Por Cleide Carvalho*
Dez anos depois do
assassinato da missionária americana Dorothy Stang (12 de fevereiro de 2005), o
Pará continua a ser palco de violência pela posse da terra. Dados da Comissão
Pastoral da Terra (CPT) e do Greenpeace mostram que a violência e o desmatamento
da floresta Amazônica estão relacionados. A impunidade persiste. De 1985 a
2013, a Justiça recebeu 768 inquéritos de assassinatos em conflitos agrários na
Amazônia Legal, mas apenas 5% chegou a ser julgado e apenas 19 mandantes
receberam algum tipo de punição. A maioria, porém, responde às acusações em
liberdade.
O Pará foi o estado que mais
desmatou na Amazônia nos últimos dez anos, derrubando 39.666 quilômetros
quadrados de florestas. Neste período, foram registrados 116 assassinatos no
estado, o maior índice entre as unidades da federação. Em 2013, segundo a CPT,
8.836 famílias que viviam no Pará foram afetadas pela violência no campo: 477
tiveram suas casas destruídas, 264 tiveram suas roças arruinadas e 2.904 foram
vítimas de alguma ação de pistolagem.
Todos os envolvidos na morte
da irmã Dorothy, como ela era conhecida em Anapu, onde vivia e defendia o uso
sustentável da floresta, foram condenados, mas não estão na prisão.
Dois fazendeiros foramo os
mandantes do crime. Julgado quatro vezes e condenado a 30 anos de prisão,
Edivaldo Pereira Galvão foi condenado a 30 anos de prisão em primeira
instância, mas aguarda em liberdade os recursos que impetrados nos tribunais
superiores. Vitalmiro Bastos de Moura, também condenado a 30 anos, foi beneficiado
pela Lei de Execuções Penais e cumpriu apenas um sexto da pena (5 anos). Já foi
solto.
Amair Feijoli da Cunha,
intermediário na contratação de pistoleiros, foi condenado a 17 anos e
beneficiado com prisão domiciliar. O pistoleiro Clodoaldo Carlos Batista,
condenado a 17 anos de prisão, cumpria pena, mas aproveitou-se do benefício de
saída temporária em feriados e fugiu. Rayfran das Neves Sales, condenado a 30
anos, cumpriu pena em regime fechado e semiaberto, mas seguiu atuando como
pistoleiro e acabou preso novamente, por outro crime.
- O Pará se mantém no dos
conflitos, assassinatos, ameaças, expulsões e atuação de pistoleiros. Um dos
grandes problemas é a impunidade e ela é um incentivo à continuidade. A justiça
não consegue dar resposta aos crimes graves e existe aqui uma indústria de
pistolagem, onde pessoas oferecem serviços e outras encomendam mortes. Aqui se
mata por um salário mínimo, dependendo da importância da vítima na sociedade.
Não há tabela, mas há crimes de R$ 50 mil - diz o advogado José Batista, da
Comissão Pastoral da Terra em Marabá.
Os dois fazendeiros pagaram
R$ 50 mil pela morte de Dorothy. Depois do assassinato da missionária, foi
morto em 2011 o casal José Claudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, que
denunciava desmatamento no Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira,
a 50 quilômetros de Nova Ipixuna, no Pará. Outras mortes ocorreram sem tanta
repercussão.
Em agosto do ano passado,
Maria Paciência dos Santos, de 59 anos, foi atropelada por um caminhoneiro que
avançou sobre uma passeata do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra na BR-155,
no sudeste do estado. Na mesma semana, outras três mortes ocorreram no Mato
Grosso, que ocupa o segundo lugar no ranking do desmatamento ilegal na
Amazônia. O casal Josias Paulino de Castro e Ireni Silva Castro, que pertencia
à Associação de Produtores Rurais Nova União, havia denunciado políticos da
região por extração ilegal de madeira, servidores públicos por emissão
irregular de títulos de terra e a ação de pistoleiros.
Segundo dados coletados pelo
Greenpeace, entre 2007 e 2012 cerca de 80% de toda a área com exploração
madeireira no Pará não contou com nenhuma autorização. Ou seja, o corte das
árvores foi ilegal. Além disso, parte da madeira considerada legal também não
é, pois acaba sendo cortada com base em documentos frios.
— O que vemos acontecer ano
após ano é que as pessoas entram na lista de ameaçados de morte e só saem dela
para entrar em outra lista, a de assassinados — diz Danicley Saraiva, da
campanha Amazônia do Greenpeace.
*Fonte: O Globo