Mais de 15 mil lotes já foram vendidos
ilegalmente na região, o que provoca reconcentração fundiária e graves
conflitos agrários. Para o MPF/PA, a ineficiência do Incra desvirtua a reforma
agrária
O
Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) iniciou ação civil pública na
Justiça Federal de Marabá contra o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) pela omissão em evitar e reprimir a comercialização e a
ocupação ilegal de lotes de reforma agrária na região sul e sudeste do Pará,
assistida pela Superintendência Regional 27 (SR-27).
Levantamento
do próprio Incra demonstrou, em 2009, que chegava a aproximadamente 15 mil o
número de lotes reconcentrados ilegalmente na região administrada pela SR-27,
número maior do que o de famílias acampadas à espera de assentamento nos
municípios do sudeste do Pará, que são 11 mil. Essa situação, desde então,
pouco se alterou.
“Como o
Incra não investe na infraestrutura – incentivando, assim, o abandono, a
comercialização ilegal e a concentração dos lotes – e, de outro lado, deixa de
retomar as parcelas indevidamente ocupadas ou concentradas e adotar todas as
providência correlatas, acaba perdendo o controle da situação ocupacional dos
assentamentos, liberando indevidamente recursos em favor de quem não tem
direito e se vendo obrigado a desperdiçar vultosas quantias para a
desapropriação de imóveis particulares”, resume a ação, assinada pelos
procuradores da República Tiago Rabelo e André Raupp.
É a mesma
região onde, um ano atrás, foram mortos José Cláudio Ribeiro e Maria do
Espírito Santo, lideranças que combatiam justamente a venda de lotes e a
extração ilegal de madeira no assentamento onde viviam. Para o MPF/PA,
conflitos agrários e assassinatos continuarão ocorrendo como consequência
também da omissão do Incra em estruturar os projetos de assentamento,
fiscalizar a comercialização ilegal de lotes e a concentração fundiária nos
projetos de assentamento.
A ação do
MPF/PA se baseia em dados do próprio Incra e em mais de 24 procedimentos
abertos pela Procuradoria da República em Marabá, todos tratando da venda e
concentração ilegal de lotes de reforma agrária, nos quais se verificou que
esses casos geralmente estão associados com conflitos agrários e malversação de
recursos públicos, dentre outras irregularidades.
Foram
cobradas providências do Incra, mas pouco foi feito. Mesmo num caso de tamanha
gravidade como o do Praialta Piranheira, mais de um ano depois do assassinato
das lideranças o instituto foi incapaz de atender o pedido do MPF/PA e de
outras entidades, pois ainda não apresentou o relatório conclusivo da revisão
ocupacional do assentamento ou adotou medidas concretas e efetivas para retomar
as áreas ou retirar ocupantes ilegais.
Consequências graves
A atuação
deficiente da autarquia, que insiste em descumprir a lei, traz consequências
graves, como demonstra relatório do Incra de 2011: o número de lotes de reforma
agrária na região comportaria o assentamento de quase 90 mil famílias. No
entanto, apenas cerca de 70 mil estão efetivamente assentadas. “Tal dado é a
comprovação de que há pessoas concentrando lotes nos projetos de assentamento
da região, a impedir que outros clientes sejam assentados”.
Como
resultado, a autarquia se vê obrigada a desapropriar áreas particulares com
gasto de recursos próprios, enquanto há lotes já demarcados nas mãos de
aproveitadores, afirma a ação do MPF/PA. De acordo com informações requisitadas
pelo MPF/PA, o Incra não sabe sequer quem ocupa qual lote dentro do assentamento,
pois não faz levantamento ocupacional periódico e deixa de emitir os contratos
de concessão de uso, conforme exige a lei, o que acarreta a falta de
informação, a liberação de créditos para não clientes da reforma agrária e a
malversação de recursos públicos.
Apenas no
assentamento Rio da Esquerda, por exemplo, foram liberados quase 300 créditos
para pessoas que não são clientes da reforma agrária mas têm lotes no local.
Como não fiscaliza a aplicação das verbas, apesar de liberado dinheiro para
construção de mais de 2 mil casas, foram efetivamente erguidas apenas 511
moradias. Além disso, liberou-se verbas para a construção de 948 casas a mais
do que a própria capacidade do assentamento, situação que se repete em outros
projetos de assentamento da região e deve ser objeto de outras ações do MPF/PA.
O MPF/PA
pede na ação que o Incra seja obrigado a constituir equipes permanentes
formadas por servidores de outras superintendências e com pessoal suficiente
para, no prazo de cinco anos, fazer o levantamento ocupacional completo dos
projetos de assentamento da região, adotar todas as providências correlatas
para regularizar a situação e atualizar sua base de dados, como exige a
legislação. As equipes também deverão auditar, inclusive com diligências em
campo, todos os procedimentos de liberação de créditos da SR-27 nos quase 500
projetos de assentamento da região.
A
necessidade de equipes formadas não apenas por servidores da SR-27 é
justificada pela carência de pessoal e pelas várias ações ajuizadas contra servidores
do Incra na região, alguns acusados de participar das irregularidades tratadas
na ação. O descontrole sobre as verbas, aliás, já havia dado origem à
assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta com o MPF/PA em 2009 e a um pedido
para suspensão das liberações de crédito no ano eleitoral de 2010.
Todas
essas obrigações devem se aplicar também a assentamentos criados no futuro.
Além do levantamento e da auditoria – que terão como consequência ações
concretas de retomada de lotes, ressarcimento de créditos liberados
irregularmente e o fim das liberações de créditos para quem não é cliente da
reforma agrária – foi pedido ainda que o Incra obedeça suas próprias normas
internas, emitindo os Contratos de Concessão de Uso para os assentados, e faça
uma “uma intensa campanha de conscientização sobre a ilegalidade da
comercialização de áreas públicas, informando as penalidades legais aplicáveis
aos infratores”.
A ação
judicial foi ajuizada na semana passada e vai tramitar na 2ª Vara Federal de
Marabá.
Fonte: MPF - Ministério Público Federal