Renato Santana*
Cerca de 20 lideranças
Munduruku, povo que vive entre os estados do Mato Grosso e Pará, exigiram
durante audiência pública na manhã desta terça-feira, 19, no Ministério da
Justiça, em Brasília, a apuração do assassinato de Adenilson Munduruku
e o ressarcimento dos estragos causados pela Operação Eldorado à comunidade.
Em 7 de novembro do ano
passado, a operação foi deflagrada pela Polícia Federal contra os
moradores da aldeia Teles Pires, contando o apoio da Fundação Nacional do Índio
(Funai). A violência foi tamanha que até bombas foram atiradas contra as estruturas
da aldeia por helicóptero da Polícia Federal.
“O ministro da Justiça (José
Eduardo Cardozo) veio falar em diálogo. Vocês (governo federal) são
os primeiros a quebrar o protocolo e agir com violência. Queria ver se tivesse
sido um índio a ter matado um agente da Polícia Federal... queria ver se ele
estaria solto”, declarou Tarabi Kayabi, depois do ministro Cardozo dizer que
espera “um diálogo franco e fraterno” com os indígenas e que “tudo está sendo
apurado com rigor e imparcialidade”.
Além de Cardozo, passaram
pela audiência pública o ministro de Minas e Energia Edson Lobão e
representantes dos ministérios da Saúde, Educação, Planejamento e Secretaria da
Presidência da República, além da presença da presidenta da Funai, Marta
Azevedo, que conduziu o encontro depois da breve passagem do ministro da
Justiça.
O que os Munduruku
querem do governo federal é reparação pela operação da Polícia Federal, que
terminou com a destruição da aldeia Teles Pires, um indígena assassinado pelo
delegado que comandava a operação, outros dois Munduruku gravemente feridos à
bala e uma comunidade acossada de diferentes maneiras pelos agentes federais:
mulheres, crianças e idosos mantidos por horas embaixo de sol forte, invasões
às casas e ameaças.
“Sabemos que é isso o
que eles (governo federal) querem: construir uma usina no nosso território.
Acontece que não viemos para cá (Brasília) com o objetivo de negociar. Não
queremos nenhuma usina hidrelétrica, mas sim a estrutura que os federais
destruíram na ação assassina, demarcação de terras e melhoras na educação e
saúde. Não vamos permitir nem os estudos para a construção de usina nenhuma”,
afirmou Valdelino Manhuary Munduruku, da aldeia Karoçal, Rio das Tropas.
A presença de
executivos do setor energético brasileiro durante a audiência pública, por
outro lado, mostrou a face de um fantasma que ronda as aldeias Munduruku e está
por trás dos principais conflitos entre Estado e comunidades tradicionais no
país, sobretudo na região Norte: a construção de usinas hidrelétricas. Para
analistas, a construção de usinas ligadas aos complexos de Tapajós e Teles
Pires pode estar por trás da ação da Polícia Federal em novembro de 2012.
Omissão de informação
O que o governo
federal justifica é que a Operação Eldorado tinha como objetivo destruir
complexos de mineração clandestinos. Na medida em que os Munduruku mantinham
uma dessas estruturas no rio Teles Pires, se tornaram alvo da operação.
Entretanto, o que o governo federal omite é que desde 2002 os indígenas
combatiam o garimpo ilegal em suas terras e há pelo menos dois anos propunham
medidas para a geração de renda com o intuito de abandonar a prática que eles
mantiveram como herança colonizadora para estruturar a saúde e educação das
comunidades.
“Pela ausência do
Estado, os Munduruku tiveram que arrumar formas próprias de gerar renda para
manter estruturas de saúde e educação. Avaliamos que a ação da PF foi para
destruir essa fonte de recursos e motivar que as comunidades fossem pedir ao
governo federal auxílio, o que seria usado pelos governistas como barganha para
a construção da usina”, explica o secretário executivo do Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), Cleber Buzatto.
Como alternativa à extração
do ouro, os indígenas exigiam suporte para implantar e consolidar projetos de
produção de artesanato, produção de mel de abelhas, piscicultura, avicultura,
implantação de casa de farinha e agricultura (consórcio de culturas). Nada
disso foi levado à frente pelo governo federal. Apenas os projetos de
construções das usinas hidrelétricas. Coincidência ou não, dias antes da ação
da Polícia Federal os Munduruku da aldeia Teles Pires impediram a entrada de
técnicos do governo na terra indígena para a realização de estudos aos projetos
das usinas.
Tarabi Kayabi lembrou,
durante a audiência, que pediu pessoalmente à presidenta da Funai que a
Operação Eldorado fosse suspensa na comunidade Munduruku, mas que não foi
atendido e o pior aconteceu. “Agora precisam indenizar a família do parente que
morreu e os outros dois que não podem mais trabalhar devido aos ferimentos. A
Polícia Federal teve ainda a cara de pau de dizer que usou balas de borracha e
isso está provado que é mentira”, destacou Tarabi.
Sem negociação
Durante a audiência,
Valdelino Manhuary Munduruku leu uma carta, aprovada na Assembleia Geral do
Povo Munduruku, ocorrida entre 29 de janeiro e 1º deste mês, exigindo punição
ao assassino de Adenilson Munduruku e o ressarcimento dos prejuízos causados.
Também, atacou duramente as tentativas do governo federal de construir usinas
hidrelétricas no território Munduruku e que seguirão resistindo aos projetos.
“Nada está sendo
resolvido. O governo faz reunião, manda representante, faz audiências. Porém,
tudo fica na mesma. Queremos dizer que eles (governo) não têm feito nada.
Depois acontece do ministro dizer que a culpa foi do índio, ninguém paga por
nossas mortes e perdas e ainda constroem uma usina. Não vamos aceitar isso”,
ressaltou Valdelino.
Na tarde desta terça-feira, os Munduruku se reuniram com os dirigentes da Funai. Na quarta-feira, 20, pela manhã se reunirão com o ministro de Minas e Energia, às 9h30, e à tarde tratam da questão da mineração com o presidente da Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas, Parde Ton (PT/RO), e o deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR), defensor do Projeto de Lei 1610, a qual os indígenas se opõem. Na mesma tarde, se encontram com o ministro Gilberto Carvalho, na Presidência da República, e com o presidente da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Antônio Alves.
Na quinta-feira, 21, cumprem agenda no Ministério da Educação e na 6ª Câmara da Procuradoria Geral da República. “Nada disso será para passar mel na boca da gente. Estamos aqui para denunciar o que está de errado e exigir nossos direitos”, finalizou Valdelino.
Fonte: CIMI