Por: Aline Ribeiro*
Um estudo
inédito revela que as unidades de conservação da Amazônia não cumprem sua
missão de preservar a floresta e os animais da destruição – e os governos não
têm planos de melhorar essa situação
Os únicos quatro vigilantes do Parque Nacional da
Amazônia, no Sudoeste do Pará, tomaram uma decisão difícil no começo de 2014.
Responsáveis pela proteção de uma das áreas de maior biodiversidade do Brasil,
abandonaram seus postos de guarda e voltaram para casa depois de cinco meses
sem receber um centavo de salário. Os portões do parque ficaram fechados para
visitação e pesquisa. Com a área esvaziada e sem sentinelas à espreita, o
caminho para caçadores, madeireiros e garimpeiros ilegais ficou livre. O Parque
Nacional da Amazônia é um imenso tapete verde com mais de 1 milhão de hectares.
Seu acesso só é possível pela deserta Rodovia Transamazônica, rota do tráfico
internacional de drogas e do escoamento de madeira nobre e metais preciosos. A
presença de policiais é raridade por ali. Embora insuficientes para cuidar de
um território de tais dimensões, os guardas cumprem o importante papel de
intimidar os predadores – tanto que foram recontratados.
Um estudo inédito do Instituto do Homem e Meio
Ambiente da Amazônia (Imazon) mostra que casos de abandono como o do Parque
Nacional da Amazônia são regra, não exceção. As unidades de conservação,
criadas para resguardar territórios ricos em biodiversidade, na realidade
protegem menos do que o esperado. O mapeamento do mais importante centro de
pesquisas sobre a Amazônia revela que, entre 2008 e 2015, foram desmatados
467.000 hectares de floresta das unidades de conservação da região, o
equivalente a cerca de 233 milhões de árvores derrubadas. Os madeireiros
ilegais surrupiaram R$ 590 milhões das terras públicas. Pela estimativa do
Imazon, a queima dessa vegetação liberou cerca de 29 milhões de toneladas de
gás carbônico na atmosfera, o mesmo que emitem 10 milhões de carros, ou 20% da
frota brasileira, todo ano. As consequências para a fauna não são menos
trágicas: 8,3 milhões de aves e 271 mil macacos foram mortos ou desalojados.
Pior de tudo, a pesquisa revela que os governos
federal e de nove Estados da Amazônia Legal brasileira não têm instrumentos
para parar a destruição. Só 4% das ações propostas pelos órgãos
ambientais para blindar seu patrimônio natural fazem parte de planos
consistentes. No caso federal, apenas 12,5% das sugestões do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) são completas. “Os
governos, tanto estaduais quanto federal, não encaram essas áreas com
prioridade”, afirma a advogada Elis Araújo, pesquisadora do Imazon e uma das
autoras do estudo. “Sem uma gestão forte, essas terras são invadidas de
forma ilegal, perdem floresta e biodiversidade.”
Em 2013, numa iniciativa inovadora, os Tribunais de
Contas da União e de nove Estados da Amazônia auditaram o “grau de
implementação” – ou a infraestrutura, entre recursos humanos e financeiros,
para proteger o patrimônio natural – de 247 unidades de conservação.
Descobriram que só 4% delas tinham um “alto grau de implementação”, ou
capacidade plena para cuidar de seus recursos; 56% apresentavam um índice
médio; 39%, um grau baixo. Um quarto do total das unidades avaliadas não
tinha um único funcionário, assim como ocorreu com o Parque Nacional da
Amazônia. Só 25% estavam sinalizadas ou demarcadas. Em resumo, um
desastre.
A partir dessas conclusões, em 2014 o Imazon
começou o trabalho minucioso de perguntar aos órgãos ambientais qual é o
planejamento de cada um para melhorar essa realidade. Nenhum apresentou
um plano completo. A maioria enviou apenas uma planilha com ações
pontuais e isoladas. Foi o caso de 100% das sugestões do Acre, 87% das propostas
do Pará e 75% das do ICMBio. O Maranhão nem sequer se manifestou em
relação à pesquisa. Mais de 40% dos governos não responderam à
recomendação de fazer a regularização das terras – a bagunça fundiária é o
maior motor de desmatamento na Amazônia.
As unidades de conservação somam 112 milhões de
hectares – ou 27% do território da Amazônia brasileira. Só resgatarão a
função de proteger a biodiversidade se os governos assumirem metas e prazos
claros. O primeiro passo, segundo o Imazon, é responsabilizar os gestores
por danos ao patrimônio público. “A pena pode ser de multas a processos
penais e criminais”, afirma Elis. O segundo é investir no turismo e no
manejo florestal. Por fim, zerar o desmatamento nessas áreas até 2017 –
durante a 21a Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima
(COP21) em dezembro, em Paris, o governo assumiu o compromisso de extinguir a
retirada ilegal de floresta na Amazônia até 2030. “Se o país se
comprometeu a acabar com o desmatamento, que comece pelas áreas protegidas”,
diz Elis. Parece óbvio. No Brasil, no entanto, até o básico é
difícil.
Fonte: Revista Época
Leia no sítio do Imazon: Áreas Protegidas críticas na Amazônia no período de 2012 a 2014