Marcus Orione*
As greves no setor público trazem à tona algumas
sérias questões que merecem ser debatidas.
A presidente declarou, em dado momento, que o
importante era a geração de empregos, sendo que, para isto, é relevante o
controle das contas públicas. Assim, pretendeu ganhar a simpatia da população
contra as reivindicações e promover a cisão da classe trabalhadora --colocando
trabalhadores do setor privado contra os do público. Nessa linha, passou a
pressionar os grevistas.
A colocação é, no mínimo, contraditória.
Demonstrarei a partir da atuação do governo em um setor da iniciativa privada,
supostamente geradora de postos de trabalho.
Recentemente, certa empresa do setor automotivo
anunciou a dispensa de cerca de 1.500 trabalhadores. Em tom ríspido, a
presidente disse que isso era inadmissível, em vista da isenção do IPI para
esse setor.
Aparentemente, belo o discurso. No entanto, a
ameaça atual, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e
Região, é de que sejam despedidos 1.840 empregados. Na realidade, sem qualquer
proteção efetiva, como a adoção, por exemplo, da estabilidade legal, não existirão
freios às dispensas coletivas. Felizmente, por outro lado, existe previsão
desse direito no setor público, caso contrário, muitos grevistas já teriam sido
dispensados.
Para além do discurso, algo precisa ser explicitado
no episódio.
A expensas dos cofres brasileiros, as montadoras
obtiveram, desde o início da crise internacional, elevadíssimas renúncias
fiscais. Ou seja, o governo deixou de arrecadar tributos para construir
hospitais, escolas etc. A dispensa de pagamento de IPI encontra-se neste pacote.
Ressalte-se: também neste lapso essas mesmas montadoras remeteram lucros para
as matrizes no exterior em quantias extremamente altas.
No mundo em crise, somos nós que estamos
financiando a recuperação das empresas das grandes potências? Basta uma multinacional
vir ao país e acrescentar à firma o sobrenome Brasil que todos os brasileiros
se tornam seus financiadores?
No caso específico da montadora mencionada,
observadas as atividades correlatas, a estimativa do sindicato é que o impacto
sobre o mercado de trabalho será a eliminação de cerca de 15 mil postos de
trabalho.
Neste contexto, a defender os trabalhadores,
existem alguns poucos bons sindicatos, que resistem e que buscam a preservação
do emprego, sem a diminuição das garantias trabalhistas. Com isso, entretanto,
têm dificuldades de sobreviver.
Os sindicalistas pelegos, que promovem hoje o que
atende pelo sofisticado nome de sindicalismo de resultados, preferem não fazer
oposição ao patronato e apresentam propostas de possibilidade de negociação desfavorável
aos trabalhadores --o que, inclusive, diriam eles, deveria fazer parte da
solução do problema em análise.
Por fim, diante de tamanho descalabro, o governo
resolve agir. Após recrudescer o tratamento aos grevistas do setor público,
fazendo crer ao setor privado que isso trará crescimento de empregos, encontra
a justa saída: prorrogar a isenção do IPI.
Pagamos com mais renúncia fiscal, totalmente
contrária ao propalado controle dos gastos públicos, a futura perda dos postos
de trabalho. Registre-se que não foi imposta contrapartida séria, que
considerasse os montantes renunciados e a futura preservação de postos de
trabalho, para as empresas beneficiadas. Postergamos, gastando tempo e dinheiro
público, a real solução do problema. Perde o trabalhador. Perde o Brasil. Quem
ganha?
MARCUS ORIONE, 47, doutor e livre-docente, é professor do Departamento de Direito do
Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP. Publicado em
Tendências & Debate no sítio da Folha.