Desde ontem, quinta 21/06/2012, os índios afetados pela Hidrelétrica de
Belo Monte ocupam um terreno de construção da Barragem. Eles decidiram pela
ocupação para manifestar sua insatisfação com o desrespeito de seus direitos e
o não-cumprimento das condicionantes, em especial aquelas relativas aos
indígenas. Com organização própria e contando apenas com seus recursos, eles
ocuparam uma ensecadeira que está sendo construída no Sítio Pimental que visa
permitir a construção da obra. A manifestação é pacífica, e eles exigem a
presença de representantes do governo e da Norte Energia Sociedade Anônima.
Ontem, os Xikrin daTerra Indígena Trincheira-Bacajá e Juruna do
Paquiçamba chegaram à ensecadeira por rio, vindos de suas TI, que ficam a
jusante da barragem, na região que sofrerá com a seca, em área chamada pelo
empreendimento de Vazão Reduzida do Xingu. Embarcações partiram também de
Altamira, onde alguns indígenas chegaram por estrada vindos das aldeias mais
distantes, e de onde partiram indígenas que permaneciam ou residem na cidade. São
esperados os Arara da Volta Grande do Xingu e representantes de todas as Terras
Indígenas na região, vindos dos rios Iriri e do Xingu, a montante de Altamira,
além dos citadinos. Hoje de manhã lideranças parakanã partem para se reunir aos
que já se encontram acampados na ensecadeira.
Os índios estão insatisfeitos com a situação, já que as condicionantes
que deveriam anteceder as obras não estão sendo devidamente cumpridas em suas
terras e em Altamira. Além daquelas que afetam a todos – como a demora em
investir na infra-estrutura da cidade, nos serviços de saúde e educação e no
saneamento básico que estão cada vez mais sobrecarregados com o aumento
populacional já sentido pela região –, os povos indígenas preocupam-se com a
demora na implantação do Plano Básico Ambiental – componente indígena (PBA),
que deveria estabelecer e efetivar os programas de compensação e mitigação dos
impactos já sentidos na região pelos indígenas; com a demora na entrega aos
Xikrin dos Estudos Complementares do Rio Bacajá, que por ora apenas foram
apresentados nas aldeias, e que permitiria um melhor dimensionamento dos
impactos neste rio e para os Xikrin, e garantia da definição de programas de
compensação e mitigação destes impactos, em especial pela seca que prevêm que
seu rio sofrerá com a construção do empreendimento; pelo desconhecimento do PBA
pelos indígenas, do qual se pede mais e melhores apresentações para todos
entenderem; pela demora em definir a situação fundiária das Terras Indígenas
Terra Wangã, Paquiçamba, Juruna do Km. 17 e da Cachoeira Seca; pela indefinição
no sistema de transposição da barragem e o temor de que eles fiquem isolados de
Altamira, cidade onde estão os principais serviços que lhes atendem (de saúde,
educação, escritórios da FUNAI); por não autorizarem a construção de mais
estradas como alternativa ao transporte fluvial atualmente utilizado pelos
indígenas e que será dificultado pela transposição da barragem e pela seca
(vazão reduzida) do leito do rio; e pela falta do investimento necessário e
anterior à obra em infraestrutura nas aldeias impactadas, como por exemplo para
garantir a captação de água potável nas aldeias da Volta Grande do Xingu, nas
quais a água do rio, até então consumida pela população, já está barrenta e
insalubre devido à construção.
Abaixo, a carta de uma das etnias que realizam a ocupação:
MANIFESTO DOS XIKRIN DO BACAJÁ
Parem com isso, deixem o rio correr. Deixem que nossos barcos andem pelo
rio. Parem com isso, deixem o rio correr para as crianças banharem e beberem de
sua água. Se fizerem a barragem o rio vai ficar ruim, a água não vai mais ser
boa. O rio vai ficar seco, por onde vamos navegar?
Deixem o rio correr para a gente ir para o mato caçar para nossos filhos
e netos comerem, para que no rio que corre bem a gente pesque, saia cedo para
pescar para nossas crianças comerem.
Nossos Estudos mal foram completados e vocês estão falando da barragem,
não gostamos disso. O PBA nem saiu e vocês já estão começando a fazer a
barragem, não gostamos disso. Nós queremos que a barragem de Belo
Monte pare de vez!
Texto produzido pelos homens reunidos na aldeia do Bacajá, Terra
Indígena Trincheira-Bacajá, com assessoria na tradução da antropóloga Clarice
Cohn.