Por: Josep Iborra Plans*
Mais de 50 famílias de acampados podem
sofrer uma nova reintegração de posse em Rondônia – essa seria a oitava vez que
os acampados deixariam as terras. A área reivindicada pelas famílias são
os Lotes 30-R e 30-A da Gleba Corumbiara, na Linha 65, no município de Parecis.
O local também é conhecido como Acampamento Arraial do Cajueiro.
Há
12 anos essas famílias reivindicam que as terras ocupadas sejam destinadas para
reforma agrária. Segundo informações da CPT Rondônia, que acompanha o caso, os
acampados sofrem, há anos, por conta do conflito com a Fazenda Cristo Rei. Além
disso, conforme a CPT, as famílias estão em uma área abandonada da fazenda.
De
acordo com a CPT Rondônia, o INCRA em Rondônia diz ter perdido o processo que
justificou, há anos, o pedido de retomada da área para o domínio público, um
CATP (Contrato de Alienação de Terras Públicas) de título provisório,
dificultando assim a análise pelo Programa Terra Legal. “A responsabilidade é
grave e deve ser apurada”, afirmam representantes da CPT no estado. “O
desaparecimento dos processos administrativos no INCRA Rondônia dificultou a
defesa das 50 famílias camponesas”, ressalta a pastoral.
Os
processos, oficialmente, tramitavam na Procuradoria Federal Especializada do
Incra (PFE/INCRA), porém não foram localizados nesse setor. Contudo, a perda
dos processos foi confirmada pela procuradora Especializada do INCRA em
Rondônia, Evelyn Yumi Fugimoto, que informou, ainda, que já havia realizado
buscas em todas as seções do INCRA.
A
informação sobre o desaparecimento dos processos também foi confirmada pelo
Coordenador do Programa Terra Legal de Porto Velho, Francisco Sales, no dia 16
de dezembro de 2014, durante reunião da Comissão Nacional de Combate a
Violência no Campo, no INCRA de Porto Velho.
Comissão Nacional de Combate a Violência no Campo
A
situação de conflito do Acampamento Arraial do Cajueiro já havia sido debatida
em reunião da Comissão Nacional de Combate a Violência, realizada no município
de Ji-Paraná, em 14 de Outubro de 2014, como informou a CPT Rondônia na página
Notícias da Terra.
Na
época, a Ouvidoria Agrária pediu à Justiça o adiamento da reintegração de posse
até o dia 14 de dezembro de 2014. Com isso, o Programa Terra Legal teria prazo
para examinar o cumprimento ou não das cláusulas resolutivas dos títulos
provisórios em questão. Na data marcada, nem o INCRA tinha oficiado o Terra
Legal, pedindo esclarecimentos, nem o processo tinha sido localizado na
autarquia de Porto Velho, como já foi dito.
Já
na reunião de 16 de dezembro de 2014 com a Comissão Nacional de Combate a
Violência no Campo, o representante dos acampados e presidente da Associação
dos Produtores Rurais do Vale do Cajueiro, Jurandir Marinheiro de Lima,
registrou em ata seu descontentamento com o INCRA, assim como o “desentendimento”
entre INCRA e Terra Legal. Pois, segundo o presidente, essa falta de “sintonia”
entre os órgãos tem prejudicado as famílias de acampados. Todavia, Jurandir
pediu ainda a intervenção do Ministério Público Federal (MPF) no conflito. Na
ata da reunião ainda foi registrada a ausência dos representantes do INCRA.
Após
o encontro, o INCRA informou que o superintendente de Rondônia, Luiz Flávio
Ribeiro, estava em período de férias e a substituta dele, Maria Elayne Friozo
del Ponte, tinha saído para uma reunião com a Emater, em Porto Velho.
Para
a Comissão de Combate a Violência no Campo reintegração deve ser cumprida
Em
mais uma decisão contrária aos pequenos agricultores, apesar das claras
dificuldades da administração (INCRA, Terra Legal) em defender as Terras da
União e a legítima demanda de regularização fundiária dos pequenos agricultores
da Associação do Vale do Cajueiro, a Comissão de Combate a Violência no Campo
encerrou a reunião, de 16 de dezembro de 2014, com a recomendação, à Justiça de
Santa Luzia, do despejo dos camponeses.
Apesar
de ter perdido os processos e da inoperância do INCRA e Terra Legal em examinar
a validade dos títulos provisórios, a Comissão decidiu orientar a Justiça de
Santa Luzia comunicando que “não foi possível resolver amigavelmente o conflito
agrário nos imóveis rurais denominados 30-A e 30-R (fazenda Cristo Rei II)
situados na Linha 65, Gleba Corumbiara, no município de Parecis, (…) devendo em
consequência serem cumpridos os respectivos mandatos de reintegração de posse
com apoio da Policia Militar”.
A
ordem de cumprimento da liminar de reintegração pela Polícia Militar foi
decidida em 26 de janeiro de 2015 pelo juiz Artur Augusto Leite Júnior, da
Comarca de Santa Luzia do Oeste.
Por
meio da Paróquia de Santa Luzia e da Diocese de Ji-Paraná, a CPT Rondônia foi
informada que a Polícia Militar do município de Rolim de Moura está se
preparando para uma possível reintegração de posse.
Colheita da roça
Na
tentativa de adiar a reintegração, a Ouvidoria Agrária ainda tentou um prazo
até fevereiro de 2015 com o atual titular da antiga área de CATP, Afonso Tomal
Júnior, o qual foi negado.
Diante
da iminência de reintegração de posse, a defesa das famílias dos acampados
também pediu mais 60 dias para que os camponeses pudessem colher as roças, no
entanto o pedido não foi admitido pelo fazendeiro Afonso Tomal Junior.
Histórico
Na
última reintegração de posse sofrida pelos acampados, em agosto de 2011, as
famílias estavam na beira da estrada, próximo à área reivindicada, quando foram
despejadas pela polícia. A decisão de reintegração foi considerada um “absurdo
jurídico” pelos defensores dos camponeses.
Durante
mais de uma década de acampamento, as famílias do Arraial do Cajueiro tem
denunciado a extração ilegal de madeira na fazenda, assim como um grave
acidente acontecido na área durante a construção do “linhão” das usinas do Rio
Madeira.
Os títulos provisórios: entenda
Os
Contratos de Alienação de Terra Pública (CATP`s) eram títulos entregues no
período de colonização amazônica, promovida pelo regime militar, que repassavam,
de forma provisória, consideráveis áreas de Terra da União para particulares,
sob condição de pagamentos e de realizar um projeto de colonização agropecuária
no local em cinco anos.
Em
muitos dos CATPs, estas condições (cláusulas resolutivas) não foram cumpridas e
o INCRA tinha obrigação de retomar as terras para a União após o prazo
estipulado.
Em
vez disso, muitos dos títulos, mesmo provisórios e inadimplentes, foram
registrados em cartório, vendidos de forma ilegal e repassados para terceiros.
Muitas dessas terras, abandonadas pelos seus titulares e sem aproveitamento,
foram sendo ocupados por grupos de camponeses sem terra, virando posseiros das
áreas.
A
situação destes posseiros somente pode ser regularizada com a anulação dos
CATPs.
Se
as cláusulas do título provisório concedido anos atrás não foram cumpridas e a
terra não tinha sido beneficiada, os títulos provisórios dos CATPs devem ser
anulados e, pela lei, a terra deve ser restituída ao INCRA como Terra da União.
Posteriormente, disponibilizando-as para regularização fundiária ou para
reforma agrária, como solicitam os camponeses do Arraial do Cajueiro.
*Fonte: CPT