Fotografia: Filipe Redondo |
- Pedimos ao Governo e à Justiça
Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas decretar nossa morte
coletiva e enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para
decretar nossa extinção/dizimação total, além de enviar vários tratores para
cavar um grande buraco para jogar e enterrar nossos corpos. Este é o nosso
pedido aos juízes federais.
O trecho pertence à carta de um grupo de 170 indígenas que vivem
à beira de um rio no município de Iguatemi, no Mato Grosso do Sul, cercados por
pistoleiros. As palavras foram ditadas em 8 de outubro ao conselho Aty Guasu
(assembleia dos Guaranis Caioás), após receberem a notícia de que a Justiça
Federal decretou sua expulsão da terra. São 50 homens, 50 mulheres e 70
crianças. Decidiram ficar. E morrer como ato de resistência – morrer com tudo o
que são, na terra que lhes pertence.
Há cartas, como a de Pero Vaz de
Caminha, de 1º de maio de 1500, que são documentos de fundação do Brasil:
fundam uma nação, ainda sequer imaginada, a partir do olhar estrangeiro do
colonizador sobre a terra e sobre os habitantes que nela vivem. E há cartas,
como a dos Guaranis Caioás, escritas mais de 500 anos depois, que são
documentos de falência. Não só no sentido da incapacidade do Estado-nação
constituído nos últimos séculos de cumprir a lei estabelecida na Constituição
hoje em vigor, mas também dos princípios mais elementares que forjaram nosso
ideal de humanidade na formação do que se convencionou chamar de “o povo
brasileiro”. A partir da carta dos Guaranis Caioás, tornamo-nos cúmplices de
genocídio. Sempre fomos, mas tornar-se é saber que se é.
Os Guaranis Caioás avisam-nos por
carta que, depois de tantas décadas de luta para viver, descobriram que agora
só lhes resta morrer. Avisam a todos nós que morrerão como viveram:
coletivamente, conjugados no plural.