A assinatura do decreto por Dilma Rousseff é uma das principais condicionantes da Usina Hidrelétrica de Belo Monte
Na primeira
semana de abril, uma das terras indígenas do povo Arara finalmente teve seu
processo de demarcação concluído. Publicada no Diário Oficial, a homologação da Terra Indígena Cachoeira Seca do Iriri, no
Pará, com 788.633 hectares, reconhecida como de posse dos Arara pela Presidência da República é uma
vitória da comunidade que esperou mais de 30 anos pela demarcação da área.
Depois de mais de 30 anos de espera, conflitos e mortes, os Arara do Iriri tiveram sua terra homologada|Michel Pellanders |
A homologação é uma das mais importantes condicionantes para o
licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, e deveria ter sido efetivada
antes do início das obras, seis anos atrás. Ainda assim, a notícia é recebida
com alegria pelos Arara: “A nossa luta pela demarcação da nossa terra não é de
hoje. A gente brigou, lutou por tudo isso. É bom ver a nossa vitória”, comemora
o cacique Mobu-Odo.
A TI faz parte de um mosaico de áreas
protegidas da Terra do Meio, situado entre os rios Iriri e Xingu, na Terra do
Meio, (PA), e é alvo de conflitos desde a década de 1970. Esse conjunto resguarda
uma das maiores biodiversidades da Amazônia, além de ser um muro de contenção à
expansão do desmatamento - que se alastra do Mato Grosso ao Amazonas. O
crescimento dos índices de desmatamento e invasões preocupa as comunidades
locais e organizações parceiras. No período entre 2014 e 2015, houve um aumento
de 41% em toda a Terra do Meio.
A região foi sistematicamente saqueada por madeireiros e hoje é
uma das mais desmatadas do país. Segundo estudo realizado pelo ISA, entre 2014
e 2015, o desmatamento na TI Cachoeira Seca aumentou 73% e a extensão das
estradas de madeireiros ilegais, 48%, contabilizando mais de 43 mil hectares
desmatados e mil quilômetros de rodovias madeireiras no total. Calcula-se que
apenas no ano de 2014 foram movimentados R$ 200 milhões em vendas ilegais de
madeira. (Saiba mais na
publicação Rotas do Saque).
30
anos de luta
Em 1972, a construção de um trecho da
Transamazônica cortou ao meio o território dos Arara, que até então viviam em
isolamento voluntário, fazendo com que a região fosse invadida por colonos,
garimpeiros e madeireiros ilegais. Além de terem seu território drasticamente
reduzido, os Arara sofreram com conflitos, mortes, desagregação social dos
subgrupos e desestabilização da sua vida produtiva - caso que foi registrado
como grave violação de direito humano pelo Relatório da Comissão Nacional da
Verdade, em 2014. (Leia a íntegra do documento).
Uma Frente de Atração foi instituída ainda
nos anos 1970 e os primeiros grupos foram contatados quase uma década depois,
entre 1981 e 1984. Apenas em 1987 a comunidade que hoje vive na TI Cachoeira
Seca foi oficialmente contatada. Nesse meio tempo, os estudos de identificação
das áreas foram avançando, ainda que de forma lenta por conta dos conflitos na
região. Uma delas, a TI Arara foi identificada em 1978 e homologada em 1991.
A interdição da área para fins de demarcação aconteceu em 1985|Milton Gurani-Agil |
Já a área que viria a ser a TI Cachoeira
Seca, mais intensamente invadida, foi interditada para estudos em 1985 e
homologada mais de 30 anos depois, tornando esse processo de demarcação um dos
mais longos da história. Essa é a única Terra Indígena cuja regularização
fundiária foi iniciada antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 e
ainda não tinha sido homologada.
O antropólogo Márnio Teixeira Pinto, que trabalha com os Arara
desde a década de 1980, vê na recente homologação uma vitória para o povo
Arara: “Gostaria de pensar que toda essa demora ocorrida, com suas idas e
vindas, grupos e mais grupos de trabalho, tentativas e frustrações que agora
ficam pra trás, possa ser interpretada como evidência da extrema importância de
todo este longo processo de resguardar a área para eles”.
Desintrusão
“A homologação ainda não e o fim [do processo
de regularização fundiária], agora estamos esperando a desintrusão. Mas a terra
já está garantida pra nossa comunidade”, reforça Mobu-Odo. De acordo com
levantamento da Funai, foram identificadas 1.085 ocupações de não indígenas no
interior da área, sendo 72% de pequenas propriedades. O próximo passo é
encaminhar a saída gradativa e o reassentamento dos ocupantes, em sua maioria
posseiros de boa fé, e entre os quais há um pequeno grupo de beiradeiros,
comunidade que assim como os Arara depende dos recursos da floresta e para a
qual será necessário um tratamento diferenciado de realocação para garantir
seus direitos.
A retirada e a realocação das famílias que
vivem na TI Cachoeira Seca também é uma das condicionantes de Belo Monte que
deveria ter sido cumprida antes do início das obras, assim como a retirada de
invasores da TI Apyterewa e a implantação de postos de vigilância nas TIs
afetadas pela hidrelétrica - dois deles na TI Cachoeira Seca.
Segundo Márnio, a terra homologada agora, nas
proximidades da TI Arara, pode garantir a oportunidade de uma vida comum a
todos os grupos: “Um horizonte melhor para eles passará necessariamente pela
possibilidade de que, num futuro próximo, encontrem na base material de suas vidas
a condição de exercerem seu direito à diferença, retomando aspectos de sua
própria tradição cultural como alavanca para um projeto de futuro”.
Fonte: ISA
Leia também: Homologação de terra indígena pode ajudar a frear desmatamento no oeste do Pará (Agência Brasil via Amigos da Terra, 09 de abril de 2016)