No papel, Brasil é maior o equivalente a duas vezes o Estado de São Paulo que na realidade
Do Oiapoque ao Chuí, o território brasileiro tem cerca de 8,5 milhões de
km². Oficialmente, segundo o IBGE, essa é a superfície do País. No papel,
porém, o território brasileiro é maior. Quando se faz a soma da área de todos
os imóveis rurais cadastrados no Incra (Instituto Nacional de Colonização e
Reforma), o resultado final chega a 9,1 milhões de km².
É uma diferença notável: a área que sobra equivale a duas vezes o
território do Estado de São Paulo. Ou, para quem se sente melhor com grandezas
imperialistas, à soma dos territórios da Alemanha e Inglaterra.
O esticamento do território nacional foi verificado pelo Sindicato
Nacional dos Peritos Federais Agrários, após obter no Incra, por meio da Lei de
Acesso à Informação, dados detalhados do Serviço Nacional de Cadastro Rural —
que tem a tarefa de recolher informações de todos os imóveis rurais registrados
no País. O mapeamento reúne informações de 2011. As de 2012 ainda não foram
compiladas pelo Incra.
Os peritos concluíram que o Brasil, uma das maiores potências agrícolas
do mundo, está longe de ter um cadastro de terras confiável. O problema mais
aparente é o que eles chamam de sobrecadastro — quando a soma das áreas
declaradas pelos proprietários nos cartórios supera a superfície real do
município. Nessa categoria, o caso que mais chama a atenção é o de Ladário, no
Mato Grosso do Sul.
Dez
andares
De acordo com o IBGE, a superfície daquele município alcança 34.250
hectares. Mas a soma da área dos 139 imóveis cadastrados é mais do que dez
vezes maior: chega a 397.999 hectares. Dito de outra forma, para que o território
cadastrado coubesse no real seria necessário erguer dez andares de terras sobre
Ladário.
O município sul-mato-grossense chama a atenção por estar no topo da
lista, mas o problema não ocorre só lá, nem é exclusividade do Brasil profundo.
Palmas e Cuiabá, capitais de dois Estados que se destacam como importantes
produtores agrícolas — Tocantins e Mato Grosso —, enfrentam o mesmo problema.
Pelas informações obtidas no Incra, dos 5.565 municípios brasileiros,
1.354 tem sobrecadastramento, o que representa cerca de um em cada quatro. A
razão mais comum para o descompasso são fraudes nos registros e até erros na
transcrição dos números. Mas não é só. Os peritos apontam desatualização dos
registros e, sobretudo, as condições precárias em que são feitos.
Fernando Faccio, perito federal do Incra em Florianópolis (SC) e
porta-voz do sindicato, questiona a fragilidade da verificação.
— Quase tudo gira em torno da declaração que o proprietário faz no
cartório sobre o tamanho de sua terra. Os órgãos estaduais de terras não
possuem um bom mapeamento das áreas; os cartórios não têm obrigação de garantir
que a terra registrada não está em cima de outra; e o Poder Público também não
vai lá verificar.
Para Faccio, o fato de o Brasil não conhecer sua malha fundiária é
inaceitável, principalmente quando se considera que as tecnologias já
existentes, como o georreferenciamento, permitem resolver o problema de maneira
eficiente.
— Só posso imaginar que os empecilhos no caminho da modernidade são
essencialmente políticos.
Terra
a menos
Sobra de terra no cadastro não é o único drama. Na região Norte do País
verifica-se o subcadastramento, que ocorre quando a superfície registrada é
menor do que a real. A causa principal é a existência de grandes áreas de
terras devolutas, controladas pelo Estado e frequentemente ocupadas de maneira
irregular. O sindicato estima que na região amazônica só 4% do território está
cadastrado.
— Os órgãos de governo não tem controle de suas terras, o que acaba
favorecendo os conflitos agrários na região.
O sindicato do qual ele faz parte defende a ideia de que o Incra passe a
se dedicar exclusivamente ao controle fundiário, transferindo para outros
organismos a questão da reforma agrária. O órgão passaria a se chamar Instituto
de Terras.
— Sem conhecer sua malha fundiária, o Brasil não consegue definir
políticas públicas de maneira consistente, não consegue evitar a insegurança
jurídica. No momento não se sabe nem quanta terra se encontra nas mãos de
estrangeiros.
O assunto atrai a atenção da presidente Dilma Rousseff desde quando era
chefe da Casa Civil. Confrontada com questões relacionadas a desmatamento,
conflitos agrários, políticas sociais na zona rural, a então ministra constatou
que existem cadastros paralelos no Incra, na Receita Federal e nos ministérios
do Meio Ambiente e da Agricultura — e que nenhum deles é confiável.
Na Presidência, ela tem cobrado a consolidação de um cadastro único e
confiável. A ministra Gleisi Hoffmann, que substituiu Dilma na Casa Civil, é
uma das pessoas encarregadas de analisar a questão.
Fonte: Estadão via Portal R7 (figura não incluída na notícia original).