Senador foi presidente da Funai nos anos 1980 e, segundo índios, não deixou saudade - Agência Senado |
Por João Fellet*
Quando o senador Romero Jucá (PMDB-RR) foi nomeado ministro do Planejamento do governo interino de Michel Temer, xamãs e lideranças do povo ianomâmi recorreram a “espíritos da natureza para pressionar a alma” do político e tentar fazê-lo desistir do posto, conta à BBC Brasil o jovem líder Dário Kopenawa Yanomami.
Quando o senador Romero Jucá (PMDB-RR) foi nomeado ministro do Planejamento do governo interino de Michel Temer, xamãs e lideranças do povo ianomâmi recorreram a “espíritos da natureza para pressionar a alma” do político e tentar fazê-lo desistir do posto, conta à BBC Brasil o jovem líder Dário Kopenawa Yanomami.
Coordenador
da associação Hutukara, sediada em Boa Vista, Roraima, Yanomami diz que o grupo
temia o avanço de propostas do ministro – para ele, “o maior inimigo dos povos
indígenas do Brasil”.
“Deu
certo”, ele comemora, citando o afastamento do político nesta segunda, após vir
à tona uma gravação em que propunha um pacto para derrubar a presidente Dilma
Rousseff e frear a Operação Lava Jato.
A
relação problemática de Jucá – presidente nacional do PMDB – com os ianomâmis
foi citada no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2015.
Em
capítulo sobre violações de direitos humanos de povos indígenas, o relatório
diz que a gestão do político como presidente da Funai (Fundação Nacional do
Índio), entre 1986 e 1988, resultou no “caso mais flagrante de apoio do poder
público à invasão garimpeira”.
A
entrada dos garimpeiros no território de Roraima ganhou impulso em 1986, quando
o governo federal ampliou uma pista de pouso na área, na fronteira do Brasil
com a Venezuela.
A
obra facilitou o ingresso dos invasores, que no fim da década chegavam a 40 mil
e construíram mais de uma centena de outras pistas.
Segundo
o relatório da CNV, alertado repetidas vezes sobre a invasão, Jucá não só
deixou de agir para combatê-la como a estimulou.
“Comunidades
inteiras desapareceram em decorrência das epidemias, dos conflitos com
garimpeiros, ou assoladas pela fome. Os garimpeiros aliciaram indígenas, que
largaram seus modos de vida e passaram a viver nos garimpos. A prostituição e o
sequestro de crianças agravaram a situação de desagregação social”, afirma o
documento.
Estima-se
que até um quarto dos ianomâmis tenham morrido por efeitos diretos ou indiretos
do garimpo, que ampliaram a cobrança internacional para que os invasores fossem
expulsos e o território, demarcado.
Diante
da pressão, segundo o relatório da CNV, Jucá expulsou ONGs e missões religiosas
estrangeiras que prestavam o atendimento à saúde dos indígenas, alegando que os
grupos estavam insuflando as comunidades contra os garimpeiros e que os
estrangeiros ameaçavam a soberania nacional. Também foram expulsos missionários
brasileiros que atendiam os índios.
Sem
qualquer cuidado médico nas aldeias por um ano e meio, os casos de malária
entre os ianomâmis cresceram 500%, diz a CNV.
“Além
da omissão por não tirar os garimpeiros, Jucá agiu para tirar pessoas que davam
remédio e faziam atendimento de saúde no meio do momento mais dramático da
história dos Yanomami”, diz à BBC Brasil Rogério Duarte do Pateo, professor de
antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor do trecho
do relatório da CNV sobre o grupo.
A
expulsão das equipes de saúde foi denunciada à Comissão de Direitos Humanos do
Conselho Econômico e Social da ONU, que cobrou explicações do Brasil.
Profissionais de saúde só retornaram ao local quando uma comissão
liderada pelo senador Severo Gomes furou o bloqueio ao território e verificou a
grave situação sanitária do povo.
Ianomâmi considera Jucá o "maior inimigo dos povos indígenas do Brasil" - Marcos Wesly/ISA |
Índios ‘aculturados’
Um
levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) lista outras ações polêmicas de
Jucá na Funai, como autorizações suas à exploração de madeira em terras
indígenas e uma portaria que restringia direitos de índios falantes de
português, considerados “aculturados”.
Em
1996, em seu primeiro mandato como senador por Roraima, Jucá apresentou um
projeto de lei para regulamentar a exploração mineral em terras indígenas. Após
idas e vindas, a Câmara dos Deputados criou, em junho de 2015, uma comissão
para analisar a proposta.
Em
agosto, a revista Época revelou que a mineradora Boa Vista, que tem como sócia
majoritária Marina Jucá, filha do senador, havia pedido ao Departamento
Nacional de Produção Mineral autorização para explorar ouro em nove minas com
trechos em terras indígenas.
Segundo
a revista, Jucá negou qualquer relação com a empresa da filha. O senador não
respondeu às perguntas da BBC Brasil sobre sua atuação na Funai e o relatório
da CNV.
Ameaças de morte
Dário
Kopenawa Yanomami diz à BBC Brasil que perdeu avós e parentes na invasão dos
garimpeiros nos anos 1980. Ele afirma ainda que a atividade provocou danos
ambientais irreversíveis.
“Teve
um impacto muito grande no subsolo dos Yanomami: estragou rios, igarapés,
deixou muita sujeira dentro da terra.”
E
apesar de sucessivas operações para a expulsão dos invasores, o garimpo jamais
foi erradicado no local. O pai de Yanomami, o xamã Davi Kopenawa, diz ser alvo
de ameaças de morte frequentes por se opor à atividade.
Uma
pesquisa recente da Fiocruz em parceria com o ISA revelou que, em algumas
aldeias ianomâmis, o índice de pessoas contaminadas por mercúrio proveniente do
garimpo chega a 92%.
Em
julho de 2015, uma operação da Polícia Federal denunciou 600 garimpeiros, 30
empresas, 26 comerciantes de Boa Vista e cinco servidores públicos por
envolvimento num esquema ilegal de exploração de ouro dentro da terra ianomâmi.
Segundo
a polícia, o garimpo dentro do território movimentou R$ 1 bilhão entre 2013 e
2014.
*Fonte: BBC - Brasil
Leia também:
Para Comissão da Verdade, Jucá foi responsável por genocídio Yanomami
(Gazeta do Povo)
Diplomata americana fala de encontros com Jucá (A Pública)
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Por que Romero Jucá defende a exploração de ouro em áreas indígenas (Revista Época, 31 de agosto de 2012)