quarta-feira, 27 de abril de 2016

Sinais de esperança para os Munduruku


Por Bruna Rocha*

Duas recentes e importantes conquistas para os Munduruku na Amazônia poderão resultar em uma vitória extraordinária.

Os últimos dias têm passado como entre sonhos e pesadelos. Em número maior do que foi reconhecido nos últimos seis anos, uma série de demarcações de terras indígenas e territórios quilombolas foram publicadas no Diário Oficial da União. Isto, claro, é saudado por todos nós. No entanto, o mandato da presidente Dilma Rousseff está perto de ser suspenso por representantes corruptos das bancadas ruralista, evangélica e da indústria de armamentos; nunca imaginei que um dia testemunhasse um golpe parlamentar no Brasil. Ao assistir os desdobramentos do pavoroso espetáculo, penso muitas vezes naqueles, a presidente entre eles, que lutaram – alguns dando a própria vida – contra a ditadura que governou o país de 1964 a 1985.
Esses dois eventos – o reconhecimento territorial e a proximidade do impeachment – podem estar conectados.  Aparentemente, o Partido dos Trabalhadores percebeu que seu tempo à frente do governo está se esgotando e por isso estaria adotando estas medidas – tanto como um aceno para sua tradicional base de apoio de esquerda, ao mesmo tempo em que deixa "obstáculos" no caminho dos que estão prestes a usurpar o poder.
Nestes dias estranhos, as contradições não param por aí. O Partido dos Trabalhadores foi responsável pela execução de vários projetos inicialmente concebidos durante o regime militar –sendo a hidrelétrica de Belo Monte o mais notório, provocando etnocídio, caos e destruição no rio Xingu.
Mas, por hora, vamos comemorar essas vitórias inesperadas. Ainda estou tentando entender o que aconteceu na última semana com o reconhecimento oficial da Terra Indígena Sawre Muybu, também conhecida como Daje Kapap Eipi entre os Munduruku. Ao longo dos últimos anos, trabalhando como arqueóloga nesta área, tenho aprendido muito com eles e com os beiradeiros (ribeirinhos) das comunidades de Montanha e Mangabal que estavam ao seu lado durante os momentos mais duros, ajudando-os a abrir uma trilha no meio da floresta para assinalar os limites de sua terra durante as várias etapas da auto-demarcação. Começaram essa ação após repetidos atrasados no reconhecimento oficial do seu território, atrasos esses que duraram anos, enquanto se acelerava o processo de licenciamento ambiental para a construção de barragens na área.
As comunidades ribeirinhas e uma constelação de pessoas de diversos lugares trabalharam – e muito – para ajudar os Munduruku a conseguir essa vitória histórica. E agora, ao que parece, pode-se abrir o caminho para algo que há muito tempo parecia impossível: o cancelamento da maior barragem planejada para a Amazônia, a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que inundaria 723 quilômetros quadrados de floresta atualmente ocupada por povos da floresta e unidades de conservação. O IBAMA suspendeu o processo de licenciamento ambiental relacionado a esta barragem, algo que poderá prenunciar a desistência do projeto. Quase inacreditável!
É impossível dizer ao que esta reviravolta pode levar e é provável que venha uma reação. O destino da área agora depende da palavra final da FUNAI que precisa se pronunciar conclusivamente sobre a possibilidade de inundação da TI. No entanto, com mudanças políticas importantes acontecendo a todo o momento nos altos níveis do governo, é muito cedo para se sentir confiante de que vencemos definitivamente. A FUNAI poderá ainda argumentar que os Munduruku poderão ser removidos para outra parte do seu território para abrir caminho para a inundação pela barragem, contornando, de forma perversa, a Constituição brasileira que proíbe estritamente o deslocamento forçado de povos indígenas de suas terras.
Não obstante, a conquista é um marco para os Munduruku e seus aliados. Os Munduruku sempre insistiram que este processo aparentemente irreversível poderia ser interrompido. Agora estão próximos de conseguir isso: é uma profunda lição para todos nós.
Cacique Juarez sendo pintado antes da autodemarcação. Fotografia: Bruna Rocha
Neste momento é importante também lembrar algumas das muitas dificuldades que os Munduruku enfrentaram. A primeira delas foi a superação da invisibilidade. Lembro-me da propaganda do Programa de Aceleração do Crescimento que afirmava que a barragem era um projeto ambientalmente viável que afetaria apenas "florestas virgens", florestas que logo se regenerariam. Esta simulação de sustentabilidade foi vergonhosamente apoiada pela ONG ambientalista WWF, ou World Wildlife Fund [1].
Enfrentaram também fome na auto-demarcação; sofreram com água contaminada – este segue sendo um problema perene; o cacique Juarez e outro apoiador foram ameaçados de morte. Superaram inúmeros revezes políticos e a intimidação estatal imposta pelas operação El Dorado que levou à morte de Adenilson Kirixi e pela operação Tapajós – que entra para o registro como momento de maior vergonha para a ciência do país, quando se aceitou que pesquisadores fossem escoltados por homens fortemente armados da Força Nacional de Segurança enquanto helicópteros sobrevoavam, invadindo territórios indígenas e ribeirinhos (o termo "pesquisador" continua sendo associado entre os povos da floresta que ali vivem à tentativas de expropriação territorial por empreendimentos/governo). 

Mesmo assim, a serenidade de Juarez seguiu, inabalável, sua generosidade firme. Acabo de conversar com ele e perguntei o que eles estão pensando sobre a situação absolutamente inesperada por todos. Ele afirmou que a publicação do relatório foi motivo de grande felicidade, porém, não é possível compreender o que está por trás destes desenvolvimentos e ainda há uma sensação de grande insegurança, um receio de que a FUNAI venha a permitir o alagamento parcial da TI. Por isso, seguem preocupados com o que pode vir a acontecer. Explicou ainda que “esse território é para garantir o nosso futuro, o futuro dos nossos netos e do povo brasileiro”. Juarez faz um apelo, para que “o mundo não deixe que a nossa luta seja perdida. Queremos que o mundo olhe e dê essa força pra nós, para que esta barragem – e nenhuma outra no rio Tapajós – seja construída”.
Por tudo isso, é uma experiência incrível estar aqui na Amazônia neste momento e testemunhar diretamente como essas mudanças influenciam na vida das pessoas que conhecemos pessoalmente.
* Bruna Rocha é professora de arqueologia na UFOPA (Universidade Federal do Oeste do Pará). Texto publicado originalmente em inglês no dia 25 de abril de 2016 no Latin America Bureau: http://lab.org.uk/signs-of-hope-for-the-munduruku . Versão em português atualizada por Bruna Rocha para o blog Língua Ferina.



[1] Isto é claramente visível nos seus mapas interativos da região, supostamente destinados a mostrar os impactos da construção da barragem. Os mapas relacionado aos projetos hidrelétricos de São Luiz do Tapajós e Jatobá ignoram a ocupação indígena e beiradeia, somente apresentam espécies de animais e plantas conhecidas na área. Mesmo neste termos constitui-se num esforço duvidoso, uma vez que, em termos científicos, esta é uma das regiões menos conhecidas da Amazônia. Veja http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/reducao_de_impactos2/lep/tapajos/ e clique no ponto que representa São Luiz do Tapajós, onde se afirma que "0" territórios indígenas seriam afetados pela construção da barragem.

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Quilombolas de Oriximiná protestaram em frente ao ICMBio e INCRA contra a demora na titulação de suas terras


Cerca de 160 quilombolas de Oriximiná saíram na manhã de hoje em passeata pelas ruas de Santarém, Pará, para exigir a titulação de suas terras. Denunciaram que o relatório de identificação dos territórios está pronto desde 2013 mas o Incra não publica alegando que o ICMBio se opõe.
Na manhã desta quarta-feira, 27, cerca de 160 quilombolas e lideranças indígenas de Oriximiná realizaram uma manifestação em frente a sede do ICMBio e do Incra em Santarém, Pará. O grupo entregou carta com as reivindicações aos representantes dos órgãos. “Nós precisamos da nossa terra titulada, ela está sendo invadida por madeireira e por mineradora”, disse Aluísio Silverio dos Santos, liderança da comunidade Tapagem.
Mesmo com a decisão judicial de 2015 que determinou a titulação no prazo de 2 anos das Terras Quilombolas Alto Trombetas e Alto Trombetas 2, o ICMBio não permite que o Incra prossiga na regularização das terras quilombolas em função da sobreposição com Unidades de Conservação. Fato que causa indignação aos quilombolas, como enfatizou Carlos Printes, liderança da Terra Quilombolas de Alto Trombetas: “Nós quilombolas e os indígenas somos os verdadeiros protetores da natureza”.
Contudo, a sobreposição com a Flona Saracá-Taquera não impediu ICMBio e Ibama de autorizar a extração de bauxita na mesma área, ameaçando as famílias quilombolas que ali vivem. “O governo tem caneta para liberar a mineração e não tem para titular a terra quilombola”, protestou Aluízio Silvério dos Santos durante a manifestação.
Entre as reivindicações das comunidades estão a imediata publicação dos Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID) – a primeira etapa para a titulação – dos Territórios Alto Trombetas e Alto Trombetas 2; o cumprimento pelo Incra e ICMBio do prazo determinado pela Justiça Federal para finalização da titulação (fevereiro de 2017); e que nenhum empreendimento seja autorizado pelo governo em nossas terras antes da titulação.
Entenda o caso
No município de Oriximiná, onde vivem cerca de 10.000 quilombolas, ocorreu a primeira titulação de uma terra quilombola no Brasil, em 1995. Atualmente, são quatro territórios titulados e um parcialmente titulado. Porém, desde 2003, nenhuma outra terra quilombola foi titulada no município.
O impasse entre ICMBio e Incra tem impedido o andamento dos processos de titulação das Terras Quilombolas Alto Trombetas e Alto Trombetas 2 abertos no início dos anos 2000. São 14 comunidades quilombolas no aguardo da garantia de seus direitos constitucionais.
Nem mesmo a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região em Santarém de fevereiro 2015, que determinou a titulação no prazo máximo de dois anos, motivou Incra e ICMBio a darem andamento ao processo. Os relatórios de identificação dos territórios quilombolas – primeira etapa do procedimento de titulação – estão prontos sem que o Incra se disponha a publicá-los no Diário Oficial como determinam as normas.
Se a preocupação com as Unidades de Conservação tem levado o Ministério do Meio Ambiente e o ICMBio a criar obstáculos para a titulação das terras quilombolas, o mesmo motivo não tem representado empecilho para a expansão da extração de bauxita. Toda a área de exploração da Mineração Rio do Norte, maior produtora de bauxita do Brasil, encontra-se no interior da Floresta Nacional Saracá-Taquera. Desde 2012, a expansão da área de extração da empresa alcança platôs sobrepostos aos territórios quilombolas Alto Trombetas e Alto Trombetas 2 incidentes na Flona.
Leia a carta aberta.


Fonte: Comissão Pró-Índio de São Paulo

terça-feira, 26 de abril de 2016

Dois cafés e a conta com Jairo Saw

Jairo Saw: "Não queremos ser peça de museu, e sim um povo vivo" - Mauro Ventura / O GLOBO
Liderança indígena fala de como os Munduruku viraram a principal resistência aos planos do governo de construir hidrelétricas

Na terça-feira passada, Dia do Índio, Jairo Saw tinha grandes motivos para comemorar: o relatório da Funai sobre a demarcação de sua terra Sawré Muybu foi publicado no Diário Oficial após três anos de espera. Se em 90 dias não houver contraditório, o decreto será homologado pela presidência. “É histórico”, diz ele, de 47 anos, uma das lideranças do povo Munduruku, que veio ao Rio pela primeira vez, para a Semana Cultural Indígena. A razão da celebração é que agora vai ficar muito mais complicado fazer hidrelétricas na região. Pelos planos do governo, serão construídas 43 grandes barragens no complexo hidrelétrico do Tapajós, onde vivem 12 mil Munduruku. “Estão previstas cinco hidrelétricas, que alagarão uma área de floresta igual à da cidade de São Paulo”, diz ele, que mora numa aldeia urbana, Praia do Mangue, no município de Itaituba, no médio Tapajós, no Pará. O leilão da usina São Luiz do Tapajós, obra prioritária do governo, foi anunciado para o segundo semestre, mas não sairá, se depender dos Munduruku, um povo estrategista e politizado. Em dezembro, eles receberam o prêmio Equador, da ONU, pela luta para proteger seu território. O esforço também virou HQ online, "O jabuti resiste", do Greenpeace, que apoia os Munduruku.

REVISTA O GLOBO: Por que a luta contra as hidrelétricas?
JAIRO SAW: Somos tratados como empecilho para o desenvolvimento econômico do país. Mas não somos contra o desenvolvimento. Queremos é que nossos direitos sejam respeitados. As barragens trazem progresso do ponto de vista do capital, mas existe um povo que vive ali desde sempre e que vai perder sua ciência, sua educação, sua sabedoria, seu conhecimento, sua tradição, seus locais sagrados, o registro dos antepassados. É a cultura e a memória de um povo que se perdem. É uma forma de matar a gente sem precisar de armas. E o rio nos dá vida, é fonte de alimentação e meio de transporte. Sofreremos consequências culturais, econômicas, ambientais, psicológicas e espirituais.

E que consequências há para a sociedade em geral?
Não é só o índio que vai sofrer os impactos. O pariwat (não índio) também. O agronegócio, por exemplo, vê a floresta como terra improdutiva, mas ela é fundamental para o equilíbrio ambiental, e nós nos preocupamos com as mudanças climáticas. Prestamos um serviço ao planeta. Ao nos destruir vocês também estão se destruindo. Ao proteger com unhas e dentes o patrimônio que nossos antepassados nos deixaram não estamos apenas nos defendendo. A natureza tem leis, se as violarmos ela se vinga. A barragem vai alagar terras indígenas, alterar o curso do rio, prejudicar os peixes, pode causar a extinção de espécies. Ninguém melhor que nós para cuidar da Amazônia. Quem diz “é muita terra para pouco índio” não leva em conta que o Brasil era território indígena. Lutamos por um pedaço do que era nosso. E a terra não é grande: estamos sempre nos deslocando. Caçamos, coletamos frutos, frutas e raízes, fazemos rituais. Andamos para manter a floresta viva.

Mas as usinas não são prioritárias para gerar energia?
Há alternativas, como energia eólica, solar, biomassa. E sabemos que não é só uma usina que vai ser construída. Ela é pretexto para entrar na floresta e abrir caminho para mineração. É uma porta aberta para outros “progressos”: garimpeiros, madeireiros, pecuaristas, o crescimento das cidades, com aumento de criminalidade, prostituição, drogas, alcoolismo, problemas de saúde, de saneamento. Basta ver a Usina de Belo Monte. Altamira pulou de 90 mil para 150 mil moradores.

Vocês estão nessa luta há muito tempo, não?
Somos um povo guerreiro, está no nosso sangue. Éramos temidos. Atacávamos de surpresa e em grande quantidade. Nossos troféus eram as cabeças dos nossos inimigos, que simbolizavam poder. Agora, tivemos que aprender duas novas palavras que não existem na nossa língua: preocupação e barragem. Treinamos nossas mulheres para serem cinegrafistas do movimento de resistência dos Munduruku. Fizemos um manual, em português e munduruku, para ensinar como usar a tecnologia, como celular, para denunciar. Tem recomendações como “proteja o cartão de memória após filmar”, “se estiver gravando algo importante não pare de gravar! A imagem corrida tem mais valor como prova”. Quem nos apoia na estratégia de comunicação é a ONG Uma Gota no Oceano. Nunca desistimos. Quando um povo desaparece só é visto no museu. Não queremos ser peça de museu, e sim um povo vivo.

Ministério da Justiça declara mais três Terras Indígenas

Mapa da TI Murutinga/Tracajá, do povo Mura, uma das áreas declaradas como de posse permanente indígena na última semana

Entre sexta-feira e hoje (25), foram publicadas no Diário Oficial da União mais três portarias declaratórias de Terras Indígenas assinadas por Eugênio Aragão, atual Ministro da Justiça. O pacote de declarações, que já contava com as Tis Estação Parecis e Kawahiva do Rio Pardo, no estado de Mato Grosso, chega agora ao número de cinco com as Tis Sissaíma, Murutinga/Tracajá e Riozinho, todas no Amazonas.
A TI Riozinho, dos povos Ticuna e Kokama, é a maior delas, com 362.495 hectares de extensão e foi identificada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em janeiro de 2015. Já as Tis Sissaíma e Murutinga/Tracajá, ambas do povo Mura, tiveram seus estudos de identificação e delimitação publicados na mesma leva pela Funai, no ano de 2012. Sissaíma, com 8.780 hectares, é uma das áreas cercadas por blocos exploratórios de petróleo e gás natural que foram a leilão na 13ª rodada da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em 2015.
Murutinga/Tracajá, localizada no município de Autazes (AM) com 13.286 hectares e uma população de cerca de 1.700 pessoas, é palco há mais de 15 anos de conflito fundiário, causado pela oposição de pecuaristas e posseiros à demarcação. 
Em 2013 o Ministério Público Federal no Amazonas ingressou com uma ação pressionar pela demarcação dessa terra do povo Mura; dois anos depois, no entanto, a Justiça estadual concedeu mandado de reintegração de posse a uma cooperativa de produtores de leite que reivindica uma área de menos de 2 hectares sobreposta à TI. Em 2015, a TI também foi alvo de uma violenta ação policial que levou à agressão e prisão de indígenas. Leia mais.
Além das cinco terras declaradas pelo Ministério da Justiça na Amazônia Legal, na semana passada a Funai publicou quatro estudos de identificação e delimitação de terras, incluindo duas Tis nos estados do Paraná e Mato Grosso do Sul e a TI Sawre Muybu, do povo Munduruku, na rota de impacto do complexo hidrelétrico do Rio Tapajós.

Fonte: ISA

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Negar atendimento à saúde de indígenas que não moram em áreas demarcadas é discriminação, alerta MPF


Procurador da República defende decisão que obriga atendimento a 13 etnias do oeste do Pará

O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou à Justiça Federal em Santarém, no oeste do Pará, resposta a contestação da União contra decisão judicial que torna obrigatório o atendimento à saúde de 13 povos indígenas da região independentemente de viverem em Terras Indígenas já demarcadas. O MPF considerou que as alegações da União representam discriminação contra os indígenas não moradores dessas áreas.

Para a União, a Justiça não pode se intrometer em assuntos de governo, e muito menos fazer isso em decisões liminares (urgentes e provisórias), até porque as políticas públicas para a saúde indígena não preveem o atendimento a indígenas não moradores de áreas demarcadas e não há estrutura suficiente para o atendimento reivindicado pelo MPF. 

Para o MPF, a Justiça pode sim cobrar o cumprimento de obrigação básica da União, que é o atendimento à saúde, e pode sim fazer isso por meio de liminares, por ser um tema em que vidas humanas estão em jogo.

Sobre o fato de não haver previsão nem infraestrutura para o atendimento a indígenas de áreas não demarcadas, o procurador da República Camões Boaventura lembra que é justamente isso que a ação e a decisão pretendem que seja mudado. 

"A União não foi obrigada a desenhar uma nova política de atendimento à saúde o que, aí sim, constituiria invasão indevida no mérito administrativo mas apenas determinou que a política pública diferenciada de assistência à saúde indígena passe a abarcar grupos que estavam sendo excluídos de maneira ilegítima e inconstitucional", destaca a resposta do MPF.

Assim como o Estado não pode implementar políticas públicas de educação que impeçam o acesso de mulheres e/ou negros, também não pode fazer distinção entre povos indígenas com terras indígenas demarcadas ou não, ou que vivem ou não nos centros urbanos, para fins de justificar o acesso à saúde, argumenta Boaventura. "Embora a União defenda sua 'discricionariedade técnica', ela não indica nenhum argumento técnico que justifique a discriminação que subjaz à política pública em litígio", diz.

"Ainda que possa se dizer que estes indígenas têm a opção de serem atendidos no SUS [Sistema Único de Saúde], isto configuraria uma verdadeira política estatal de atração dos indígenas aos centros urbanos, obrigando-os a se submeterem a um tratamento não culturalmente adequado e reforçando processos de homogeneização", completa o MPF.

Entenda o caso - Com base em ação ajuizada pelo MPF em maio de 2015, no final de fevereiro deste ano o juiz federal Victor de Carvalho Saboya Albuquerque estabeleceu prazo de 90 dias para que a União cadastre no banco de dados do sistema diferenciado de saúde os indígenas não moradores de áreas demarcadas, distribua cartões para acesso aos serviços e organize e passe a manter equipes de atendimento às comunidades.

As etnias com direitos garantidos pela decisão são: Borari, Munduruku, Munduruku Cara-Preta, Jaraqui, Arapiun, Tupinambá, Tupaiu, Tapajó, Tapuia, Arara Vermelha, Apiaká, Maitapu e Cumaruara. Desde 2001 quase 6 mil indígenas desses povos reivindicavam à União a atenção diferenciada à saúde, sem resposta.

A determinação liminar também estabeleceu que a Casa de Saúde Indígena (Casai) de Santarém deve passar a atender qualquer indígena que esteja morando na zona urbana do município, provisória ou definitivamente. O atendimento deve ser feito a indígenas das 13 etnias citadas na ação e a integrantes de quaisquer outras etnias.

Para o procurador da República Camões Boaventura, a maior virtude dessa decisão é que ela surgiu em um momento de intensos ataques aos direitos indígenas em todo o país e em uma circunstância em que o denominado processo de etnogênese é visto, equivocadamente, como um fenômeno de criação de falsos índios. 

Não podemos esquecer da famosa sentença judicial do final do ano de 2014 relativa à Terra Indígena Maró, também em Santarém, que, em um preocupante desapego aos postulados antropológicos mais básicos, afirmou que não havia índios na região do baixo Tapajós, declarando inexistentes etnias e determinando a anulação do processo administrativo de demarcação perante a Funai. Coincidentemente, na mesma época da publicação da liminar relativa à defesa da saúde das 13 etnias conseguimos anular essa sentença [mais detalhes em http://goo.gl/5ltVfc], o que representa, portanto, duas significativas vitórias recentes que reparam um erro histórico e extremamente opressor, oriundo tanto da sociedade quanto das autoridades constituídas", ressalta o representante do MPF. 

Íntegra da resposta do MPF à contestação da União

Fonte:  Ministério Público Federal no Pará - 
Assessoria de Comunicação

MPF recomenda ao Ministério do Meio Ambiente que não autorize dispensa de licenciamento de atividades agrícolas e pastoris


Câmara de Meio Ambiente recomenda que pasta acolha posicionamento adotado pela Advocacia-Geral da União, que reconhece a inconstitucionalidade da dispensa de licenciamento

A Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) que adote entendimento pela inconstitucionalidade de leis estaduais que dispensam toda e qualquer atividade agrossilvipastoril (agrícolas, florestais e pecuárias) do licenciamento ambiental, conforme manifestação da Advocacia-Geral da União em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5132) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República em abril de 2015.
O documento, enviado à pasta no início de de abril, informa que o estado da Bahia, por meio do Decreto Estadual nº 15.682/2014, alterou o Decreto Estadual nº 14.024/2012, para isentar todas as atividades agrossilvipastoris de submissão ao licenciamento ambiental.
Ao analisar a questão, a Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente emitiu pareceres contraditórios. O Parecer nº 665, proferido em 20 de outubro de 2015, concluiu que “diplomas normativos primários estaduais, distritais ou municipais que dispensem pura e simplesmente o licenciamento ambiental violam o pacto federativo brasileiro”.
Dois meses depois, a pasta emitiu um novo posicionamento, que relativiza as condições para o licenciamento e reduz o grau de proteção do meio ambiente. O Parecer nº 826/2015 afirma que o anterior “não elide ou afasta a possibilidade de que essas legislações estabeleçam critérios, levando em consideração as especificidades, os riscos ambientais, o porte e outras características do empreendimento ou atividade que levem à conclusão que alguma atividade do rol de atividades da Resolução Conama nº 237/97 não é licenciável, incluídas aí as atividades agropecuárias”.
Para garantir o cumprimento dos princípios constitucionais da precaução, prevenção e proibição do retrocesso, o MPF recomenda que o Ministério do Meio Ambiente acolha entendimento firmado em manifestação proferida pela Advocacia-Geral da União na ADI nº 5312, na qual se apontou, justamente, a inconstitucionalidade de dispositivo legal que dispensava, de plano, toda e qualquer atividade agrossilvipastoril do licenciamento ambiental.
O Ministério do Meio Ambiente tem 30 dias para informar ao MPF as medidas adotadas para o cumprimento da recomendação.
Recomendação – A recomendação é um instrumento de atuação extrajudicial do Ministério Público, utilizado para alertar e orientar gestores públicos sobre possíveis ilegalidades cometidas. Caso os problemas apontados não sejam esclarecidos ou corrigidos, o caso pode ser levado à apreciação do Poder Judiciário.


Fonte: Procuradoria-Geral da República - Secretaria de Comunicação Social

Garimpo de ouro ao lado de Belo Monte tem licença adiada


Por André Borges*

Depois de marcar uma cerimônia para anunciar a instalação de um garimpo gigantesco bem ao lado da barragem da hidrelétrica de Belo Monte, a Secretaria de Meio Ambiente do Pará decidiu voltar atrás e adiar o anúncio.


O projeto polêmico da empresa canadense Belo Sun prevê a operação do ‘maior programa de exploração de ouro do Brasil‘ a apenas 14 quilômetros de distância da barragem da hidrelétrica, no Rio Xingu, em Altamira.

Apesar de ficar próximo de terras indígenas, estar ao lado da maior usina hidrelétrica nacional e fazer uso de recursos de um rio federal, o projeto ‘Volta Grande‘ tem seu processo de licenciamento tocado por um órgão estadual, em vez de ser assumido pelo Ibama.

Há mais de quatro anos, o grupo canadense Forbes & Manhattan, um banco de capital fechado que investe em projetos de mineração, tenta liberar o projeto, que enfrenta forte resistência do Ministério Público Federal no Pará e organizações socioambientais.

A liberação do garimpo estava marcada para o próximo dia 26, em evento que teria a presença dos secretários Adnan Demachki, de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia, e Luiz Fernandes, de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará.

Adnan Demachki é pré-candidato ao governo do Pará pelo PSDB. Na ocasião, seria assinado um ‘protocolo de intenções‘ para implantar uma refinaria de ouro na região.

Questionada pela reportagem sobre a emissão da licença e a solenidade, a Secretaria de Meio Ambiente do Pará informou que decidiu adiar a autorização e também o evento. ‘A programação foi adiada, sem data definida para a entrega da licença‘, declarou, por meio de sua assessoria de comunicação.

Segundo a Sema, ‘a solicitação de licença de instalação está em análise‘ e ‘não há previsão‘ sobre a conclusão do pedido.

Questionada sobre a necessidade de ouvir comunidades indígenas que vivem na região, além da Fundação Nacional do Índio (Funai), a Sema argumentou que ‘o empreendimento está localizado a 13 km da área indígena mais próxima, não apresentando incidência, segundo a Portaria Interministerial 60/2015, onde está prevista a distância mínima de 10km‘.

A Belo Sun não foi encontrada para comentar o assunto. O plano da empresa, segundo informações de seu relatório ambiental e distribuídas a investidores, é injetar US$ 1,076 bilhão no projeto Volta Grande, de onde sairiam 4,6 mil quilos de ouro por ano, durante duas décadas.

O garimpo não seria uma operação inédita na região. Há mais de 60 anos, garimpeiros exploram o local com atividades de pequeno porte. No ano passado, a cooperativa de garimpeiros chegou a denunciar que a empresa queria expulsar cerca de 2 mil garimpeiros da região, sem direito a indenizações.

Dona da hidrelétrica de Belo Monte, a concessionária Norte Energia tem evitado falar publicamente sobre os planos da Belo Sun, mas sabe-se que sabe-se que a exploração do subsolo da região ao lado de sua barragem não agrada a diretoria da empresa. A controvérsia, inclusive, já chegou a ser tema de debates em audiências públicas realizadas na região.

A exploração de ouro na região envolveria a remoção de nada menos que 37,80 milhões de toneladas de minério tratado nos 11 primeiros anos de exploração da mina.

Em 2013, a Justiça Federal em Altamira (PA) chegou a determinar a paralisação do processo de licenciamento ambiental do projeto. Na decisão, a Justiça sustentava que a operação ficava a apenas 9,5 km da terra indígena Paquiçamba, portanto, dentro da área de influência direta do projeto. A Belo Sun conseguiu derrubar a decisão.

*Fonte: O Estado de São Paulo

domingo, 24 de abril de 2016

Após traições, INCRA tem nova dança de cadeiras



Se o “queimão” de cargos no Executivo atingiu em cheio o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária nos dias que antecederam a votação do prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) na Câmara de Deputados, a semana seguinte foi de exonerações dos ex-fieis-aliados.

Embora o sugestivo feriado de Tiradentes (21 de abril) tenha encurtado os dias úteis da semana, o Diário Oficial da União esteve recheado de exonerações de indicações políticas de pretensos aliados do governo, mas que mudaram de voto na última hora.

No dia 19 de abril, foram publicadas as exonerações dos cargos de Superintendentes Regionais os titulares do INCRA no Maranhão, em Rondônia e em Santarém (Oeste do Pará), respectivamente por meio das Portarias INCRA n° 167, 168 e 169, todas assinadas no dia 18 de abril, portanto poucas horas após a sessão na Câmara.


No Maranhão, a exoneração de Dayvson Franklin de Souza teria sido motivada pelo voto favorável ao impeachment  do Deputado Federal Cléber Verde (PRB), de quem seria aliado. Franklin tinha sido Secretário de Pesca e Aquicultura do governo Roseana Sarney, também por indicação de Cléber Verde. A família Sarney baixou em peso em Brasília nos dias que antecederam a votação para amarrar votos favoráveis ao afastamento de Dilma.

Em Rondônia, Luís Flávio Carvalho Ribeiro também foi exonerado do cargo de Superintendente do INCRA. Embora seja um servidor de carreira, a dispensa é creditada à ligação do agora ex-superintendente com o PMDB, visto que a indicação era considerada da cota do senador Valdir Raupp.  Durante a votação na Câmara, a esposa de Raupp, Marinha, fez uma declaração de voto surpreendente. Primeiro agradeceu a presidente Dilma por ter, segundo ela, “tirado a população de Rondônia do sofrimento”. Logo em seguida, Marinha Raupp disse “sim ao impeachment”.

Mas, a piada da semana foi a exoneração de Adaias Cardoso Gonçalves da Superintendência Regional do INCRA de Santarém, vinte dias após ser nomeado em troca da promessa de voto favorável ao governo do deputado federal Francisco Chapadinha (PTN). Mas, ao contrário do esperado roteiro de conto de fadas, Chapadinha abandonou o #NãoVaiTerGolpe e não só votou favorável ao afastamento de Dilma, como dançava e comemorava o resultado da votação.

Entre e sai
Para os próximos dias são esperadas as exonerações de outros dois recém-nomeados: do Superintendente Regional do INCRA em Mato Grosso, o ex-prefeito Valdir Mendes Barranco, e do Diretor de Obtenção de Terras, o advogado Luiz Antônio Possas de Carvalho, ambos indicados pelo Dep. Federal Carlos Bezerra (PMDB/MT), que também mudou de posição e votou favorável ao impeachment no dia 17 de abril.

Valdir Barranco pode sair do cargo pela segunda vez.  No final de 2014, ele foi exonerado do cargo depois de ter sido citado em investigações da operação "Terra Prometida", desencadeada pela Polícia Federal para combater um esquema de invasão e exploração ilegal de terras da União destinadas à reforma agrária e que resultou em 34 prisões, entre elas, de dois irmãos Odair e Milton Geller, irmãos do então ministro da Agricultura Neri Geller (PMDB).

Mas, quem sabe, se a exoneração ocorrer, Barranco pode até novamente voltar junto Luiz Antônio Possas de Carvalho. Aliás, o ainda diretor está cotadíssimo para assumir a Presidência do INCRA, nas negociatas já em curso para a montagem de um futuro governo Michel Temer.

Conforme noticiou a Folha, Possas de Carvalho contaria com apoio não só do deputado Carlos Bezerra, como do deputado Paulinho da Força (SD) e até de José Rainha Júnior, ex-MST e hoje à frente da FNL (Frente Nacional de Luta).

sábado, 23 de abril de 2016

Incra reconhece agricultores quilombolas como beneficiários da política de reforma agrária


Durante a 11ª reunião da mesa permanente de acompanhamento da política de regularização quilombola, ocorrida nesta terça-feira (19), na sede do Incra em Brasília (DF), a presidente do Instituto, Maria Lúcia de Oliveira Falcón, assinou portarias de reconhecimento de mais cinco territórios quilombolas e anunciou o acesso dos agricultores familiares remanescentes de quilombos às políticas de inclusão social e desenvolvimento produtivo do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA).
Acesse aqui as portarias publicadas no Diário Oficial da União desta quarta-feira (20).

A portaria determina que os agricultores familiares remanescentes de quilombos cadastrados e selecionados pelo Incra acessem os recursos do Programa de Crédito Instalação e do grupo A do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e sejam inseridos nas políticas de assistência técnica (Ater), de agroindustrialização (Terra Sol e Terra Forte) e de educação (Pronera), de acordo com critérios previamente estabelecidos pela autarquia.
O documento determina ainda adequações nos atos normativos para inclusão e seleção desse público no Programa Nacional de Reforma Agrária, bem como a disponibilização destas políticas de desenvolvimento.
Lúcia Falcón destacou no encontro que a portaria atende reivindicação histórica das comunidades quilombolas, que pleiteavam as demais ações da autarquia. “Além de garantir a posse da terra, o Incra vai assegurar o acesso a políticas públicas que vão favorecer a permanência dessas famílias na terra, com crédito, assistência técnica, incentivo à produção, agroindustrialização e comercialização da produção.”
Portarias de reconhecimento
Na reunião, Lúcia Falcón assinou também portarias de reconhecimento de mais cinco territórios quilombolas: São Benedito e Alto da Serra do Mar (RJ), Galvão (SP), Alpes (RS) e Pirangi (SE). Com a publicação, o processo de regularização dessas comunidades avança e o próximo passo é a emissão de decreto presidencial autorizando a desapropriação dos imóveis rurais inseridos no perímetro de cada território. A desapropriação garante o pagamento de indenização às famílias não-quilombolas e assegura aos descendentes dos antigos quilombos a posse definitiva da terra. A última etapa será a titulação das terras em nome da comunidade, com a emissão de título coletivo, que é indivisível e inalienável.
Fonte: Assessoria de Comunicação do INCRA

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Ibama suspende licença ambiental da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós

Fotografia: Lunae Parracho/Reuters

Parecer da Funai encaminhado ao Ibama aponta inviabilidade do projeto. Prosseguimento do processo dependerá de conclusão da Fundação.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) suspendeu na última terça-feira (19) o licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós, prevista para a região oeste do Pará. A Eletrobrás - Elétricas Brasileiras informou que não vai comentar o assunto.

Segundo o Ibama, um parecer encaminhado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) aponta a inviabilidade do projeto sob a ótica do componente indígena. O Ibama informou ainda que o eventual prosseguimento do processo de licenciamento dependerá da manifestação conclusiva da Funai.

Também no dia 19, a Funai publicou um relatório que reconhece a ocupação tradicional do povo Munduruku na Terra Indígena Sawré Muybu, no oeste do Pará. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), a publicação é a primeira etapa para garantir a demarcação do território indígena na área, outro fator que também inviabilizaria a construção da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós.

A Organização Não Governamental Greenpeace se manifestou sobre a decisão do Ibama e o relatório da Funai que reconhece o território indígena. “O relatório da Funai e a decisão do Ibama são vitórias importantes, mas apenas sinalizam que a luta deve continuar. Junto com os Munduruku queremos que o governo cancele definitivamente o projeto da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós e garanta a efetiva e imediata demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu", diz Danicley de Aguiar, da Campanha da Amazônia do Greenpeace.

Uma análise independente sobre o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da hidrelétrica, realizada por nove especialistas a pedido do Greenpeace, já havia apontado os potenciais impactos negativos que São Luiz de Tapajós sobre a biodiversidade e os povos indígenas da região.

Polêmica
O documento pede a demarcação de terras indígenas, investimentos em saúde e educação nas aldeias e, principalmente, o fim dos projetos de construção de hidrelétricas no Estado.

Em nota, o Ministério das Minas e Energia informou ao G1 que o Governo Federal, em todos os empreendimentos hidrelétricos, está permanentemente aberto ao diálogo com as comunidades, inclusive com as indígenas, que seguem um rito especial. No âmbito do processo de licenciamento ambiental, conforme determina a legislação vigente no país, os povos indígenas são ouvidos durante toda a fase do processo de licenciamento.

A construção da usina tem sido alvo de protestos na região do rio Tapajós. Índios Munduruku e ativistas do Greenpeace protestam desde 2014 contra a construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós.

Projeto de hidrelétricas
O Rio Tapajós é a nova fronteira dos megaprojetos do Governo Federal de usinas hidrelétricas na Amazônia, com previsão de 40 usinas. Somente para o Tapajós estão previstas cinco. No projeto pretende-se construir primeiro a de São Luiz, e depois a usina de Jatobá.

Fonte: G1
Leia também:

Ibama suspende licenciamento de usina no Tapajós por impacto em índios (O Globo)



Governo declara duas Terras Indígenas e identifica quatro


Por: Tatiane Klein*

Após publicação de quatro estudos de identificação pela Funai ontem (19), Ministério da Justiça assinou hoje as portarias declaratórias de outras duas terras
Nessa semana, o governo federal resolveu dar prosseguimento a seis processos de demarcação de Terras Indígenas (TIs). No terça (19), Dia do Índio, a Fundação Nacional do Índio publicou os estudos de identificação e delimitação de quatro Tis, nos estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Amazonas e Pará – um total de 1.408.879 hectares, que elevam a sete o número de Tis identificadas nos dez meses de João Pedro Gonçalves da Costa à frente da Funai. 

No dia 20,  foi a vez do Ministro da Justiça Eugênio Aragão assinar as primeiras portarias declaratórias de sua gestão, reconhecendo-as como de posse permanente indígena: a TI Estação Parecis, com 2.170 hectares, e a TI Kawahiva do Rio Pardo, com 411.848 hectares, ambas no estado do Mato Grosso.

As quatro terras identificadas pela Funai tiveram seus estudos iniciados há pelo pelo menos oito anos e duas estão fora da Amazônia Legal: a TI Ypo’i/Triunfo, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, e a TI Sambaqui, no litoral do Paraná. Uma das mais comemoradas pelo movimento indígena é a TI Sawre Muybu, do povo Munduruku, no Pará – diretamente impactada pela construção do Complexo de Hidrelétricas do Rio Tapajós. Na margem direita do Rio Negro (AM), está a TI Jurubaxi-Téa, identificada na mesma leva. As duas terras declaradas pelo Ministério da Justiça estão na Amazônia Legal, mas sofrem com pressão intensa de madeireiros e fazendeiros.

Para Sonia Guajajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), as ações do Executivo pela demarcação de terras são uma grande conquista. Ela frisa que o reconhecimento de terras em áreas de conflito, fora da Amazônia Legal, pode ser interpretada como uma afronta aos parlamentares da bancada ruralista, mas diz que o movimento indígena não vai recuar: “Temos que demonstrar que não estamos com medo e que estamos juntos, pressionando a Funai. A Funai tem que cumprir o seu papel institucional independentemente da situação política do momento. A nossa principal bandeira de luta continua sendo o avanço na demarcação de terras. Apesar desse contexto de pressão, ameaças e retrocessos que vivemos, não vamos recuar”.
Gisla Saw Munduruku brinca com seu companheiro insepáravel, um sagui, na Terra Indígena Sawre Muybu (PA), em 2015 | Isadora Brant
No pacote de publicações dessa semana, o Executivo também autorizou a realização de um novo concurso público para a Funai, seis anos depois do último, em 2010, além de ter reconhecido e declarado cinco áreas como Territórios Remanescentes de Quilombo. Duas semanas atrás, a presidente Dilma Rousseff já havia assinado a homologação da Terra Indígena Cachoeira Seca do Iriri, no Pará. Saiba mais.

Espera, luta e justiça
No município de Colniza (MT), a Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, declarada como de posse permanente de um povo em isolamento voluntário, conhecidos como Kawahiva do Rio Pardo, sofre com invasões de madeireiros, garimpeiros e fazendeiros – e estava à espera da assinatura do ministro da Justiça desde 2013. Em outubro de 2015, a ONG Survival International lançou uma campanha demandando urgência na proteção da terra, diante da ameaça de extermínio dos Kawahiva por madeireiros.

A TI Estação Parecis, do povo Paresi, enfrenta há anos, além da contaminação por agrotóxicos e fome, a pressão de fazendeiros, na Justiça e em área: em 2009, a cacique Valmireide Zoromará foi assassinada a tiros por um gerente da fazenda Boa Sorte, que confessou o crime. A área já havia sido declarada com 3.620 hectares em 1996, mas passou por reestudo e agora é declarada com 2.170 hectares.  Em 2014, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região já havia decidido que os Paresi deveriam ter suas terras, que ocupam desde o século XIX, restituídas.

Entre as identificadas, a TI Ypo’i/Triunfo, de ocupação tradicional do povo Guarani Ñandeva, em Paranhos (MS), também é reivindicada há décadas pela comunidade indígena, que, até ver a área de 19.756 reconhecida, enfrentou despejos, perseguições e mortes de lideranças. Em 2009, Ypo’i/Triunfo foi palco de uma ação de despejo ilegal por fazendeiros da região de fronteira com o Paraguai, em que foram assassinados os professores guarani Genivaldo e Rolindo Vera. O corpo de Rolindo segue desaparecido.

A TI Sambaqui, do povo Guarani Mbya, está na área impactada por empreendimentos de construção submarina e de ampliação do canal do Porto de Paranaguá, no litoral do Paraná. A área, em que a presença guarani é documentada desde os anos 1940, foi identificada com 2.795 hectares, após oito anos de estudos.

Nos rios da Amazônia
A TI Sawre Muybu, de ocupação tradicional do povo Munduruku no Médio Tapajós (PA), também é aguardada há anos e seu reconhecimento oficial é uma das exigências ao governo, em uma carta redigida pelos Munduruku em sua 26ª Assembleia, no início de abril. No texto, eles se dizem preocupados com a política energética dos governos Lula e Dilma e que não aceitarão a construção de cinco hidrelétricas nos Rios Tapajós e Jamanxin: “O rastro do tempo mostra o que ocorreu com os parentes do rio Tocantins, que até hoje, mais de 30 anos depois de serem expulsos de seu território, ainda esperam as compensações que o governo prometeu quando foi construída a usina de Tucuruí. As consequências do barramento dos rios Xingu, Madeira, Teles Pires, e o que aconteceu com o rio do Doce, são os maiores exemplos de que estes projetos não servem para nós”.

A morosidade na publicação dos estudos de Sawre Muybu levou os Munduruku a fazer a autodemarcação de sua terra em 2014, visto que o relatório de identificação dos 178.173 hectares como Terra Indígena já estava pronto para publicação desde 2013, segundo denúncia da ex-presidente da Funai, Maria Augusta Assirati. No final de 2015, o movimento Ipereg recebeu um prêmio da ONU pela iniciativa da autodemarcação.

“É a melhor notícia que nós podíamos receber hoje”, comemora Marivelton Baré, da diretoria da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e da Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro (Acimrn). Segundo ele, a identificação e delimitação da TI Jurubaxi-Téa, nos municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos (AM), era reivindicada pelas comunidades e pelo movimento indígena regional há 22 anos – mas os estudos de identificação só foram iniciados em 2007. Em 2014, a Justiça Federal no Amazonas obrigou a Funai a publicar os estudos de identificação de terras no Médio e Baixo Rio Negro em até dois anos, por conta das invasões e de problemas de acesso à saúde e educação diferenciadas pelas comunidades.

Marivelton conta que a morosidade no processo de identificação prejudicou por muito tempo a vida das oito comunidades dos povos Baré, Tukano, Baniwa, Nadöb, Pira-Tapuya, Arapaso, Tariana, Tikuna, Coripaco e Desana, que enfrentam a escassez de pescado e os impactos da pesca comercial, do turismo de pesca esportiva, do garimpo e da extração de madeira e seixo. Segundo Marivelton, a identificação reforça a proteção da área contra as atividades ilegais e pode ser um caminho para a organização das comunidades em torno de iniciativas de geração de renda e gestão territorial: “É garantido, é por direito e foi recebido com bastante alegria e satisfação pelas comunidades e por todos nós. Nós estamos prontos para os processos que ainda faltam, até chegar à homologação”.
*Fonte: ISA - Colaborou: Isabel Harari 

Leia também:
Funai publica relatórios de TIs no PA (Munduruku), MS (Guarani Ñandéva), PR (Guarani Mbyá) e AM (dez povos) (Tania Pacheco – Combate ao Racismo Ambiental)

Terra Indígena inviabiliza usina (Estadão)

Funai reconhece território tradicional Sawré Muybu dos Munduruku (Amazônia Real)

Reconhecida a ocupação indígena, MPF/PA quer saber qual a posição do Ibama sobre hidrelétrica São Luiz do Tapajós (MPF-PA)

“O rastro do tempo aponta o caminho do futuro: somos a nação munduruku, os cortadores de cabeça”


CARTA AO POVO E AO GOVERNO BRASILEIRO

ASSEMBLEIA GERAL DA NAÇÃO MUNDURUKU NO PARÁ
ALDEIA KATÕ – 01 A 07 DE ABRIL DE 2016

A nação Munduruku no Pará é numerosa, somos aproximadamente 13.000 homens e mulheres. Nos tempos passados nós Munduruku éramos temidos. Dominávamos a arte da guerra e tínhamos muitas estratégias. Nossos troféus eram as cabeças de nossos inimigos. Dificilmente perdíamos um guerreiro na batalha. Atacávamos de surpresa e em grande quantidade, assim vencíamos os nossos rivais. Hoje os dias são outros, há muito tempo que não precisamos fazer uma expedição de guerra, mas, se for necessário, o rastro do tempo aponta o caminho do futuro: somos a nação Munduruku, os cortadores de cabeça.

Nós falamos agora pelo nosso povo, pelas crianças e pelos animais. As estrelas no céu nos contam nossas histórias passadas, nos guiando no presente e indicando o futuro. Esse é o território de Karosakaybu, onde sempre vivemos. Somos a natureza, os peixes, a mãe dos peixes, a mangueira, o açaizeiro, o buritizeiro, a caça, o beija-flor, o macaco e todos os outros seres dos rios e da floresta.

Ainda vivemos felizes em nosso território, a correnteza dos rios nos leva para todos os lugares que queremos, nossas crianças podem nadar quando o sol está muito quente, os peixes podem brincar e ainda se multiplicam com fartura, mas fomos obrigados a aprender duas novas palavras da língua dos pariwat, palavras que nem existem na nossa língua: preocupação e barragem.

Desde quando o ex-presidente Lula resolveu retomar os projetos do tempo da ditadura militar, de barrar os rios da Amazônia para produzir energia para as indústrias de mineração, automobilísticas e para outros setores da economia, poluidores e causadores de muitos problemas ambientais, estamos todos muito preocupados, principalmente depois que ficamos sabendo dos planos da presidente Dilma de construir 05 hidrelétricas nos rios Tapajós e Jamanxin, as usinas de São Luiz do Tapajós, Jatobá, Cachoeira do Caí, Jamanxin e Cachoeira dos Patos.

É por isso que nós, caciques, guerreiros, guerreiras, pajés, professores, homens e mulheres Munduruku, reunidos na aldeia Katõ, na Assembleia Geral da Nação Muduruku, falamos ao povo brasileiro que o governo rasgou a Constituição do Brasil e os tratados e convenções internacionais, como a Convenção 169 da OIT, matando nossa autonomia e pen okabapap iat (meu corpo, meu estômago, meu modo de ser). Infelizmente o governo brasileiro não está cumprindo as leis que ele mesmo assina.

Queremos que o governo brasileiro respeite a nossa cultura, nossa cosmovisão e nossos lugares sagrados, e que não repita o que fez com a Cachoeira de Sete Quedas, no rio Teles Pires, considerada por nós como o berço do mundo do povo Munduruku, que foi destruída com a construção da Usina Hidrelétrica de Teles Pires.

Nossos sábios e nossos conhecimentos nos dizem que não são só os indígenas e pariwat que vão sofrer com a construção das usinas no Tapajós, todos os seres que moram nos rios e na floresta vão sofrer também. O governo não entende que nós sabemos escutar a mãe dos peixes, os peixes, a cutia, o macaco, a paca, os passarinhos, a onça e todos aqueles que moram nesta região.

O rastro do tempo mostra o que ocorreu com os parentes do rio Tocantins, que até hoje, mais de 30 anos depois de serem expulsos de seu território, ainda esperam as compensações que o governo prometeu quando foi construída a usina de Tucuruí. As consequências do barramento dos rios Xingu, Madeira, Teles Pires, e o que aconteceu com o rio Doce, são os maiores exemplos de que estes projetos não servem para nós.

Afirmamos que a nação Munduruku é uma só, habitando toda a extensão do grande rio Tapajós, pai e mãe que nos transporta, refresca nosso corpo e nos dá nosso alimento, por isso estamos unidos contra a destruição desse rio e a invasão de nosso território. Não queremos guerra, mas avisamos que não temos medo da polícia dos pariwat, seja a Polícia Federal, Força Nacional, ou qualquer outra.

Sabemos que os rios e o território da Amazônia não só garantem a vida e a harmonia nesta região, como também contribuem decisivamente com o equilíbrio ambiental, do ar e do clima para todo o povo brasileiro e do mundo. Por isso, pedimos a solidariedade das mulheres, homens, intelectuais, estudantes, trabalhadores, pescadores, quilombolas, ribeirinhos, parentes de outras nações indígenas, enfim, de todos que queiram lutar contra a destruição dos rios e da floresta Amazônica.

Queremos continuar vivendo em paz, pescando, caçando, fazendo nossos rituais, cânticos, com nossas tradições deixadas por nossos antepassados, da forma como vivemos antes dessas novas ameaças, por isso NÃO QUEREMOS NENHUMA HIDRELÉTRICA EM NOSSOS RIOS, e exigimos do governo brasileiro:

- Demarcação da Terra Indígena Daje Kapap Eipi, conhecida pelos pariwat como Sawre Muybu;
- Não realização do leilão da Usina de São Luiz do Tapajós;
- Parar com os projetos de construção de novas hidrelétricas nos rios Tapajós, Jamaxim e nos outros rios da Amazônia;
- Parar com a construção da Usina Hidrelétrica de São Manoel;
- Fortalecer a saúde indígena, respeitando a medicina tradicional;
- Fortalecer a educação e ampliação do projeto Ibaorebu para todos os níveis de ensino.

 Aldeia Katõ/PA, 07 de abril de 2016

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