Marcelo Leite*
Desta vez não são os índios mundurucus nem os sindicatos. A mais
nova ameaça de atraso na construção da controversa hidrelétrica de Belo Monte,
no rio Xingu, parte do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis).
O risco de paralisação numa fase crucial da obra, iniciada há três
anos, é citado em documento publicado silenciosamente pela agência federal na
semana passada. Trata-se da análise sobre o terceiro relatório da empresa para
acompanhamento do Plano Básico Ambiental (PBA), um rol de 23 exigências sociais
e ambientais.
Segundo o documento do Ibama, sete dessas
"condicionantes" não estão sendo atendidas. Entre elas, obras de
saneamento (rede de água e esgoto), equipamentos de saúde e educação e
cadastramento da população a ser reassentada na cidade de Altamira (PA) e
região.
"Como resultado da análise dos relatórios (...), fica claro o
descompasso entre as obras de construção da UHE [usina hidrelétrica] Belo Monte
e a implementação das medidas mitigadoras e compensatórias", conclui o
parecer de sete analistas do Ibama.
"Torna-se evidente que tal descompasso poderá se refletir em
atraso na emissão da licença de operação para o empreendimento e consequente
enchimento dos reservatórios". Por ora, Belo Monte conta só com uma
licença de instalação, condição para iniciar a obra.
O relatório do empreendedor (Norte Energia S.A.) foi entregue em
30 de janeiro. O Ibama divulgou sua apreciação sobre ele quase seis meses
depois, na última quinta-feira. São necessários seis cliques para chegar ao
documento na página ibama.gov.br/licenciamento.
A empresa alega que, desde a entrega do relatório, várias ações já
teriam sido executadas para atender às exigências do órgão. "A Norte
Energia trabalha para manter todos os projetos em execução e dentro dos
cronogramas preestabelecidos", afirma em nota.
Se a ameaça de atraso da licença de operação se concretizar, o
consórcio Norte Energia pode ficar impedido de encher o reservatório da usina
em 2014, como previsto. Sem isso, não terá como cumprir o compromisso de
acionar a primeira das 24 turbinas em fevereiro de 2015.
Quando estiver em plena operação, prevista para janeiro de 2019, a
usina de Belo Monte terá uma capacidade instalada de 11.233 megawatts (MW), a
terceira maior do mundo, atrás somente de Três Gargantas (China) e Itaipu
(Brasil/ParaguaI). Mas o sistema interligado nacional poderá contar apenas com
uma média de 4.571 MW de energia firme (garantida).
O custo oficial da obra é de R$ 27,3 bilhões. Com as várias
paralisações e alterações de projeto, estima-se que deva ultrapassar R$ 30
bilhões. O valor das compensações ambientais está fixado em R$ 99,5 milhões,
que o governo poderá destinar a unidades de conservação.
Multa
Após elencar diversas pendências relacionadas ao PBA, os analistas
do Ibama recomendam a aplicação de "sanções administrativas" para
algumas delas. A agência não esclarece, porém, se uma nova multa está em
cogitação.
Na análise do primeiro relatório da Norte Energia, o não
cumprimento de condicionantes socioambientais levou o Ibama a aplicar uma multa
de R$ 7 milhões, em fevereiro de 2012. O valor ainda não foi recolhido, porque
a autuação é objeto de recurso administrativo.
O Ibama não se pronuncia sobre a possibilidade de nova multa. Sua
assessoria de imprensa diz que antes a empresa será notificada e que uma
decisão será tomada só depois de obter resposta aos problemas apontados na
análise do terceiro relatório.
Esgoto
Um dos atrasos mais graves se dá nas obras de saneamento em
Altamira. Deveriam ter começado há um ano, mas em abril o Ibama constatava que
isso não ocorrera. A Norte Energia informa que elas tiveram início "no
primeiro semestre".
A própria empresa contratada, GEL Engenharia, calcula em 21 meses
o prazo para terminar a obra e prevê obstáculos que poderão dilatá-lo. Ela não
ficaria pronta antes de fevereiro de 2015, sete meses depois do estipulado
(julho de 2014).
A Norte Energia afirma que o prazo da GEL não considerou etapas
anteriores já executadas para detalhamento e elaboração dos projetos.
Para o IBGE, Altamira tem 99 mil habitantes, mas a prefeitura
estima que já tenha inchado para 150 mil. A Norte Energia planeja acrescentar
8.000 funcionários, ainda neste ano, aos cerca de 20 mil que já atuam na obra.
Hoje, os dejetos da cidade são lançados sem tratamento nas águas
do Xingu. Com seu represamento pela usina de Belo Monte, deve ocorrer
significativa deterioração da qualidade da água.
*Fonte: Folha de São Paulo
*Fonte: Folha de São Paulo