Mapa:
usinas hidrelétricas e concessõs minerárias na região do Tapajós - Elaboração: Telma Monteiro
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Por Telma Monteiro*
“Das guerras, as cabeças do inimigo como troféu. Nas flautas e nos cantos
ainda guardam a forma de encantar os animais nas florestas e encontram o último
resquício da magia da sua história.Restam os Xamãs, únicos que podem invocar as
Mães da Caça numa súplica contra os seres que querem ameaçar os animais"
Os Munduruku estão
dando o tom. Não querem a construção de nenhuma hidrelétrica em seu rio
precioso. O governo diz que vai construí-las mesmo que na consulta os indígenas
decidam não aceitar. Para os grandes interessados em grandes obras que
continuam sendo as empreiteiras e os políticos, a Amazônia é a última fronteira
hidrológica do Brasil. Quem foi que decidiu que é?
Usinas com
pequenos reservatórios, as já famosas a fio d’água como quer o Ministério de
Minas e Energia (MME), pretendem falsamente evitar os impactos ambientais. No
caso do rio Tapajós, o MME foi ainda mais longe e criou um
conceito de usinas plataforma que até hoje não conseguiu explicar direito. Não
se sabe se são plataformas de petróleo no meio da floresta, que jorram água
para girar turbinas ou se são hidrelétricas em forma de plataformas suspensas
no meio da mata. Mas, outro dia, vi o ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, jurando de pés juntos que com elas não
haverá impactos e a floresta ficará intocada. Milagre?
Explicaram isso
para os Munduruku? Bem que tentaram. Esse conceito de usina
plataforma, segundo o governo, é a solução milagrosa para impedir impactos que
afetem terras indígenas e áreas protegidas. Claro que eles, os Munduruku, não
acreditaram na conversa. Ainda bem!
Nem a presidente Dilma Rousseff acreditou
nesse conceito que só pode ter saído de uma seção governamental de terapia
grupal alucinógena. Dilma, então, deu uma mãozinha e editou medida provisória
para alterar os limites das unidades de conservação na região, que assim
escapariam dos reservatórios das futuras usinas. Aliás, ela aproveitou a
canetada e mandou parar as demarcações de terras indígenas. No Brasil todo.
Interessante é que
todas essas medidas e outras parecem estar diretamente relacionadas com o novo
marco regulatório da mineração que Dilma mandou
para a apreciação do Congresso em 18 de junho. Terras indígenas, principalmente
na Amazônia, têm uma tendência a “atrapalhar” projetos governamentais no
Brasil. Esse negócio de ter que consultar índio, que impede empresa
internacional de extrair ouro e nióbio livremente, atrapalha muito certos
planos de poder.
O governo da Dilma já
tentou reunião com os Munduruku que
reafirmaram não querer ninguém perambulando por suas terras. Uma aldeia foi
atacada covardemente durante uma operação contra garimpos ilegais e um indígena
foi morto pela polícia federal. Os índios reivindicam apuração dos fatos e justiça.
Os Munduruku, então, foram até Belo Monte, se juntaram aos parentes da Volta Grande e
pararam as obras do monstro duas vezes. Na última, o governo ofereceu uma
carona aos índios até Brasília, no avião da FAB, para uma conversinha com Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria-Geral da
Presidência da República do Brasil, e sua tropa. Lá foram os Munduruku.
Não teve acordo na
reunião. Os Munduruku fizeram
passeata em Brasília, tentaram ser recebidos no palácio do Planalto e acabaram
acampando na sede da Funai. Justo, afinal, o órgão é responsável pelos
indígenas e deve pelo menos honrar isso, já que o resto de suas obrigações para
com eles nem é bom comentar.
De volta a suas
terras, os Munduruku hospedaram
por uns dias três pesquisadores da empresa Concremat, que estavam em suas terras sem
autorização. A Concremat presta
serviços para o Consórcio Grupo de Estudos Tapajós, formado pelas
empresas Camargo Correia, GDF Suez, Eletrobras e Eletronorte.
Muita gente
pergunta por que os Munduruku não
aceitam as “ofertas” do governo. A resposta é simples. O rio Tapajósé sagrado para os Munduruku, pois lá habita Karosakaybu, o deus criador do mundo, e que pode
transformar homens em animais. Ele protege os Munduruku da
escassez de caça e de pesca e assegura a harmonia entre eles e a natureza. Para
os que ainda não compreenderam, é bom nem pensar na possibilidade de se
construir hidrelétricas no rio sagrado dos Munduruku!
Karosakaybu não vai gostar… “Das guerras, as
cabeças do inimigo como troféu.”
Lá vem de novo a
mesma ladainha da compensação e mitigação dos impactos. Isso não cola mais, Dilma. Entenda o povo Munduruku que
ainda vive no ambiente da floresta e nas áreas de savana da Amazônia, chamadas
de “campos do Tapajós”, no vale do rio Tapajós. Sua cultura é ancestral com
atividades de subsistência ritualísticas para a agricultura, caça, pesca e
coleta.
Os Munduruku já
foram vítimas das pressões da expansão da exploração da borracha na segunda
metade do século XIX. Essa região ocupada por eles ainda é chamada
de Mundurukania. Os primeiros contatos com os
Munduruku datam de 1768. Repito: 1768. Então quem é que tem que dar a palavra
final sobre a utilização do rio Tapajós? Já são mais de sete mil indígenas espalhados em
101 aldeias e que querem garantir sua sobrevivência, preservar sua cultura e
manter a integridade de seu território.
Hoje, os projetos
de exploração de ouro de grandes mineradoras internacionais na maior província
aurífera do mundo e os planos do governo de construir hidrelétricas são as
ameaças que tiram o sono dos donos da floresta. Em 2009, os Munduruku enviaram
uma carta de protesto ao Presidente da República em que manifestaram sua
preocupação com a construção do Complexo Tapajós. Em 2013 mandaram mais nove delas.
O novo marco regulatório da mineração foi elaborado no conchavo dos
bastidores de Brasília, sem a participação da sociedade. Uma incrível riqueza
logo ali, na região onde se planeja a construção de dezenas de hidrelétricas
nos riosTapajós, Jamanxim, Teles Pires e Juruena. Coincidência ou não, os projetos hidrelétricos
na Amazônia parecem atrelados aos grandes projetos de mineração de ouro.
A terra indígena Munduruku ocupa
12% da bacia do Tapajós e
guarda uma riqueza mineral incalculável. Precisa dizer mais alguma coisa?
*Fonte: Racismo Ambiental