segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Greve no setor público e geração de empregos


Marcus Orione*

As greves no setor público trazem à tona algumas sérias questões que merecem ser debatidas.

A presidente declarou, em dado momento, que o importante era a geração de empregos, sendo que, para isto, é relevante o controle das contas públicas. Assim, pretendeu ganhar a simpatia da população contra as reivindicações e promover a cisão da classe trabalhadora --colocando trabalhadores do setor privado contra os do público. Nessa linha, passou a pressionar os grevistas.

A colocação é, no mínimo, contraditória. Demonstrarei a partir da atuação do governo em um setor da iniciativa privada, supostamente geradora de postos de trabalho.

Recentemente, certa empresa do setor automotivo anunciou a dispensa de cerca de 1.500 trabalhadores. Em tom ríspido, a presidente disse que isso era inadmissível, em vista da isenção do IPI para esse setor.

Aparentemente, belo o discurso. No entanto, a ameaça atual, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, é de que sejam despedidos 1.840 empregados. Na realidade, sem qualquer proteção efetiva, como a adoção, por exemplo, da estabilidade legal, não existirão freios às dispensas coletivas. Felizmente, por outro lado, existe previsão desse direito no setor público, caso contrário, muitos grevistas já teriam sido dispensados.

Para além do discurso, algo precisa ser explicitado no episódio.

A expensas dos cofres brasileiros, as montadoras obtiveram, desde o início da crise internacional, elevadíssimas renúncias fiscais. Ou seja, o governo deixou de arrecadar tributos para construir hospitais, escolas etc. A dispensa de pagamento de IPI encontra-se neste pacote. Ressalte-se: também neste lapso essas mesmas montadoras remeteram lucros para as matrizes no exterior em quantias extremamente altas.

No mundo em crise, somos nós que estamos financiando a recuperação das empresas das grandes potências? Basta uma multinacional vir ao país e acrescentar à firma o sobrenome Brasil que todos os brasileiros se tornam seus financiadores?

No caso específico da montadora mencionada, observadas as atividades correlatas, a estimativa do sindicato é que o impacto sobre o mercado de trabalho será a eliminação de cerca de 15 mil postos de trabalho.

Neste contexto, a defender os trabalhadores, existem alguns poucos bons sindicatos, que resistem e que buscam a preservação do emprego, sem a diminuição das garantias trabalhistas. Com isso, entretanto, têm dificuldades de sobreviver.

Os sindicalistas pelegos, que promovem hoje o que atende pelo sofisticado nome de sindicalismo de resultados, preferem não fazer oposição ao patronato e apresentam propostas de possibilidade de negociação desfavorável aos trabalhadores --o que, inclusive, diriam eles, deveria fazer parte da solução do problema em análise.

Por fim, diante de tamanho descalabro, o governo resolve agir. Após recrudescer o tratamento aos grevistas do setor público, fazendo crer ao setor privado que isso trará crescimento de empregos, encontra a justa saída: prorrogar a isenção do IPI.

Pagamos com mais renúncia fiscal, totalmente contrária ao propalado controle dos gastos públicos, a futura perda dos postos de trabalho. Registre-se que não foi imposta contrapartida séria, que considerasse os montantes renunciados e a futura preservação de postos de trabalho, para as empresas beneficiadas. Postergamos, gastando tempo e dinheiro público, a real solução do problema. Perde o trabalhador. Perde o Brasil. Quem ganha?
MARCUS ORIONE, 47, doutor e livre-docente, é professor do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP. Publicado em Tendências & Debate no sítio da Folha.
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