Enquanto
os imponetes rios da Amazônia são ocupados por usinas hidrelétricas e tornam o
Brasil a "Potência Energética do século 21", o impacto dessas obras
nas populações locais continua a ser ignorado
Por
Felipe Milanez*
Às margens do Rio Tapajós, em Itaituba (PA), um
encontro de grupos sociais discute os impactos da construção da primeira de
cinco hidrelétricas na região. Felício Pontes está com a palavra. Procurador
Federal do Pará e atuante em defesa de populações atingidas por usinas, ele
aponta no mapa a cachoeira Sete Quedas, um dos locais da construção da usina no
rio Teles Pires, formador do rio Tapajós.
“É o
local de procriação dos peixes”, Pontes explica, tentando provar que as usinas
na Amazônia não são necessárias para o desenvolvimento do país, enumerando
formas de desperdícios e energias alternativas. “Sou ruim de matemática, mas é
só fazer as contas.”
Em
seguida, Kubatiapã (nome indígena de Tiago Munduruku), cacique do povo
mundurucu, pede para contar o pesadelo que teve na noite anterior.
“Estávamos
andando, um bocado de pessoas. Pintados. Com arco e flecha nas costas, na
direção do poente. Num momento vem um avião, passando pertinho. E de uma
estrada, para um carro, e eles começam a atirar. O avião metralha. Eu estava
com a arma, o arco na mão, que virou uma espingarda 22. O jato começou a atirar
contra o povo, na direção dos mais fracos. Gritei para todo mundo entrar no
mato. Era como pingo d’agua caindo do céu. Eram projéteis, balas. Nos
escondemos, e fomos para essa cachoeira sagrada. Lá é um lugar protegido. Ali
está a história”, diz. “Se acontecer a hidrelétrica, o rio Tapajós tem história
indígena. Vão acabar com o rio. Vão acabar.”
De acordo
com informações do Ministério Público e da organização International Rivers, o
governo federal planeja construir três usinas no rio Tapajós, quatro no
Jamanxim (um afluente) e seis barragens para o Teles Pires, que, juntamente
como o Juruena, forma o Tapajós. Para a bacia toda, que inclui ainda o rio
Apiacás, o plano é levantar um total de 16 barragens, que impactariam mais de
dez mil indígenas que vivem às margens desses rios.
O
pesadelo do genocídio indígena sonhado por Kubatiapã talvez não seja uma
fantasia. No encontro, ocorrido em maio, o cacique debateu com lideranças dos
movimentos sociais do rio Madeira, como Iremar Antônio Ferreira, do Instituto
Madeira Vivo, e Antônia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo. O objetivo
é construir uma “aliança pelos quatro rios”, envolvendo Madeira, Xingu, Tapajós
e Teles Pires. Jesielita Roma Gouveia, coordenadora do fórum social dos
movimentos da BR-163, estrada que está sendo asfaltada e trará impactos à
região, foi escolhida para ser a coordenadora do movimento Tapajós Vivo.
“Itaituba
cresceu desordenadamente desde a época do garimpo”, reclama Jesielita. “Depois,
vieram as madeireiras, e agora os projetos de rodovia, hidrovia, complexos
hidrelétricos e PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) que estão no PAC 2, da
presidente Dilma. O governo não conhece nossa realidade. Não estamos preparados
para receber um projeto desse porte. A gente está sofrendo muito.”
*Parte da matéria que se
encontra na íntegra na Revista Rolling Stones (Edição
69 - Junho de 2012)