Órgão
ambiental aponta atrasos e descumprimentos de medidas de prevenção de impactos
e de obrigações de compensação por danos sofridos pela população afetada por
Belo Monte, mas não adota sanções legais contra empreendedor
Por
Verena Glass*
Mais
caro projeto de infraestrutura do país em andamento, a hidrelétrica de Belo
Monte, no rio Xingu (PA), tem sido alvo, nos últimos anos, de uma série de
ações na Justiça em função dos problemas sociais e ambientais da obra – levantamento do Movimento Xingu Vivo para Sempre,
sediado em Altamira (PA), aponta que tramitam atualmente 56 processos contra
Belo Monte. Apesar dos problemas, porém, as ações de mitigação e compensação
dos impactos – as chamadas condicionantes e o Plano Básico Ambiental
(PBA) –, previstas no licenciamento ambiental, têm sido negligenciadas pelo
Consórcio Norte Energia, responsável pela usina.
Publicada na última semana, uma análise do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis) sobre o status do cumprimento das
condicionantes da Licença de Instalação e do PBA de Belo Monte mostra um quadro
grave de irregularidades na implantação tanto das medidas antecipatórias (que
deveriam ter sido realizadas antes das obras para evitar a ocorrência de
impactos) quanto de mitigação (compensação de danos sofridos).
De
acordo com o documento do Ibama, passados quase três anos do leilão da obra, a
Norte Energia ainda não concluiu o Cadastro Socioeconômico (CSE) das famílias
afetadas pelo empreendimento – não sabendo, portanto, quantos e quem são os
atingidos por Belo Monte –, não implantou os aterros sanitários em Altamira e
Vitória do Xingu, não fez as obras de saneamento básico nesses municípios e nas
comunidades afetadas por Belo Monte, não construiu hospitais e não implantou
equipamentos de saúde e educação, não reassentou famílias de comunidades
desapropriadas, não fez a recomposição das atividades produtivas de áreas
remanescentes, não terminou o sistema de transposição de embarcações no local
onde o barramento do Xingu impede a navegação do rio, não informou a população
como se dará esse processo, e não implementou os projetos de recomposição da
infraestrutura viária como previsto, entre inúmeras outras irregularidades.
Norte Energia não completou cadastramento de ribeirinhos afetados (foto: Verena Glass) |
Grosso modo, apenas 9,7% das
obrigações da Licença de Instalação foram devidamente cumpridas, avalia o corpo
de advogados do Instituto Socioambiental (ISA), que tem monitorado o andamento
das condicionantes das licenças prévia e de instalação de Belo Monte desde o
início das obras. Muitas delas tiveram seus prazos renegociados e, de acordo
com o relatório do Ibama, outras foram postergadas pela Norte Energia sem
prévio conhecimento ou concordância do órgão ambiental, o que é grave tendo em
vista as consequências sobre a população afetada.
Ou
seja, como as condicionantes foram estipuladas como medidas prévias às obras
justamente para evitar impactos mais graves, explica a advogada Biviany Garzón,
do ISA, estender prazos deixa os afetados pela usina numa situação de extrema
vulnerabilidade. “O Ibama deveria embargar a obra até o cumprimento das
condicionantes e do Plano Básico Ambiental. Não terem cumprido as ações
referentes ao saneamento, por exemplo, afeta diretamente a saúde da população”,
afirma a advogada.
Na
área rural, as principais vítimas da negligência são famílias que,
desapropriadas, não foram reassentadas ou indenizadas devidamente. Em um trecho
do documento, os técnicos do Ibama chegam a considerar a situação de uma das
comunidades desapropriadas – Santo Antônio, localizada no epicentro das obras
do sítio Belo Monte – como “traumática”. “O processo por que passa a comunidade
da Vila Santo Antônio é traumático. A demora em proceder ao reassentamento
deixa as famílias em meio a casas demolidas, terrenos antes cuidados pelos
antigos moradores que agora estão tomados por mato, e trânsito de caminhões e
pessoas estranhas à comunidade, que tornam mais dolorida a mudança de vida
nesta fase”.
De
acordo com a Defensoria Pública de Altamira, correm atualmente 67 ações contra
a Norte Energia por problemas referentes a Santo Antônio. Algumas famílias,
explica a defensora Andréia Barreto, chegaram a receber apenas R$ 3,1 mil pelas
suas casas e terras, valor com o qual claramente não puderam recompor a vida em
outra localidade, sobretudo diante da especulação imobiliária nos municípios
afetados pela hidrelétrica.
Já
outros atingidos sequer foram reconhecidos como tal. “É o caso do seu Amadeu.
Um dos moradores mais antigos de Santo Antônio, o pescador não tinha título de
propriedade e a Norte Energia se negou a indenizá-lo até que entramos com um
processo. Ele finalmente foi incluído no Plano de Atendimento à População
Atingida e hoje vive de aluguel em uma casinha paga pela empresa”, conta a
defensora. Segundo ela, foram impetradas sete ações somente envolvendo casos de
famílias agroextrativistas excluídas do Plano de Atendimento, mas, no total,
até dezembro de 2012 estavam correndo 20 processos por reparação de danos a
famílias ribeirinhas ajuizados pela Defensoria. A maioria pede revisão dos
valores pagos a título de indenização.
Seu Amadeu em meio a destroços de casa derrubada em Santo Antônio: dificuldades de receber indenização (foto: Verena Glass) |
Responsabilidade do Ibama
Procurado pela
reportagem, o Ibama não quis comentar os atrasos e não cumprimentos das
condicionantes de Belo Monte. Segundo a assessoria de imprensa, o órgão apenas
“encaminhou ofício notificando o empreendedor a resolver as pendências
apontadas no parecer técnico 168/2012, estabelecendo prazos para que sejam
atendidas”, mas não estipulou nenhuma penalidade à Norte Energia.
Além
de não aplicar medidas cabíveis previstas por lei, como o embargo das obras da
usina, o Ibama sinaliza que considera fato consumado a instalação de outro
projeto que deve multiplicar os impactos socioambientais da região afetada por
Belo Monte: a mineradora Belo Sun, que pleiteia licença de lavra de ouro por 12
anos na Volta Grande do Xingu, exatamente a região mais impactada pela usina.
No documento sobre as condicionantes, o órgão recomenda à Norte Energia atenção
“à influência que o empreendimento de mineração da Belo Sun pode causar à
região da Transassurini, evitando que famílias que optem por carta de crédito
adquiram suas novas propriedades em área que possa ser diretamente afetada pela
Belo Sun”. A mineradora está em fase de licenciamento pela Secretaria de Meio
Ambiente do Estado, mas já foi alvo de duas recomendações contrárias por parte
do Ministério Público Federal e de um pedido de declaração de inviabilidade por
parte do ISA.
Segundo
o procurador do Ministério Publico Federal no Pará, Ubiratan Cazetta, o MPF
ainda está estudando o documento do Ibama, mas a princípio a conclusão cabível
é que condicionantes e licenciamentos ambientais têm sido tratados como mera
formalidade pelo Consórcio Norte Energia e pelo órgão ambiental, afirma o procurador.
“Parece que temos dois mundos aqui: o teórico, onde as condicionantes
resolveriam todos os problemas da obra, e o concreto, onde não se cumpre as
condicionantes e, mesmo se cumprisse, os problemas persistiriam.”
Segundo
Cazetta, o MPF pode responsabilizar e requerer punição tanto ao empreendedor,
que falha no cumprimento das condicionantes, quanto ao Ibama, que falha na
fiscalização e autuação das irregularidades. “A postura leniente do Ibama não
apenas enfraquece a instituição da condicionante, como também deixa os afetados
sem nenhuma defesa em seus direitos”, afirma o procurador.
Procurada
pela reportagem, a Norte Energia, através de sua assessoria, comunicou que a
diretoria da empresa está em planejamento e incomunicável.
*Fonte: Repórter Brasil