Por Cláudio
Angelo*
Os jornais
começam a inventariar as causas do vergonhoso colapso do governo Dilma e tentam
identificar em que ponto a administração da petista começou a fazer água. Será
que foi na reeleição? Ou nos protestos de junho de 2013? No câncer de Lula, que
deixou Dilma sem supervisão de adultos e livre para barbarizar no governo? Ou
na tentativa do PT de dar um toco em Eduardo Cunha com a indicação de Arlindo
Chinaglia para presidir a Câmara? Incrivelmente ausente da narrativa que se
desenha para o impeachment está a primeira grande derrota legislativa de Dilma,
um momento que diz muito sobre a compulsão da quase-ex-presidente por perder oportunidades:
a aprovação do novo Código Florestal.
Em 2011, o
governo recém-eleito tentava costurar com sua sabidamente ruralista base aliada
uma solução para a proposta do novo código. No ano anterior, o célebre parecer
de Aldo Rebelo (PCdoB) fora
aprovado por uma comissão especial talhada pelo PMDB e de maioria ruralista.
Dilma contava com seu vice, Michel Temer, para segurar os ânimos do partido e
evitar um desgaste logo no início do governo.
Mas Temer
sabia desde sempre com quem estava sua fidelidade: com os deputados a quem ele
prometera o céu, meu bem, e seu amor também, em troca do apoio dado quando era
presidente da Câmara – posição que o catapultou para o Jaburu. Em maio daquele
ano, Temer viajou em missão oficial à Rússia e levou junto o líder do PMDB,
Henrique Eduardo Alves (RN). Voltaram de lá com a infame emenda 164, de autoria
do über-ruralista Paulo Piau (PMDB-MG), que anistiava toda e qualquer
recuperação de áreas de preservação permanente.
O texto foi aprovado no
plenário da Câmara por acachapantes 273 votos a 182. A “base aliada” de Dilma,
formada numa ampla “coalizão”, começava a dizer a que viera. Ainda zonza, no
final de uma reunião de gabinete para decidir o que fazer depois da traulitada,
Dilma desabafou com um dos presentes: “Fomos traídos pelo Michel”.
Diante
desse diagnóstico preciso, Dilma fez o que fazia sempre que confrontada com uma
falha em seu esquema: dobrou a aposta. Resolveu negociar uma redução de danos
na Câmara e mobilizou as tropas que ainda tinha no Senado para produzir um
texto de Código Florestal próprio, negociado linha a linha com a bancada
ruralista. De repente, a revisão do código, um projeto do PMDB ruralista e cuja
própria origem era “não meritória”, como admitiu um senador governista, virava um
projeto do governo, com direito a mexidas sugeridas ao texto pela própria
presidente. Dilma reagiu à “traição do Michel” como como a mulher traída que
reage ao adultério chamando a amante para morar em sua casa.
Como viraria regra no seu governo, o
movimento desagradou a todos: Dilma perdeu ali a chance de acenar aos eleitores
de Marina Silva, que pediam veto total à sandice da nova lei. Alijou a esquerda
do PT e a Contag, a confederação da pequena agricultura, que assistiam com
revolta latente à camarada presidenta virar BFF da rainha do latifúndio e
mentora do Código, Kátia Abreu. Deu uma banana à comunidade científica, que provou por A mais B por que não era
necessário mexer na lei. E, por óbvio, não saciou o apetite dos ruralistas, que
passaram a exigir mais flexibilizações e votaram en
masse pelo
impeachment daquela que lhes deu tanto. Ah, a política, essa ingrata.
Mas Dilma soube dar o troco nessa cambada
de filhos da puta turma,
né? Senão vejamos: Aldo Rebelo, o traidor original, que fez um relatório sob encomenda
do PMDB por mágoa contra o PT e favores devidos a Temer, teve o castigo que
mereceu: virou ministro do Esporte, depois da Ciência (!) e, por fim, da
Defesa. Kátia Abreu, que no meio da negociação fora flagrada pelo jornal O Globo dizendo “Dilmão concordou com tudo”,
virou ministra da Agricultura, confidente e afilhada de casamento. Michel Temer
ganhou a articulação política. E, de fato, articulou politicamente, mas não
exatamente como Dilma queria. O governo restaurou o passivo de imagem deixado
pelo Código Florestal a golpes de João Santana: a propaganda na campanha de
reeleição dizia que a “Coração Valente” havia pacificado o campo, ou algo assim.
As ações de inconstitucionalidade correm hoje no Supremo provam o contrário. E
a confusão criada pela condução política dilmista da lei de florestas ficará
como um dos testamentos de seu governo.
Lições
aprendidas? Sei lá. Obviamente Dilma não caiu por causa do Código Florestal.
Mas o episódio, ocorrido a partir dos primeiros meses de seu governo, já trazia
todos os elementos de instabilidade que culminaram no 17 de abril. Com um
elemento a mais, que tampouco teve papel pequeno nos cinco anos seguintes do
desastre dilmista: o voluntarismo da presidente. As profundas convicções
antiambientalistas de Dilma impediram que ela enxergasse no veto ao Código
Florestal e na proposição de uma alternativa (como vinha sendo negociada desde
2008 pelo então ministro Carlos Minc com os pequenos agricultores) a
oportunidade de escolher um lado e de fazer de fato uma opção à esquerda.
Provavelmente achou que estivesse fazendo a coisa certa, a opção pelo
“progresso”, pela “justiça social” e pela “competitividade” do agronegócio,
contra as “ONGs estrangeiras” e a “Marina Silva”. Meio de ladinho, ficou com os
ruralistas, pingando a primeira gota de sangue no tanque dos tubarões.
Famosa por
achar que sabia mais sobre tudo do que todo mundo, Dilma Rousseff recusou-se a
aprender com o episódio sobre como se relacionar com o PMDB. Colheu o que
plantou.
*Jornalista. Texto originalmente publicado no Blog Curupira - Atualizado após votação do impeachment na Câmara
*Jornalista. Texto originalmente publicado no Blog Curupira - Atualizado após votação do impeachment na Câmara