O governo prevê construir pelo menos duas
hidrelétricas até o fim da década no Tapajós, atingindo em cheio um rincão de
biodiversidade e beleza
Corredeiras do rio Tapajós que serão alagadas na construção da barragem da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós no Parque Nacional da Amazônia / Foto: Fernanda Ligabue |
Por
Carlos Juliano Barros*
Quando decidiu encarar de carro os
3.338 quilômetros que separam o Rio de Janeiro do município de Itaituba, no
oeste do Pará, o geólogo Juan Doblas – especialista em imagens de satélite –
nem imaginava que daria uma contribuição e tanto à biologia da Amazônia.
Enquanto dirigia pelo trecho da BR 163 que atravessa o Parque Nacional do
Jamanxim, uma das doze unidades federais de conservação ambiental que protegem
essa parte da floresta alimentada pela bacia do rio Tapajós, ele se deparou com
uma macaca que, atordoada pelo barulho do automóvel, abandonou em plena estrada
o filhote que carregava.
Depois de deixar o pequeno animal em
uma árvore, permitindo que ele fosse resgatado pela mãe, Doblas resolveu filmar
e tirar fotos do reencontro. “Quando cheguei a Itaituba, mostrei as imagens
para um amigo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio) especialista em macacos”, conta o geólogo. A surpresa de ambos não
poderia ser maior.
Tratava-se de uma espécie em perigo,
típica do estado do Amazonas, mas que, supõe-se, havia se deslocado para essa
parte do Pará justamente por encontrar na floresta intocada do Tapajós um
verdadeiro refúgio. “Foi um fato casual que mostrou dados completamente novos
sobre a distribuição de espécies em extinção na Amazônia”, explica Doblas, que
trabalha com geoprocessamento no Instituto Socioambiental (ISA), uma das
principais organizações ambientalistas do país.
O geólogo narra esse episódio
justamente para ilustrar a incrível – mas, em boa parte, desconhecida – biodiversidade
que pode ser duramente golpeada pela construção de um complexo de hidrelétricas
nos rios Tapajós e no seu afluente Jamanxim. O potencial levantado para essa
bacia hidrográfica localizada no oeste do Pará comporta até sete usinas capazes
de produzir no total cerca de 14 mil Megawatts (MW) – potência equivalente à da
binacional Itaipu.
De acordo com o Plano
Decenal de Expansão de Energia 2021, documento produzido pela
Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e
Energia (MME), ao menos duas delas devem entrar em funcionamento até o final
desta década: São Luiz do Tapajós e Jatobá.
*Confira tudo na primeira
matéria sobre a região do rio Tapajós da série “Amazônia Pública” da Agência
Pública: Arquitetura da destruição