Fotografia: Juan Doblas/ICMBio |
Licitação das primeiras unidades de
manejo foi suspensa pela Justiça até publicação de laudo antropológico sobre
comunidades locais
O Ministério Público Federal no Pará
(MPF/PA) ajuizou ação para pedir a interrupção da segunda licitação de áreas da
floresta nacional (flona) do Crepori, no sudoeste do Pará. O objetivo é
garantir direitos de comunidades locais, o mesmo motivo que levou a Justiça
Federal a suspender os contratos da primeira licitação.
A nova ação
foi encaminhada à Justiça Federal em Itaituba nesta segunda-feira, 13 de junho.
O MPF pede a suspensão imediata do procedimento de concessão florestal dos 250
mil hectares do chamado lote leste ou lote 2 da flona, que abrange as unidades
de manejo florestal I e IV.
Também foi
pedida a manutenção da suspensão até a elaboração de estudo antropológico que
defina as características dos povos existentes na floresta. Se ficar comprovado
que áreas da flona são ocupadas por indígenas, ribeirinhos ou outras
comunidades tradicionais, essas áreas não poderão fazer parte de concessões florestais.
Em decisão
liminar (urgente) de abril deste ano, a Justiça Federal suspendeu os contratos
que permitiam a exploração dos 194 mil hectares das unidades de manejo II e
III, áreas licitadas em 2013. A suspensão vale até a conclusão do laudo
antropológico.
“Trata-se de
mesma área exatamente porque a floresta nacional é um organismo unitário e os
traços antropológicos que se pretende analisar estão, possivelmente, espalhados
por toda a unidade, inclusive nas novas unidades licitadas, e não só naquelas
já licitadas”, destaca o MPF na nova ação.
Flonas de Itaituba I e II
Em outro processo em que pediu a
suspensão de concessões florestais para defender direitos de comunidades
indígenas e tradicionais – a concessão dos 295 mil hectares das unidades de
manejo I, II e III das flonas de Itaituba I e II, também no sudoeste paraense –
o MPF informou a Justiça sobre
a publicação oficial do Relatório Circunstanciado de Identificação e
Delimitação (RCID) da Terra Indígena Sawré Muybu.
No processo,
em que a Justiça não acatou o pedido do MPF de suspensão das concessões por
decisão liminar, a União havia defendido que as concessões não podiam ser
suspensas porque não havia declaração oficial da existência de indígenas na
flona.
Além de suprir
essa alegada falta de dados oficiais, o RCID, publicado em abril, afirma
expressamente que “a área identificada incide em sua totalidade, sobre a Flona
Itaituba II”.
Para o MPF, o
conteúdo do RCID impõe que a União, por meio do Serviço Florestal Brasileiro
(SFB), reavalie a concessão florestal da flona, e que, por meio do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), faça a readequação do
plano de manejo florestal para prever a existência desses povos no interior da
unidade e, se for o caso, reclassificá-la, além de realizar os estudos
antropológicos necessários para a identificação de todas as populações
residentes nas unidades.
Manifesto
Para não compactuar com o que
consideram apenas a simulação de um diálogo e não um diálogo real, no último
dia 9 os Munduruku decidiram não participar de reunião do conselho consultivo
das flonas de Itaituba I e II. Divulgada com três dias de antecedência, a pauta
da reunião incluía o tema da concessão
de exploração madeireira.
Em vez de ir
ao evento, os Munduruku divulgaram um manifesto contra a postura de descaso do
ICMBio, do SFB e do Ministério do Meio Ambiente em relação aos direitos dos
índios e dos demais povos tradicionais. "Sabemos que o ICMbio convocou
essa reunião às pressas para cumprir exigências legais e legitimar suas
decisões, passando mais uma vez por cima do povo Munduruku e mentindo que
dialoga com a gente", destaca o texto.
"Questionamos
a origem e a imagem de 'protetores da floresta' que o ICMBio insiste em
sustentar. (...) Vocês afirmam que essa terra não é 'tradicionalmente ocupada
por nós' e vocês quererem leiloar uma grande área de florestas ao nosso redor
para madeireiros. Querem fazer isso sem saber o impacto que isso trará pra nós, sem nos
consultar como a lei obriga e, ainda, sabendo que essa floresta que vocês
querem entregar pra madeireiro tem nossas marcas. São terras de ocupação
ancestral indígena e ribeirinha, que vocês decidiram chamar de flona. Fazendo
isso, vocês, Ministério do Meio Ambiente, ICMBio e Serviço Florestal Brasileiro se assumem como parte do
processo colonizador que extermina povos e pensamentos. Estão usando de
violência, desprezando nosso conhecimento e desrespeitando nossos locais
sagrados, bens de natureza imaterial, que são também parte do Patrimônio
Cultural Brasileiro, segundo o artigo 216
da Constituição", critica o documento.
O manifesto
cita um dos pontos abordados pelo MPF na ação judicial pela suspensão das concessões
florestais: a violação da Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho, que assegura a consulta prévia, livre e informada aos povos
interessados, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis
de afetá-los diretamente.
"Nosso manifesto é pela falta de respeito com que as
instituições governamentais vêm nos tratando, contrariando nossas decisões e
passando por cima do nosso direito à consulta. Fizemos um protocolo de consulta
que mostra a nossa forma de dialogar e decidir.
Se não recebemos informações e nem fomos consultados sobre a concessão
florestal, nos termos que exigimos nesse documento, não temos por que
participar de um conselho que nada decide e de uma reunião que somente
'informa'. (...) Então, é melhor vocês aprenderem a falar a nossa língua, se querem MESMO dialogar. Temos que usar as suas
palavras, para fazer ouvir nossas vozes, mas elas não podem dizer o nosso
mundo. Enquanto vocês falam em 'madeira', nós conhecemos cada uma das árvores,
sabemos de sua origem, como nos ajudam a curar e até mesmo a construir nossas
casas."
Fonte: Ministério
Público Federal no Pará - Assessoria de
Comunicação