domingo, 7 de julho de 2013

Uma história das selvas


Por Lúcio Flávio Pinto*

A antiga Companhia do Jari, do milionário americano Daniel Ludwig, vai dar um novo passo na sua acidentada história de quase meio século. A empresa recebeu, no mês passado, a licença de instalação da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, com validade até junho de 2014, para fabricar um tipo diferente da celulose que produziu durante 33 anos, até o final do ano passado, quando suspendeu suas atividades e demitiu seus cinco mil empregados.

Ao invés da tradicional pasta de celulose branqueada, extraída do eucalipto, com o formato de papelão, que é usada na indústria do papel, agora a empresa vai produzir celulose solúvel, que é utilizada na indústria de tecidos. Inicialmente estava prevista para outubro a retomada da operação da fábrica. Mas talvez a data seja retardada.

O alvo é o mercado chinês, o maior consumidor mundial. Recentemente o governo da China iniciou um processo antidumping contra seus fornecedores do produto. A iniciativa pode servir de estímulo para a Jari, como para outros grupos, entrar nesse mercado fechado. Nele, cinco grandes fabricantes controlam 60% do total, concentrados na América do Norte, África do Sul e China. A única brasileira nesse setor é a Bahia Specialty Cellulose, mas sob controle estrangeiro.

O elevado preço alcançado pelo algodão motivou os produtores a se deslocar para a celulose solúvel de fibra de madeira como alternativa mais barata e rentável. A previsão é de que a atual produção, de 5,4 milhões de toneladas, continue a crescer nos próximos anos. O Brasil é um dos alvos preferidos dessa expansão.

Transferida de Daniel Ludwig para um consórcio nacional em 1982 e, em seguida, ao grupo Antunes, em 2000 a Jari o controle mudou de dono. O grupo Orsa, de São Paulo, pagou o valor simbólico de um real e assumiu a dívida.

A operação, rápida e aparentemente simples, ignorou uma história conturbada. Em 1967 Daniel Ludwig, na época um dos homens mais ricos e misteriosos do mundo, comprou uma vasta extensão de terras na foz do rio Amazonas, entre o Pará e o Amapá. Julgava que sua propriedade teria 3,6 milhões de hectares. Seria uma das maiores do planeta.

Depois admitiu que ela pudesse ser de “apenas” 1,6 milhão de hectares, ainda no topo do ranking fundiário mundial. Hoje, sabe-se que, segura mesmo, ela abrange um terço dessa extensão. A indefinição dominial sempre foi um dos problemas do projeto.

Mesmo sem poder apresentar títulos de propriedade como garantia a empréstimos, o milionário conseguiu o aval do tesouro nacional para importar do Japão uma fábrica de celulose e uma termelétrica de médio porte, que poderiam ser fabricadas no Brasil. As duas unidades, construídas sobre plataformas flutuantes, como se fossem navios, saíram do estaleiro de Jure, navegaram mais de 20 mil quilômetros e foram assentadas sobre uma base formada por 3,6 mil maçaranduba, madeira amazônica mais resistente do que o concreto, num dique alagado (e em seguida aterrado). Em 1979 a fábrica começou a funcionar, a primeira da era dos “grandes projetos” da Amazônia.

Mas os choques do petróleo, que multiplicaram o custo da energia, e dos juros internacionais, que passaram de 20% ao ano, encareceram tanto os empreendimentos de Ludwig que ele decidiu não pagar o empréstimo de 200 milhões de dólares contraído no Japão. Como avalista, o governo teve que honrar o compromisso. E teria que estatizar o Jari para se ressarcir. Essa heresia, diante do modelo econômico do regime militar, fez o todo poderoso ministro Delfim Neto arquitetar às pressas a nacionalização da Jari, recrutando a toque de caixa empresários dependentes do governo para entrar no negócio.

Ludwig saiu sem pagar seus débitos. Os novos proprietários também não assumiram o enorme “papagaio”. O BNDES e, depois, também o Banco do Brasil assumiram os encargos. Teriam que receber ações ordinárias no valor de 500 milhões de dólares, que lhes daria o controle da empresa mas foram obrigados a aceitar ações preferenciais, sem direito a voto e sem participação no comando da firma, que continuou privada. E assim ela foi mudando de dono sem que o dinheiro voltasse ao caixa do tesouro.

Na última transação, o grupo Orsa entrou com um real simbólico para que a operação não fosse de doação. Mas não conseguiu equilibrar as contas e viabilizar o funcionamento da fábrica.


Apesar dos recursos públicos que sustentaram a Jari, as últimas decisões foram tomadas de súbito, sem maiores informações à sociedade. Sabe-se que a conversão da fábrica de celulose convencional para celulose solúvel exigirá investimento de 100 milhões de dólares. 

Nos últimos cinco anos a Jari teve prejuízos e problemas nas suas operações.

No seu último balanço divulgado, de 2011, a empresa registrou faturamento de R$ 1,2 bilhão, semelhante ao do exercício anterior, mas teve prejuízo de R$ 290 milhões contra um lucro, em 2010, de R$ 41 milhões. Seu patrimônio líquido sofreu uma redução de quase R$ 300 milhões nesse período.

A Orsa recorreu a um sócio estrangeiro, a americana International Paper, com a qual criou uma joint-venture. O novo parceiro teria se comprometido a aplicar R$ 952 milhões no negócio, assumindo 75% das suas ações. Será fôlego suficiente para a Orsa tomar um novo caminho ou ela acabará ficando pelo meio?

É a dúvida, que talvez venha a ser respondida nos próximos meses. Mas uma coisa é certa: quando a empresa retomar suas atividades, a quantidade de empregados que utilizará será muito menor do que a do efetivo dispensado no final do ano passado.

Fonte: Yahoo – Cartas da Amazônia


Leia na Biblioteca do Blog: “Os braços do Jari: entre a terra, o latifúndio e os grandes projetos” (Artigo de Ricardo Folhes e Maria Luiza Camargo)
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