Audiência no STF reproduziu o debate ocorrido na elaboração da Lei. Coube ao ministro da Defesa, Aldo Rebelo, apresentar a posição do governo contra ações que questionam a constitucionalidade da norma
O
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, anunciou que pretende
pautar, em cerca de dois meses, o julgamento das quatro Ações Diretas de
Inconstitucionalidade (ADIs) apresentadas pela Procuradoria Geral da República
(PGR) e o PSOL que tramitam na corte contra a Lei 12.651/2012, que revogou o
antigo Código Florestal.
O
julgamento será histórico. A norma é uma das mais importantes leis ambientais
do País, regulando a conservação e recuperação da cobertura vegetal em mais de
cinco milhões de propriedades rurais e em boa parte das cidades. As ADIs
questionam de 58 artigos, de um total de 84. As ações pedem, por exemplo, a
anulação dos dispositivos que anistiaram produtores rurais que desmataram
ilegalmente até julho de 2008.
O
anúncio de Fux foi feito numa audiência convocada por ele para discutir o tema,
na tarde desta segunda (18/4), no STF. “O julgamento é bastante difícil,
bastante complexo, e foi facilitado pelas informações trazidas na audiência”,
afirmou. “[A lei] está valendo e tem sido aplicada, mas também tem havido muito
descumprimento sob a invocação de sua inconstitucionalidade, ainda em grau
inferior. Então, é chegado o momento de o Supremo pronunciar a última palavra
sobre se esse Código é constitucional ou inconstitucional para transmitir
segurança jurídica para sociedade”, completou.
O ISA encabeçou o
grupo de organizações da sociedade civil que, no ano passado, pediu a
realização do debate ao ministro. O ISA também faz parte do processo na
qualidade de amicus curiae (saiba mais).
Debate
A
audiência reproduziu o debate ocorrido na discussão da Lei 12.651 no Congresso.
De um lado, sociedade civil, cientistas, Ministério Público e agricultores
familiares defenderam, com base no consenso científico, a necessidade de se
manter os parâmetros de conservação previstos no antigo Código Florestal, em
especial às margens dos corpos de água, com o objetivo de manter os inúmeros
serviços ambientais prestados pela vegetação nativa à sociedade e à economia –
proteção dos mananciais de água, contenção da erosão e do assoreamento,
conservação do solo, polinização, entre outros.
De
outro lado, representantes do agronegócio e do governo tentando argumentar que
a restrição ao desmatamento traz um custo excessivo aos produtores rurais. E
que a mudança da lei agora traria insegurança jurídica.
A
ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, assistiu ao início da audiência,
mas não falou. Coube ao ministro da Defesa e relator do Código Florestal na
Câmara, em 2011, Aldo Rebelo, apresentar a posição do governo contra as ADIs.
Na época, o então deputado do PCdoB de São Paulo foi implacável com cientistas
e ambientalistas e o autor da proposta mais drástica de redução das áreas de
vegetação a ser conservadas. Ele também é conhecido como um cético das mudanças
climáticas.
Rebelo
voltou a colocar em dúvida os resultados de pesquisas, apresentados na
audiência, que mostram a necessidade de manter Áreas de Preservação Permanente
(APP) à beira dos rios de pelo menos 30 metros de largura – a nova lei permite
metragens com apenas 5 metros. Numa comparação pouco usual, disse que
civilizações como o antigo Egito e a China não teriam conseguido se desenvolver
se tivessem que cumprir o antigo Código Florestal porque precisaram ocupar as
margens dos rios.
“A
situação atual do Egito não deixa dúvida sobre o mal uso da cobertura vegetal
que foi feito naquele país”, rebateu Nurit Bensusan, coordenadora adjunta de
Política e Direito do ISA e especialista em Biodiversidade. Ela reforçou que a
nova lei coloca em risco as florestas e criticou as anistias ao desmatamento
ilegal previstos na nova legislação. “A persistência desses dispositivos na lei
terá consequências nefastas. A mais evidente é o colapso do abastecimento
urbano e crises hídricas como a de São Paulo”, disse. “Não é possível proteger
os recursos hídricos com APPs degradadas”, acrescentou. Bensusan alertou que o
novo Código pode levar a uma redução de até 72% das APPs em regiões como o Mato
Grosso do Sul.
Segundo
algumas estimativas, a área desmatada que deveria ter sido reflorestada,
conforme a antiga legislação, foi reduzida, com a nova lei, de 50 milhões de
hectares para 21 milhões de hectares, uma queda de 58% do passivo ambiental dos
imóveis rurais no Brasil.
Ciência ignorada
“A
ciência brasileira foi ignorada na elaboração do Código Florestal”, criticou o
pesquisador Antônio Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa)
e do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). Nobre falou da importância da
Amazônia para irrigar o Sudeste brasileiro de chuvas por meio dos chamados
“rios voadores” – o movimento que transporta umidade ao longo da América do
Sul, desde o Atlântico, impulsionado pela floresta.
“Precisamos
descriminalizar São Pedro. Chuvas não são aleatórias. A ciência permite afirmar
hoje como o sistema climático é fundamental para atender o Artigo 225 [que
prevê o direito ao meio ambiente equilibrado]. As florestas produzem um clima
amigo e sem esse clima não existe nem agricultura”, destacou. “Devemos
perguntar aos australianos, a quem vive na África, como é viver e produzir num
deserto”, questionou, em entrevista ao ISA, lembrando que, se não fossem os
“rios voadores”, uma parte do Sudeste brasileiro também seria deserto.
“Os
argumentos para defender o novo Código foram os de um modelo de desenvolvimento
arcaico, os mesmos que justificaram a ocupação da Mata Atlântica”, defendeu o
deputado Sarney Filho (PV-MA). “A crise que recentemente se abateu na Região
Sudeste ocorreu por dois motivos: o primeiro, as mudanças climáticas; o segundo
foi a falta de cuidado com os rios, as bacias que entregam água às grandes
cidades do Sudeste. Essas bacias são as que têm menor cobertura vegetal. A
crise existiria, mas não nas propores que veio se tivéssemos cobertura vegetal
nas margens dos nossos rios”, destacou.
“[O
antigo Código] foi substituído por um Código muito pior, que implicou
retrocesso ambiental, o que é proibido pelo Artigo 225 da Constituição, sem que
a gente saiba se esse [novo Código] muito pior será cumprido”, disse, em
entrevista ao ISA, Sandra Cureau, subprocuradora geral da República e uma das
autoras das ADIs.
Participaram
da audiência políticos, representantes do governo federal, de organizações
ambientalistas, do Ministério Público, Confederação da Agricultura e Pecuária
do Brasil (CNA), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Entre os cientistas,
também participaram José Luiz de Attayde, Pesquisador da Associação Brasileira
de Limnologia (ABLIMINO), Jean Paul Metzger (USP).
Na
audiência, coube ainda a servidores do Ministério do Meio Ambiente, Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e da Agência Nacional de Águas (ANA),
formalmente responsáveis pela defesa do meio ambiente no País, referendar e
defender a redução das áreas de vegetação a ser preservadas nas beiras de rios
prevista na nova lei.
Fonte: ISA
Leia também: STF pode julgar constitucionalidade do Código Florestal em dois meses (O Globo, 19 de abril de 2016)