domingo, 3 de abril de 2016

Novos decretos de Dilma não significam Reforma Agrária


Nesta sexta-feira, 1° de abril, em cerimônia no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff assinou 25 decretos para desapropriação de imóveis rurais, dos quais 21 deles se referem a áreas declaradas de interesse social para fins de reforma agrária.  As demais despropriações são de imóveis particulares localizados em territórios quilombolas, em processo de titulação conduzidos pelo Incra.

Conforme noticiou a Agência Brasil,21 decretos vão assegurar 35,5 mil hectares de terras para a reforma agrária em 14 estados.

Na cerimônia, vários acontecimentos chamaram atenção. Na grade mídia, foi destacada a fala do Secretário de Finanças da Contag, Aristides Santos, que defendeu a ocupação de propriedades rurais de opositores de Dilma como método para pressionar contra o possível impeachment da Presidente.


"Vamos ocupar as propriedades deles, as casas deles no campo. É a Contag e os movimentos sociais que vão fazer isso. Vamos ocupar os gabinetes, mas também as fazendas deles. Se eles são capazes de incomodar um ministro do Supremo Tribunal Federal, vamos incomodar as casas deles, as fazendas e as propriedades deles. Vai ter reforma agrária, vai ter luta e não vai ter golpe", discursou Aristides antes de ser sucedido por Dilma.
Aristides Santos. Foto: Blog do Planalto
Logo em seguida, em seu discurso, Dilma defendeu a continuidade de seu mandato e da “democracia” e rebateu o secretário da Contag: “Nós, hoje, precisamos nos manter vigilantes e oferecer resistências às tendências antidemocráticas, oferecer resistência também às provocações. Nós não defendemos qualquer processo de perseguição de qualquer autoridade porque pensa assim ou assado. Nós não defendemos a violência. Eles defendem. Eles exercem a violência. Nós não,” declarou Dilma, sendo aplaudida por uma plateia formada por militantes que contava além da Contag, de membros do MST, da Confederação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq) e de outros movimentos sociais do campo.

A inusitada cena do MST aplaudindo o discurso de condenação da ocupação de terras por Dilma Rousseff chega a ser irônico, à medida que o movimento e a ministra ruralista Kátia Abreu são, no momento, dois dos maiores defensores da continuidade do mandato da presidente.

Jogo de cena
O discurso de Dilma também foi recheado de ufanismo sobre a “grandiosidade” do ato da assinatura dos Decretos, chegando a afirmar que “(...) o país acaba de dar um passo para diminuir ainda mais a imensa desigualdade da Nação”.

Para uma plateia de desavisados, o discurso de Dilma e os aplausos dos principais movimentos sociais do campo poderiam até ser encarados realmente como um avanço para a reforma agrária. Contudo, não é o que se verifica no mundo real.

Quem minimamente acompanha a dinâmica administrativa e jurídica das desapropriações de imóveis para a reforma agrária sabe que apesar da grande importância dos decretos, estes são apenas o início de um longo procedimento que só após ser concluído será materializado na criação do projeto de assentamento, conforme já escrevi no meu blog em 2013: Reforma agrária: o mito dos cem decretos.

Como expliquei na época, o decreto apenas declara o interesse social da União pelo imóvel para fins de reforma agrária e autoriza o Incra a ajuizar pedido de imissão na posse, mediante pagamento da devida indenização. Mesmo a etapa judicial do processo não se inicia de forma automática, uma vez publicado o decreto. Depende de ainda da existência de orçamento para o pagamento das indenizações. A terra nua é paga em Títulos da Dívida Pública (TDA) e as benfeitorias, em moeda corrente.

Mas, além da demora na efetivação dos assentamentos, que não depende só do governo, mas também do poder Judiciário, há um outro problema, esse mais grave. A decretação de áreas para reforma agrária nos cinco anos de governo Dilma (primeiro e segundo mandatos) virou exceção, e não regra. Talvez por isso a cerimônia do sugestivo 1° de abril tenha ganhado ares tão grandiosos.

Em 2013, quando estava sendo criticada via imprensa pela paralisia do processo de reforma agrária, Dilma anunciou míticos “100 decretos para a reforma agrária”. Em 2014, quando precisou do apoio de movimentos sociais para turbinar sua campanha eleitoral, mais 30 áreas chegaram a ser decretadas.

Mas, em 2015, pela primeira vez deste o início da chamada Nova República, nenhum imóvel rural foi declarado pelo governo federal para a reforma agrária. 
Gráfico: SindPFA
Com o completo “esquecimento” da pauta da Reforma Agrária pelos principais movimentos sociais do país, coube ao Sindicato dos Peritos Federais Agrários (Eng. Agrônomos do Incra) tentar resgatar o assunto.

A entidade revelou no seu sítio que o vexame do governo na área agrária era ainda pior: “MDA e Incra deixaram expirar o prazo de validade de 29 decretos de áreas que haviam sido decretadas em 2013. Ou seja, o resultado do ano passado foi pior que zero, foi -29. Todos os recursos públicos investidos nas vistorias, nas avaliações e nos demais trâmites administrativos desses processos foram perdidos. Trabalho e recursos de anos jogados pelo ralo", informa trecho da Campanha  2015: Decreto Zero", puxada pela entidade.

No dia 03 de março, a denúncia do sindicato foi estampada no prédio do Incra em Brasília, na Esplanada dos Ministérios.  Abafada pela efetivação do pedido de condução coercitiva do ex-presidente Lula ocorrida no dia seguinte, a campanha quase não teve repercussão na mídia ou nas página dos movimentos sociais.
Foto: SindPFA

Somente no dia 27 de março, a Folha de São Paulo trouxe a matéria "Governo Dilma congela Reforma Agrária" em que informa que o Incra havia enviado 22 processos para desapropriação no ano de 2015 para a Casa Civil e lá esses processos se encontravam parados e que dos 100 imóveis decretados em 2013, somente em 52 caso tinha sido efetivado o depósito judicial que antecede o ato de imissão de posse da área para o Incra. 

Em outras palavras, nem mesmo todos os 22 processos que se encontravam parados na Casa Civil foram levados á decreto.

Mesmo que sejam efetivamente transformados em assentamentos, os 21 imóveis declarados para fins de reforma agrária totalizam apenas  35,5 hectares, não alterando a tendência de reconcentração de terras país.

Mas, num cenário catastrófico para reforma agrária, Dilma ainda encontra quem a aplauda. De Kátia Abreu, ao MST. 
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