Por Ribamar Oliveira*
O governo não vai estender o reajuste de 15,8%
para os servidores que não aceitaram o acordo, informou a ministra do
Planejamento, Miriam Belchior. "A LDO diz que os projetos de lei com
mudanças salariais precisam ser encaminhados ao Congresso até o dia 31 de
agosto", explicou. "Nós não queremos abrir isso, porque esse
dispositivo é uma trava importante para organizar o processo negocial", afirmou.
Assim, esses servidores não terão reajuste em 2013.
O Judiciário quer um tratamento diferente aos seus
servidores daquele dispensado aos funcionários do Executivo e do Legislativo,
que terão 15,8%. Belchior observou, no entanto, que o Orçamento de 2013 foi
encaminhado ao Congresso com recursos para conceder apenas a primeira parcela
de 5% para os servidores de todos os Poderes. "Se o Legislativo aceitou as
mesmas condições do Executivo, não tenho como mandar diferente para o
Judiciário", afirmou.
A ministra confirmou a informação antecipada pelo
Valor de que o governo estuda a regulamentação do direito de greve dos
servidores. "Não decidimos ainda se vamos fazer um projeto de lei novo ou
se vamos aproveitar algum que esteja tramitando no Congresso", disse. Para
ela, é importante regulamentar várias questões, entre elas as condições para a
greve, a garantia de efetivo mínimo de servidores para manter a prestação de
serviços públicos à população, as condições para se fazer piquete e formas de
se evitar prejuízos para os cidadãos com a "operação padrão". A seguir,
os principais trechos da entrevista.
Valor: Qual é o balanço que a sra. faz das
negociações deste ano com os servidores?
Miriam Belchior: Acho que foi um processo
vitorioso para o governo e para os servidores. Foi vitorioso para o governo por
duas razões. A primeira é a questão da previsibilidade do gasto com pessoal nos
próximos anos, o que nos dá tranquilidade para pensar outros investimentos. A
outra é que nós conseguimos mudar a lógica das grandes reestruturações e
mostrar que agora a situação é outra.
Valor: Como assim?
Miriam: No período do presidente Lula, o ciclo foi
de reestruturações das remunerações dos servidores e de recomposição dos
quadros, como nas áreas de educação, segurança e ciência e tecnologia. Nesse
período, todas as categorias tiveram aumentos acima da inflação, aumentos
reais. Em geral, mais de 30%. Algumas categorias tiveram aumento real de mais
de 50%. A partir do ano passado, começamos outro ciclo. Eu tive uma reunião com
as entidades sindicais e disse que, do nosso ponto de vista, a lição de casa
das grandes reestruturações salariais tinha sido feita durante o governo do
presidente Lula e que estávamos em outro momento, não mais de recomposição, a
não ser pontuais.
Valor: E o que a sra. ouviu dos servidores?
Miriam: A cabeça dos servidores ainda estava com a
mesma lógica anterior. Falavam em grandes reestruturações, muito acima de
qualquer parâmetro considerado razoável. Os pleitos apresentados por eles
chegavam a R$ 92,2 bilhões, metade da folha, ou 2% do PIB [Produto Interno
Bruto].
Valor: Mas o governo conseguiu resistir a essa
lógica.
Miriam: Nós demos tratamento diferenciado para
algumas categorias da área da educação, aos militares, à área ambiental e ao
Incra. No caso do Incra, não houve acordo, o que, do meu ponto de vista, causou
até tristeza, pois nós valorizamos uma área que é importante para o país e, por
uma radicalização desnecessária, deixou de aproveitar uma proposta que era
muito além do que foram os 15,8%. Nós conseguimos um passo importante ao
mostrar que o ciclo mudou, que não é mais a questão das grandes
reestruturações. O governo também demonstrou firmeza ao tratar dos excessos.
Eles foram localizados, mas o governo não tergiversou a respeito disso. Do
ponto de vista dos servidores, o processo também foi vitorioso, pois o acordo
deu a eles previsibilidade e proteção do poder de compra. A nossa proposta foi
aceita por 93,6% dos servidores.
Valor: O que vai acontecer com os 6,4% dos
servidores que não aceitaram o acordo?
Miriam: Esses não terão aumento no próximo ano.
Alguns, por convicção. Outros perderam o momento, como é o caso do Incra.
Alguns se arrependeram. Os funcionários do Banco Central e os analistas de
infraestrutura, por exemplo.
Valor: Não dá para incluir, durante as negociações
do Orçamento no Congresso, pelo menos os arrependidos?
Miriam: A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
diz que os projetos com mudanças salariais de servidores precisam ser
encaminhados ao Congresso até o dia 31 de agosto. Nós não queremos abrir isso,
porque esse dispositivo é uma trava importante para organizar o processo
negocial. É injusto com quem fez acordo reabrir agora para quem não fez.
Valor: Eles terão que entrar na negociação do ano
que vem, é isso?
Miriam: Exatamente. Nas negociações para 2014.
Valor: E eles serão os últimos a terem negociações
salariais?
Miriam: Acreditamos que não haverá negociação para
quem recebeu os 15,8% até 2015. Vamos eventualmente discutir condições de
trabalho e outros assuntos. Mas do ponto de vista remuneratório, nós
consideramos que fechamos até 2015, dando tranquilidade, inclusive, a quem
assumir o governo em 2015.
Valor: O governo pagou 50% dos dias parados aos grevistas.
Por que fez isso?
Miriam: Sim, pagamos. Em primeiro lugar, só para
quem suspendeu a greve. Para quem não suspendeu, foi mantido o corte. Depois,
cada ministério e seus servidores precisam apresentar um plano de reposição das
horas paradas. O Ministério do Planejamento terá que validar esse plano, que
precisará estar na internet, e a CGU irá verificar sua implementação.
Valor: O governo é criticado por ter demorado a
negociar com os grevistas...
Miriam: Do nosso ponto de vista, não houve atraso.
Nós tivemos que parar um pouco para fazer contas. Nós iniciamos este ano com
uma perspectiva melhor a respeito da economia internacional. Quando chegou em
maio e junho, a situação se complicou, pois era difícil saber o que iria
acontecer com a Europa. Exatamente no momento de iniciar as negociações,
tivemos que segurar um pouco para ver o que iria acontecer. Pois um contexto ou
outro é muito diferente para uma definição sobre a folha de salários, que é um
montante muito grande de recursos.
Valor: A proposta do Poder Judiciário para o
reajuste dos servidores é diferente dos 15,8%. Como vai ficar isso?
Miriam: Os entendimentos entre o Executivo e os
demais Poderes transcorreram em clima de grande harmonia e respeito,
especialmente conduzidos para fugir do impasse. Nós acertamos com a Câmara, o
Senado e o Tribunal de Contas da União (TCU) a proposta de 15,8% em três anos e
eles refizeram os projetos de lei que tinham apresentado antes. Se o
Legislativo aceitou as mesmas condições do Executivo, não tenho como mandar
diferente para o Judiciário. No Orçamento, mandamos recursos para a primeira
parcela de 5% para todos os Poderes. O Judiciário nos disse que entendia a
situação, mas se reservava o direito de ampliar um pouco, no Congresso
Nacional, esse limite.
Valor: Durante a greve dos servidores, ocorreram
alguns abusos que recolocaram a necessidade de regulamentar o direito de greve.
O governo vai tomar a iniciativa e mandar um projeto ao Congresso?
Miriam: Não decidimos ainda se vamos fazer um
projeto de lei novo, ou se vamos aproveitar algum que esteja tramitando no
Congresso. Estamos primeiro delineando o que achamos que a lei deveria
determinar. Há um desequilíbrio entre o direito de fazer greve e os direitos da
sociedade. As pessoas estão chamando de lei de greve, mas, para nós, é mais uma
lei de relações de trabalho no setor público. Uma lei que estabeleça claramente
o que pode e o que não pode. É mais uma lei regulatória, do que punitiva. Portanto,
uma lei que seja democrática e garantidora de direitos, das duas partes: dos
trabalhadores e da sociedade. Não se trata de subtrair direito, mas de regular
direito. Do nosso ponto de vista, é preciso regular algumas questões.
Valor: Por exemplo?
Miriam: A negociação coletiva, prevista na
resolução 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil
é signatário. Essa resolução trata fundamentalmente do direito de organização e
de negociação coletiva. Outra questão a regular é a greve. Primeiro se negocia
e depois se entra em greve. É importante que se apresente uma pauta de
negociação, e que se estabeleçam procedimentos de funcionamento da negociação.
Ao decidir a greve, é necessário fazer um comunicado formal, um aviso, e dizer
como será mantida a prestação de serviços à população. E, se tiver abusos,
quais serão as sanções, inclusive com mecanismos de responsabilização das
entidades sindicais. Hoje, isso tem sido garantido através do Judiciário. Nós
acreditamos que o ideal é que isso esteja na lei.
Valor: O que significa manter a prestação de
serviços à população?
Miriam: É garantir um efetivo mínimo de servidores
para prestar serviços, de forma diferenciada, de acordo com a natureza do
serviço. Hospital pode fazer greve? A sociedade precisa discutir quais as áreas
que não podem fazer paralisação, ou como se garantem os serviços nessas
situações. Acho que há um consenso de que isso deve ter uma regulação, e que
ela deve ser diferenciada dada a natureza do trabalho.
Valor: Que outras questões devem ser reguladas
pela lei de greve?
Miriam: É preciso definir quais são as condições
para fazer um piquete. É possível ter um espaço para o convencimento, mas isso
não pode ser feito de maneira coercitiva. Outra coisa foram os excessos cometidos
na chamada "operação padrão", que deram, recentemente, prejuízos aos
cidadãos. Como regular esse mecanismo? A lei precisa definir também o que o
governo pode fazer no caso de descumprimento do mínimo de serviços à população.
Ele precisa ser autorizado a fazer contratações temporárias, fazer convênio com
outro ente da federação ou outros mecanismos.
Valor: A presidente Dilma Rousseff determinou, por
decreto, a realização de convênios.
Miriam: Então, vamos colocar
na lei para garantir essa condição.
Fonte: Valor Econômico - A14 - Data: 17/09/2012