Citada no último relatório da Anistia
Internacional sobre a situação dos defensores de direitos humanos na América
Latina, a professora Laísa Santos Sampaio, ameaçada de morte por defender a
Floresta Amazônica, ainda não conseguiu proteção do governo. Enquanto
aguarda em Nova Ipixuna (PA), teme ter o mesmo destino de sua irmã e de seu
cunhado, assassinados por causa de disputas de terra na região.
Os
extrativistas Maria do Espírito Santo e José Cláudio Ribeiro foram mortos no
ano passado (2011), nessa mesma cidade. Laísa tem seu caso reavaliado pelo Programa de
Proteção de Defensores de Direitos Humanos, do governo federal – em uma análise
preliminar, a proteção foi negada. Além da menção no relatório da Anistia
Internacional, corre na internet uma petição pública para que ela receba
proteção imediata. Dos cinco suspeitos da morte do casal, dois continuam
soltos.
Em
fevereiro, a professora recebeu em Nova York um prêmio póstumo oferecido pela
ONU a seus familiares, que denunciavam o uso irregular de terra e o
desmatamento na região do assentamento agroextrativista Praia Alta Piranheira,
o primeiro do tipo no Pará. Desde então, mesmo ameaçada, Laísa dá aulas na
escola local e mantém o Grupo de Trabalhadoras Artesanais Extrativistas, que
produz fitocosméticos e fitoterápicos com óleo da andiroba.
Qual a origem das disputas?
Isso
se deve ao processo desordenado de ocupação de terras na Amazônia. Em 1997, foi
designada uma área de 22 mil hectares para o primeiro projeto agroextrativista
do Pará. Nessa área, que pertencia a grandes fazendeiros de Marabá, há
predominância de culturas como a castanha e o cupuaçu, além do babaçu e do
açaí, em menor escala. Colocaram então o Zé Cláudio, meu cunhado, como primeiro
presidente da Associação dos Pequenos Produtores do Projeto de Assentamento
Praia Alta Piranheira (Apaep). Desde o início houve tensão, pois a Maria, minha
irmã, e o Zé Cláudio bateram de frente e os próprios fazendeiros os procuraram
com pistoleiros. Foram três linhas de perseguição. Uma foi por causa desses
conflitos por lotes de terra. Depois, pela questão madeireira, pois em 2004
começou a se intensificar a entrada dos madeireiros no assentamento e, logo em
seguida, foi a vez dos carvoeiros.
Por que começaram a invadir?
Em
um primeiro momento, viram que a Maria e o Zé Cláudio tinham coragem ímpar e
respeitaram. Depois de um tempo foram acabando as espécies madeireiras de valor
nas áreas próximas. Então, começaram a invadir o assentamento para tirar as
castanheiras, que são protegidas por lei. Para isso, entravam armados. O Zé
Cláudio e a Maria paravam o caminhão e discutiam. Tentavam interditar de
qualquer forma, fazendo registros fotográficos. Depois, vieram os carvoeiros,
que derrubam todas as espécies de árvore e deixam a área desertificada.
Falta fiscalização ali?
Há
muita floresta na região, é propícia para práticas ilegais. Mas há descaso do
governo, pois em um projeto extrativista tem de haver fiscalização intensiva. O
madeireiro entra e sai porque não há fiscalização permanente. Quando apareciam,
os fiscais até diziam que só estavam ali porque havia sido feita uma denúncia.
Quando começaram as ameaças?
A
primeira de que me lembro foi em 2001, quando chegou à casa deles uma
caminhonete com um fazendeiro e três pistoleiros. Com um papel na mão, tentaram
despistar o Zé Cláudio, mas ele não tirou o olho deles. Na saída, ainda
disseram: “Não foi desta vez”.
Os dois pediram ajuda às autoridades?
Tenho
queixas deles protocoladas no Ibama e no Incra. Eles pediram auxílio nos níveis
municipal, regional, estadual e até federal. Procuraram o Ministério Público,
que veio algumas vezes, mas voltava depois de seis meses e não conseguia
avançar na investigação.
Quando foram mortos?
Foram
assassinados juntos no dia 24 de maio de 2011, aqui mesmo no assentamento, a 4
quilômetros da casa deles. Estavam indo em direção à cidade numa moto e tiveram
de parar em uma ponte velha. Era um ponto estratégico, onde dois pistoleiros
estavam esperando. A investigação da Polícia Civil apontou como principal
mandante um homem chamado Zé Rodrigues, que também está preso. Mas a Polícia
Federal chegou a cinco nomes, pelas intercepções que foram feitas. Esses outros
dois não estão presos.
Qual era a disputa em questão?
Esse
Zé Rodrigues é um pequeno fazendeiro que comprou lotes de forma irregular no
assentamento, em uma área que já era ocupada por três famílias havia mais de
oito meses. Ele se achou no direito de expulsar, colocou fogo no acampamento. O
Zé Cláudio e a Maria fizeram a denúncia na Pastoral da Terra e na polícia.
Quando o Zé Rodrigues soube, falou que ia perder os lotes, mas que aquilo
custaria muito caro para o casal. Foi a partir daí que souberam que iriam
morrer. A Maria dizia que ele era perigoso e tinha um irmão pistoleiro, que
acabou sendo um dos assassinos.
Houve outras mortes relacionadas?
Aqui
na nossa área foram apenas os dois. Ele tinha 53 e ela, 52. Estavam juntos
havia quase 26 anos. Mas em assentamentos vizinhos foram várias pessoas (a
Anistia Internacional estima que sejam em torno de 20). O caso de mais destaque
foi o da irmã Dorothy Stang (morta em 2005), em Anapu. Em Morada Nova, mataram
um dos líderes, com a mulher e o filho. Então, são muitos casos que vêm
ocorrendo pela questão da terra.
Você teve de fugir?
Depois
do assassinato, passei sete meses em Marabá, pois começamos a receber recados.
Mataram meu cachorro a tiros, alvejaram a porta da minha casa, disseram que, se
continuasse falando, ia acontecer a mesma coisa. O último episódio foi em
agosto. Estava chegando em casa quando uma moto parou com duas pessoas de
capacete. Estavam longe e avançaram em minha direção. Corri. Quando gritei,
recuaram e saíram do meu rumo. Acho que pensaram que havia alguém perto.
O que mudou em sua rotina?
Minha
liberdade. Andava de moto sozinha até a cidade, hoje não tenho essa coragem.
Para esperar um carro na estrada, meu marido tem de me acompanhar. Se vou de
moto para a cidade, peço à viatura da polícia para me acompanhar na volta. Não
posso participar de confraternizações da comunidade. Na ultima eleição, fui à
festa de um vereador eleito e lá tinha parentes de uma pessoa que sei que quer
tirar minha vida. Mas não tem jeito, é uma comunidade pequena. Sou professora
de um sobrinho dos que são acusados de serem os assassinos de Maria e Zé
Cláudio.
Que tipo de trabalho você faz?
Sempre
trabalhei na escola com a questão do extrativismo como ferramenta do
desenvolvimento sustentável. Enquanto a Maria e o Zé Cláudio faziam o
enfrentamento contra a atividade ilegal, eu trabalho na sensibilização por meio
da educação. É um projeto de arte e educação para o desenvolvimento
sustentável. Mas fui recebida com abaixo-assinado contra o meu retorno. Eram 13
no grupo de mulheres extrativistas e passamos a ser só 5. Algumas delas
admitiram que não tinham coragem, ficavam com medo porque tinham ouvido falar
que iriam me matar.
Como acontecem essas ameaças?
Recebo
recado de pessoas que não andam com meus inimigos, mas que dizem que ouviram
ameaças. A Maria e o Zé Cláudio recebiam muito esse tipo de recado até a
véspera de serem mortos.
Quem são seus inimigos?
Agora
conquistamos antipatia de parte dos donos de pequenos lotes. Depois do
assassinato, alguns foram multados pelo Ibama, que veio aqui há uns meses e
puniu os que faziam carvão e continuavam a extrair madeira ilegal. Teve um que
disse: ‘Vou pagar a multa, mas vai custar caro para essa mulher’. Algo parecido
com o que diziam para a Maria.
A sra. Pretende deixar o assentamento?
Pensar
em sair daqui é ultima hipótese. Sempre penso em permanecer, que isso pode
mudar. Já me pediram provas dessas ameaças. Eu digo: a prova é o óbito. A Maria
e o Zé Cláudio viveram as mesmas coisas. O Zé Cláudio, no TEDx Amazônia
(conferência global), disse que vivia com uma bala na cabeça, em um vídeo que
se tornou conhecido internacionalmente. Mas não houve pesquisa para ver se o
que ele falava era verdade.
Fonte: Amigos da Terra