Por Lúcio Flávio Pinto*
Flávio Barra, alto executivo da Andrade Gutierrez,
preso em julho do ano passado pela Lava Jato sob acusação de pagar propina nas
obras da usina nuclear Angra 3, disse em acordo de delação premiada que a
empreiteira pagou propina de 15 milhões de reais ao ex-ministro e ex-deputado
federal Delfim Netto, na fase final das negociações para a concessão da usina
de Belo Monte, em 2010.
Teria sido uma “gratificação” por ele
ter ajudado a montar consórcios que disputaram a obra, segundo o executivo, que
presidiu a AG Energia, braço da Andrade para esse mercado.
O montante teria chegado a Delfim por
meio de contratos fictícios de empresas de um sobrinho dele, Luiz Apolônio
Neto, com a Andrade Gutierrez, a segunda maior empreiteira do país. Não teria
havido, porém, prestação de serviços, segundo Barra, o que pode caracterizar
corrupção.
Os contratos fictícios foram entregues
aos procuradores pelo executivo como prova de seu relato.
A Andrade
também fez um acordo de leniência, uma espécie de delação para empresas, no qual
aceitou pagar multa de R$ 1 bilhão. Tudo isso segundo o noticiário da Folha de S. Paulo.
O jornal lembra que a Belo Monte teve
um processo de licitação tumultuado. “O projeto da usina era extremamente
complexo porque a vazão de água é pequena e envolvia a construção de dezenas de
barragens e um canal de 20 quilômetros”.
Na reconstituição do jornal, que
reproduzo em seguida, Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa gastaram
milhões de reais e anos de pesquisa para fazer o projeto, mas o governo resolveu
dar uma lição nas três gigantes, consideradas por ele “arrogantes demais”, e
permitiu que um grupo de empresas menores vencesse a concorrência das obras
civis.
Esse grupo de oito construtoras,
apelidadas pelo governo de “aventureiras” (Queiroz Galvão, Mendes Júnior,
Serveng-Civilsan, Contern, Cetenco, Gaia, Galvão e J. Malucelli), teria sido
articulado por Delfim e pelo pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula que
está em prisão domiciliar.
A ideia de criar o consórcio com
empresas menores era uma estratégia do governo para fazer as grandes
empreiteiras baixarem o preço que planejavam cobrar. O senador Delcídio do
Amaral (ex-PT-MS) teria sido encarregado pelo governo de procurar Delfim e
Bumlai para que colocassem o plano em prática.
Em agosto de 2010, o consórcio
vencedor permitiu a entrada de construtoras com maior capacidade técnica no
consórcio: Andrade, Odebrecht e Camargo Corrêa.
Novamente, Delfim foi chamado para
ajudar no arranjo neste novo grupo, com 11 empreiteiras, segundo Barra.
A Andrade foi a grande beneficiada com
a mudança. A empresa passou de perdedora da primeira concorrência a líder do
consórcio da obra.
Na prática, não houve concorrência,
mas um grande acordo entre as empreiteiras, segundo os executivos da Andrade,
com Delfim como um dos principais articuladores.
As obras civis da usina de Belo Monte
foram contratadas por R$ 14,5 bilhões, dos quais 1% teria sido destinado a
suborno para políticos do PT e do PMDB, segundo a versão de executivos da
Andrade. O valor do suborno, de acordo com essa versão, foi de R$ 140 milhões.
O preço final da obra, com turbinas e maquinário, deve chegar aos R$ 32
bilhões.
Delfim, hoje
com 87 anos, afirmou à Folha,
através de seus advogados, que recebeu por serviços prestados à Andrade.
O ex-ministro refutou de maneira
veemente, por meio de seus advogados, que tenha recebido recursos ilícitos das
empresas que atuam na construção da usina de Belo Monte.
“O professor prestou serviços de fato
e, como não é funcionário público, não há crime nenhum nisso”, afirma o
advogado Ricardo Tosto, que não quis informar o valor recebido por Delfim.
Segundo Tosto, o ex-ministro prestou
consultorias para empresas para as quais já faz esse tipo de trabalho há anos,
como a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa.
Em nota à Folha,
Tosto e seu sócio, Maurício Silva Leite, disseram: “O professor Delfim Netto
afirma que não forjou contratos fictícios e que os pagamentos recebidos por
serviços efetivamente prestados às empresas do consórcio de Belo Monte foram
feitos diretamente a ele, de forma absolutamente lícita”. Segundo a nota, seu
sobrinho não assinou contratos fictícios com a Andrade. O sobrinho não quis se
pronunciar.
Delfim foi mais poderoso ministro da
Fazenda da ditadura militar (1964-85) e um dos artífices do “milagre econômico”
dos anos 1970,mas conseguiu se tornar conselheiro de Lula quando ele foi
presidente.
Não é a primeira vez em que seu nome é
associado a corrupção na construção de uma hidrelétrica na Amazônia. O adido
militar da embaixada do Brasil na França, coronel (do exército) Raimundo
Saraiva, acusou Delfim de cobrar propina nos contratos de empréstimo e de
construção das turbinas para a hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, que
ainda é a quarta maior do mundo (Belo Monte ocupará o seu lugar, quando concluída).
Quando substituiu o general Garrastazu
Médici, o general Ernesto Geisel excluiu do poder Delfim, por quem tinha grande
antipatia. Mas o ex-ministro conseguiu ser nomeado embaixador em Paris. E
também conseguiu abafar o “relatório Saraiva”, como a denúncia ficou conhecida,
além de afastar o adido militar da embaixada.
O custo final da hidrelétrica de
Tucuruí, no Pará, como Belo Monte, ficou cinco vezes maior do que o orçado no
início das obras. A empreiteira principal da obra foi a Camargo Corrêa.
*Publicado no blog de Lúcio Flávio Pinto