CARTA AO POVO E AO GOVERNO BRASILEIRO
ASSEMBLEIA GERAL DA NAÇÃO MUNDURUKU NO
PARÁ
ALDEIA KATÕ – 01 A 07 DE ABRIL DE 2016
A nação Munduruku no Pará é numerosa, somos aproximadamente 13.000
homens e mulheres. Nos tempos passados nós Munduruku éramos temidos.
Dominávamos a arte da guerra e tínhamos muitas estratégias. Nossos troféus eram
as cabeças de nossos inimigos. Dificilmente perdíamos um guerreiro na batalha.
Atacávamos de surpresa e em grande quantidade, assim vencíamos os nossos
rivais. Hoje os dias são outros, há muito tempo que não precisamos fazer uma
expedição de guerra, mas, se for necessário, o rastro do tempo aponta o caminho
do futuro: somos a nação Munduruku, os cortadores de cabeça.
Nós falamos agora pelo nosso povo, pelas crianças e pelos animais. As
estrelas no céu nos contam nossas histórias passadas, nos guiando no presente e
indicando o futuro. Esse é o território de Karosakaybu, onde sempre vivemos.
Somos a natureza, os peixes, a mãe dos peixes, a mangueira, o açaizeiro, o
buritizeiro, a caça, o beija-flor, o macaco e todos os outros seres dos rios e
da floresta.
Ainda vivemos felizes em nosso território, a correnteza dos rios nos
leva para todos os lugares que queremos, nossas crianças podem nadar quando o
sol está muito quente, os peixes podem brincar e ainda se multiplicam com
fartura, mas fomos obrigados a aprender duas novas palavras da língua dos
pariwat, palavras que nem existem na nossa língua: preocupação e barragem.
Desde quando o ex-presidente Lula resolveu retomar os projetos do tempo
da ditadura militar, de barrar os rios da Amazônia para produzir energia para
as indústrias de mineração, automobilísticas e para outros setores da economia,
poluidores e causadores de muitos problemas ambientais, estamos todos muito
preocupados, principalmente depois que ficamos sabendo dos planos da presidente
Dilma de construir 05 hidrelétricas nos rios Tapajós e Jamanxin, as usinas de
São Luiz do Tapajós, Jatobá, Cachoeira do Caí, Jamanxin e Cachoeira dos Patos.
É por isso que nós, caciques, guerreiros, guerreiras, pajés,
professores, homens e mulheres Munduruku, reunidos na aldeia Katõ, na
Assembleia Geral da Nação Muduruku, falamos ao povo brasileiro que o governo
rasgou a Constituição do Brasil e os tratados e convenções internacionais, como
a Convenção 169 da OIT, matando nossa autonomia e pen okabapap iat (meu
corpo, meu estômago, meu modo de ser). Infelizmente o governo brasileiro não
está cumprindo as leis que ele mesmo assina.
Queremos que o governo brasileiro respeite a nossa cultura, nossa
cosmovisão e nossos lugares sagrados, e que não repita o que fez com a
Cachoeira de Sete Quedas, no rio Teles Pires, considerada por nós como o berço
do mundo do povo Munduruku, que foi destruída com a construção da Usina
Hidrelétrica de Teles Pires.
Nossos sábios e nossos conhecimentos nos dizem que não são só os
indígenas e pariwat que vão sofrer com a construção das usinas no Tapajós,
todos os seres que moram nos rios e na floresta vão sofrer também. O governo
não entende que nós sabemos escutar a mãe dos peixes, os peixes, a cutia, o
macaco, a paca, os passarinhos, a onça e todos aqueles que moram nesta região.
O rastro do tempo mostra o que ocorreu com os parentes do rio Tocantins,
que até hoje, mais de 30 anos depois de serem expulsos de seu território, ainda
esperam as compensações que o governo prometeu quando foi construída a usina de
Tucuruí. As consequências do barramento dos rios Xingu, Madeira, Teles Pires, e
o que aconteceu com o rio Doce, são os maiores exemplos de que estes projetos
não servem para nós.
Afirmamos que a nação Munduruku é uma só, habitando toda a extensão do
grande rio Tapajós, pai e mãe que nos transporta, refresca nosso corpo e nos dá
nosso alimento, por isso estamos unidos contra a destruição desse rio e a
invasão de nosso território. Não queremos guerra, mas avisamos que não temos
medo da polícia dos pariwat, seja a Polícia Federal, Força Nacional, ou
qualquer outra.
Sabemos que os rios e o território da Amazônia não só garantem a vida e
a harmonia nesta região, como também contribuem decisivamente com o equilíbrio
ambiental, do ar e do clima para todo o povo brasileiro e do mundo. Por isso,
pedimos a solidariedade das mulheres, homens, intelectuais, estudantes,
trabalhadores, pescadores, quilombolas, ribeirinhos, parentes de outras nações
indígenas, enfim, de todos que queiram lutar contra a destruição dos rios e da
floresta Amazônica.
Queremos continuar vivendo em paz, pescando, caçando, fazendo nossos
rituais, cânticos, com nossas tradições deixadas por nossos antepassados, da
forma como vivemos antes dessas novas ameaças, por isso NÃO QUEREMOS NENHUMA
HIDRELÉTRICA EM NOSSOS RIOS, e exigimos do governo brasileiro:
- Demarcação da Terra Indígena Daje Kapap Eipi, conhecida pelos pariwat
como Sawre Muybu;
- Não realização do leilão da Usina de São Luiz do Tapajós;
- Parar com os projetos de construção de novas hidrelétricas nos rios
Tapajós, Jamaxim e nos outros rios da Amazônia;
- Parar com a construção da Usina Hidrelétrica de São Manoel;
- Fortalecer a saúde indígena, respeitando a medicina tradicional;
- Fortalecer a educação e ampliação do projeto Ibaorebu para todos os
níveis de ensino.
Aldeia Katõ/PA, 07 de abril de 2016
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