A Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) criada no âmbito da Câmara dos Deputados para
investigar as atividades da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto
Nacional da Reforma Agrária (Incra) tem se constituído num espaço de
perseguição e criminalização de lideranças dos Povos Indígenas, Quilombolas e
das entidades que lhes prestam apoio. Os deputados ruralistas, além de
investigarem as ações e serviços realizados pelo órgãos de assistência do
governo, decidiram transformar a CPI num verdadeiro tribunal inquisitório.
Nas últimas
semanas, parlamenteares e assessores da referida CPI fizeram diligências em
várias regiões do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Dirigiram-se de forma
abrupta e autoritária para dentro de comunidades indígenas sem comunicá-las,
sem informar o Ministério Público Federal, a quem cabe o dever Constitucional
de fazer a defesa e acompanhamento dos povos indígenas, sem comunicar o órgão
indigenista e, mais grave, foram acompanhados da Polícia Federal, com a
evidente intenção de tratar as comunidades indígenas como organizações
perigosas e criminosas. Fizeram questão de demonstrar que as comunidades e suas
lideranças estariam sendo investigadas pelo fato de serem indígenas e de
lutarem por seus direitos.
O desrespeito
ao modo de ser dos povos indígenas, de suas culturas, de suas organizações
sociais e o autoritarismo com que se dirigiram às lideranças, como se estas
fossem objeto de investigação, constituem-se crimes. Portanto, esses fatos
tornam a CPI ilegítima. No entender do Cimi, há necessidade de se ingressar
judicialmente contra a CPI para impugná-la, bem como para responsabilizar os parlamentares
e seus assessores que, ao longo das últimas semanas, adentraram nas comunidades
indígenas sem comunicá-las, sem consultá-las e inquirindo as pessoas como se
fossem criminosas. Desrespeitaram não só a Constituição Federal, mas os
tratados e convenções internacionais, como a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT).
Há
parlamentares membros desta CPI da Funai e do Incra, que deveriam, no entender
do Cimi, responder juridicamente por crime de racismo e por incitação ao ódio e
à violência contra indígenas. Notadamente o Cimi se refere aos deputados Alceu
Moreira (PMDB/RS) e Luis Carlos Heinze (PP/RS), que, no final do ano de 2013,
numa audiência pública promovida pela Câmara dos Deputados no município de
Vicente Dutra/RS, propuseram aos agricultores que se armassem e expulsassem os
indígenas do jeito que fosse necessário, além de bradarem publicamente que
indígenas, quilombolas, gays e lésbicas seriam “tudo o que não presta”. Os
discursos de ódio dos dois parlamentares foram gravados e difundidos pela
internet, mas, apesar disso, permanecem impunes.
Outro
parlamentar que fomenta o ódio e o separatismo no país é o Deputado Valdir
Colatto (PMDB/SC). Ele recentemente proferiu discurso na CPI para dizer que não
se deve demarcar terras para os índios porque estes não contribuem com o
desenvolvimento do país. E, mais grave, vem postulando, através de sua página
na rede social Facebook, a separação da região Sul do restante do país, com o
slogan “O Sul é o meu País”. Argumenta que deve haver a separação da região Sul
das demais porque, no Sul, se paga mais impostos e se recebe menos benefícios,
fazendo a alusão de que os demais estados não produzem e são beneficiados pela
União.
Nesta
quarta-feira, 6, a CPI aprovou requerimentos determinando que haja, por parte
da Polícia Federal, investigação do Cimi e de lideranças indígenas que lutam
pelo cumprimento da Constituição Federal, artigos 231 e 232. E não há
necessidade de ser muito letrado para entender que tais artigos expressam
claramente que os povos indígenas têm o direito à demarcação de suas terras.
Portanto, lutar por este direito é legítimo. No entanto, os ruralistas da CPI,
preocupados com os interesses daqueles que financiaram suas campanhas
milionárias, fazem uso da estrutura do Estado brasileiro para atacar os povos,
suas lideranças e aliados caracterizando-os como subversivos e determinando que
sejam investigados e criminalizados.
O Cimi também
alerta para os riscos deste momento nacional, quando se conduz, no Parlamento
brasileiro, um processo de impedimento de uma presidente da República através
uma bancada de deputados sobre a qual também pesa suspeita de corrupção. Quando
passam a ocorrer processos ilegítimos como este no núcleo do Poder do Estado,
abrem-se fendas para que em outras esferas da sociedade pessoas ou grupos
venham a se sentir legitimadas a praticar crimes. E fatos nesta direção já
ocorrem. Por exemplo, no Paraná, dentro do acampamento Dom Tomás Balduino, em
Quedas do Iguaçu, na tarde desta quinta-feira, 7, a Polícia Militar promoveu
uma ação contra uma comunidade de acampados do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra. Na ocasião, a PM do Paraná matou dois trabalhadores sem terra
e feriu outras pessoas, sendo que algumas estão em estado grave.
Na Bahia,
Rosivaldo Ferreira da Silva, o cacique Babau Tupinambá, e o irmão, José Aelson
Jesus da Silva, o Teity Tupinambá, foram presos, ilegal e arbitrariamente, no
final da manhã desta quinta-feira, 7, pela Polícia Militar no município de
Olivença. Ambos tinham passado momentos antes pela aldeia Gravatá, Terra
Indígena (TI) Tupinambá de Olivença, no extremo sul baiano, onde indígenas
Tupinambá denunciavam o crime ambiental da retirada ilegal de areia – depois de
terem sofrido despejo no dia anterior. A prisão do cacique Babau e de seu irmão
constitui-se numa retaliação pelo fato de estarem em luta pela demarcação da
terra tradicional Tupinambá. As lideranças correm risco de vida ao estarem
presas em Ilhéus. O Cimi entende que a escalada de violência em curso é
potencializada pela omissão do Governo Federal que se nega a dar sequência
regular ao procedimento administrativo de demarcação da Terra Indígena
Tupinambá de Olivença.
No entender do
Cimi está em curso, de forma intencional, um processo de quebra dos parâmetros
da institucionalidade do país, com o consequente ataque aos direitos
fundamentais das pessoas. Num país onde a Presidente da República é cerceada do
direito do contraditório, da ampla defesa e se sente atacada por autoridades
que estão sob suspeição, o que há de se esperar das relações sociais, políticas
e jurídicas na sociedade?
No entender do
Cimi a CPI da Funai e do Incra é, em sua essência, parcial, inquisitória e
rompe com a perspectiva de consolidação do Estado Democrático de Direito no
Brasil.
Trilhamos, se
nada for feito com o objetivo de alterar o caminho da ilegalidade, para tempos
ainda mais sombrios no que tange às liberdades individuais e coletivas e ao
direito à vida dos que lutam por justiça no Brasil.
Brasília, 08
de abril de 2016
Cimi –
Conselho Indigenista Missionário