Sue Branford*
Na Amazônia brasileira, um grupo de agricultores tenta estabelecer a
viabilidade econômica da extração sustentável de óleos naturais de plantas
locais. O projeto Sementes da Floresta foi formado por agricultores levados
originalmente para a Amazônia num programa do governo que pretendia colonizar a
região ao longo da Transamazônica.
Na década de 1990, eles criavam gado e praticavam uma cultura de
subsistência. Mas, aos poucos, começaram a perceber que a agricultura que
praticavam acabaria esgotando o solo e destruindo a floresta.
Derisvaldo Moreira, o Dedel, um dos integrantes do Sementes da Floresta,
conta que a comunidade extrai diversos tipos de óleos naturais de plantas como
andiroba, castanha-do-pará e cupuaçu. O óleo produzido é vendido principalmente
para a indústria cosmética.
Como muitos agricultores do Sementes da Floresta, Dedel migrou para a
Amazônia do árido Nordeste brasileiro em busca de terra e recebeu um pequeno
lote do governo para a lavoura e o cultivo da terra.
Com o tempo, porém, esses pequenos agricultores começaram a pensar em um
novo tipo de atividade econômica - a extração sustentável de óleos naturais de
plantas amazônicas.
Projeto
Em um primeiro momento, sua ideia não era parar de praticar a
agricultura da noite para o dia, mas combinar o plantio com a extração
sustentável de óleo de andiroba.
Foi dessa maneira que, com apoio da irmã franciscana Ângela Sauzen,
nasceu o projeto Sementes da Floresta.
Desde então, o projeto vem se expandido para incluir mais produtos
naturais e mais comunidades.
A transição da agricultura para o extrativismo sustentável, porém, não
foi fácil. Os colonos, sem prática na extração de óleos, tiveram que convidar
pessoas de comunidades tradicionais, que vivem há muito tempo na floresta, para
ensiná-los como tirar tais substâncias das sementes das plantas.
Também tiveram de passar pelo processo burocrático de criar uma empresa
comunitária para adequar o processo extrativista a exigências legais e
contábeis. Os problemas são muitos, a começar pelo fato de que os assentados
não têm sequer o documento de suas terras, devido à inação do Instituto de
Reforma Agrária (Incra).
Eles também tiveram de trabalhar duro para alcançar os altos padrões
técnicos exigidos por fabricantes de produtos de beleza.
Algumas famílias desistiram quando se deram conta de que levaria tempo
até que pudessem ter um bom retorno econômico, mas outras continuam
entusiasmadas.
Conflito
Mas o problema mas grave dos colonos tem sido a oposição implacável de
latifundiários, grileiros e madeireiros, que afirmam que a terra é deles,
apesar de o governo ter decidido, em 1971, criar o Polígono de Altamira,
destinando as terras daquela porção da rodovia Transamazônica para serem
ocupadas exclusivamente por pequenos agricultores do programa de reforma
agrária.
Os madeireiros da região admitem, sob condição de anonimato, que de
certa forma todos operam ilegalmente.
Eles justificam dizendo que é difícil cumprir todas as exigências da
legislação brasileira, em especial a necessidade de ser dono da terra (que os
proíbe de tirar madeira de terras públicas e reservas indígenas).
A ocupação da região se deu em paralelo à operação clandestina de
madeireiras, que atuavam aproveitando a ausência do Estado. "O Incra não
fez o que prometeu. Ele deu as terras para as famílias, mas não construiu as
estradas que seriam necessárias para acessá-las. E fomos nós, madeireiros, que
construímos todas as estradas", diz Adair Abel Vargas, um dos maiores
madeireiros locais.
Os madeireiros adquiriram um grande poder político na região - e
acreditam que esse poder está sendo desafiado pelas famílias que propõem uma
nova forma sustentável de viver da floresta.
A hostilidade entre madeireiros e integrantes do Sementes da Floresta
vem crescendo há alguns meses, porque os últimos querem ampliar sua área de
extração para uma região em que os madeireiros são bastante ativos.
Ameaças
Segundo Dedel, os madeireiros teriam feito ameaças aos colonos, dizendo
que eles estariam "arriscando suas vidas" se tentassem levar adiante
seu projeto.
"Nós não nos intimidamos", garante Dedel.
"Mas nos incomoda o número de árvores que estão sendo cortadas. Há
alguns anos havia uma árvore aqui, outra a 200 metros de distância. Hoje eles
estão derrubando até árvores cuja madeira não é tão valiosa, como maçaranduba e
angelim vermelho. E quando vão para a floresta, estragam um monte de árvores de
que precisamos."
O pecuarista Domingos Nicolodi reivindica mais de 6.000 hectares de
terra na área em que os assentados hoje fazem coleta de produtos florestais,
apesar de tais dimensões extrapolarem mais de duas vezes a área máxima de terras
públicas que uma pessoa pode adquirir de acordo com a Constituição brasileira.
Nicolodi diz que ele faria bom uso da terra, criando gado e contribuindo
para a riqueza que o agronegócio gera para o Brasil.
Questionado sobre o projeto Sementes da Floresta ele diz: "Isso é
tudo coisa daquela freira maluca. Não sei por que ela tem de se envolver nessas
questões de terra. Ela devia ficar na igreja, rezando."
Desafio
Irmã Ângela ignora as críticas. Para a franciscana, o importante é que o
Incra legalize a situação dos colonos, que ainda é irregular.
"Temos pedido medidas urgentes sobre o caso", ela diz.
"E, enquanto nada acontece, a floresta está sendo esvaziada pelos
caminhões dos madeireiros."
A disputa revela duas visões irreconciliáveis sobre o futuro da Floresta
Amazônica.
Alguns, como a comunidade do rio Trairão, estão tentando viver da
Amazônia, preservando a sua biodiversidade para o futuro.
Outros defendem que já há áreas protegidas demais e que as porções fora
das terras indígenas e unidades de
conservação devem ser exploradas comercialmente.
*Fonte: BBC