sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Madeira: Um rio em fúria

Ondas engolem casas, e peixes aparecem mortos, enquanto pescadores passam fome.  A usina de Santo Antônio mudou o rio e a vida em Rondônia

Dois dias antes do início dos testes na primeira turbina da hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia, o telefone tocou na casa da pescadora Maria Iêsa Reis Lima. “Vai começar”, avisou o amigo que trabalhava na construção da usina. Iêsa sentou na varanda e se pôs a observar as águas, esperando o que sabia ser uma mudança sem volta. “O rio Madeira tem um jeito perigoso, exige respeito. Os engenheiros dizem que têm toda a tecnologia, mas nada controla a reação desse rio.”
Semanas depois, no início de 2012, as águas que banham a capital Porto Velho começaram a ficar agitadas. As ondas cresciam a cada dia, cavando a margem e arrancando árvores. O deque do porto municipal se rompeu. O rio alcançou as casas, até que a primeira delas ruiu junto com o barranco para dentro das águas.
O prognóstico de Iêsa estava certo. O que ela não podia imaginar era a rapidez com que a resposta do rio à abertura das comportas alteraria o curso da sua vida, do seu bairro e da história de Porto Velho. As ondas atacaram o bairro Triângulo, primeiro a se formar na capital. O bairro leva esse nome por ser o local onde o trem da estrada de ferro Madeira-Mamoré fazia a curva para desabastecer. A casa de Iêsa ficava entre a margem do Madeira e os trilhos abandonados. Cerca de sete quilômetros abaixo da usina.
O rio engoliu ainda o marco Rondon, obelisco histórico mais antigo que o próprio estado. Construído em 1911 pela equipe do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, sertanista que rasgou a floresta para ligar a primeira linha telegráfica a conectar a Amazônia. Quando as ondas alcançaram o marco, alertas circularam em abundância por todos os meios de comunicação a que o mundo têm acesso. Mas a empresa Santo Antônio Energia, responsável pela usina, negava relação com o problema. Em duas semanas, as águas cavaram a base do obelisco e o arrastaram para o fundo do rio. Depois que ficou comprovada a responsabilidade da usina, a empresa tentou resgatar o obelisco, mas apenas dois blocos foram recuperados.
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