre os Guarani e Kaiowa do
estado.
*Fonte: Cimi