sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Análise espacial mostra degradação ambiental em Altamira, recordista de desmatamento na Amazônia

O maior município do Brasil é também o que mais desmata na Amazônia. Entenda quem está condenando Altamira a liderar o ranking dos que mais desmatam em toda a história da Amazônia

Por Instituto Socioambiental*

Em novembro de 2013, informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) colocaram Altamira (PA) na cabeça da lista dos maiores desmatadores do país: quase 300 km² de floresta desmatados no ano. A esperança de melhoria em 2014 acabou de virar fumaça com os dados publicados recentemente dos sistemas de alerta do Imazon (SAD) e do Inpe (Deter). Para desespero dos gestores locais, o cenário é de aumento da devastação no município este ano.

O corajoso viajante que decida ir da cidade de Altamira até a sede do distrito de Castelo dos Sonhos, no mesmo município, terá que enfrentar quase 1000 quilómetros de estradas em péssimo estado, atravessando boa parte do Pará pela Transamazônica e pela Cuiabá-Santarém (BR-163). Depois de dois dias de viagem e muita poeira (ou lama, dependendo da época), o nosso viajante terá avistado centenas de caminhões carregados de madeira, gado e soja e chegará ao seu destino final, uma pequena cidade fundada por imigrantes do sul há mais de 30 anos e atualmente sob a esfera econômica de sua poderosa vizinha, Novo Progresso, mas ligada administrativamente a Altamira. A ocupação intensiva, de fato, se deu, nos últimos dez anos.

A história da região de Novo Progresso e Castelo dos Sonhos é uma soma de histórias individuais de ocupação e avanço sobre as florestas, diante da total ausência do Estado. Castelo dos Sonhos mais especialmente teve como origem um garimpo de mesmo nome, que ficou célebre por conta de seu dono. Reza a lenda que Rambo, como era chamado, teria desafiado as forças policiais durante anos e teria sido morto em embate com a Polícia Militar do Pará.

O asfaltamento anunciado
O anúncio do asfaltamento da BR-163 (que liga Cuiabá no Mato Grosso a Santarém no Pará), em 2002, entusiasmou os moradores locais, pois tiraria a região do atraso e do isolamento, mesmo que a motivação principal da obra fosse a viabilização do corredor logístico Mato Grosso-Pará e a consequente redução dos custos na exportação de commodities agrícolas (basicamente soja). Frente às vozes que alertaram sobre o risco de aumento do desmatamento nas florestas da região, ainda bem preservada, o governo idealizou, em 2006, o plano BR-163 Sustentável, que continha uma série de medidas para possibilitar que ‘o império da lei chegasse ao coração do Pará’.

Pois bem, o asfaltamento só decolou no ano passado e o plano BR-163 Sustentável não teve avanços significativos especialmente no que se refere à regularização fundiária. Mesmo assim vale ressaltar que durante a gestão de Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente (2002-2009) várias Unidades de Conservação (UCs) foram criadas. Parte das UCs da Terra do Meio entraram nessa conta. Apesar disso, a ausência do Estado continuou e favoreceu assim a grilagem e as ocupações ilegais.

Hoje, com o asfaltamento em fase de conclusão, milhares de caminhões carregados com soja transitam diariamente pela parte paraense da BR-163, atravessando territórios sem ordenamento fundiário, glebas federais sem destinação nem gerenciamento e assentamentos da reforma agrária deixados ao abandono.

Piora começou em 2011
O caos fundiário e o súbito enriquecimento de grupos locais devido à chegada do asfalto foram os ingredientes principais desse quadro desolador que será analisado a seguir e cujos efeitos se traduzem no maior surto de desmatamento da história da Amazônia.

No gráfico a seguir é possível constatar o momento em que o desmatamento no entorno da BR-163 dispara: é a partir de 2011 que a quantidade de floresta removida no distrito de Castelo dos Sonhos, de tamanho comparativamente pequeno, aumenta, para em 2012 superar a área desmatada no resto do município.


Para estudar o que aconteceu do ano passado para cá, é preciso analisar os focos de calor e os alertas de desmatamento naquela área. No gráfico abaixo pode-se observar a progressão de focos de incêndio, indicativos das atividades de desmatamento, de 2013 a 2014, na região estudada. Fica evidente a explosão em 2014, de focos de calor na região da BR-163 (Novo Progresso e distritos de Altamira).


Os mapas a seguir mostram a localização dos focos de calor no mês de agosto que registra maior incidência de queimadas em 2013 e em 2014.


Além dos focos de calor, o ISA analisou a incidência de alertas de desmatamento na região e inferiu o total de desmatamento previsto para 2014.



Os mapas e gráficos mostram a destruição provocada pelo desmatamento sistemático e ano a ano de regiões inteiras de florestas, em um processo de varredura aparentemente irrefreável.

A partir desta análise, fica evidente que é da região da BR-163 que partem as maiores ameaças ao território altamirense, e, por extensão, às florestas preservadas do oeste do Pará. A abundância de terras não destinadas e não ocupadas em territórios afastados dos eixos principais de transporte atua como um ímã para as máfias do desmatamento.

A operação Castanheira
Depois de meses de trabalho de inteligência a Polícia Federal, a mando do MPF e junto com o Ibama e a Receita Federal, deflagrou em 27 de agosto, a chamada ‘Operação Castanheira’, para desarticular os grupos que têm promovido grande parte do desmatamento na região por meio de um esquema de grilagem e venda de terras. O surto de desmatamento na região de Castelo dos Sonhos teria sido consequência direta da atuação desses grupos, que grilavam, desmatavam e vendiam grandes fragmentos de floresta, auferindo enormes lucros nesse esquema criminoso. As ações de fiscalização ordinárias (multa e embargo) não teriam sido efetivas, conforme revelado pelos próprios infratores, que declaram que as multas ou embargos não afetam o preço da terra desmatada.

Diante desse quadro desolador, a sociedade brasileira deve cobrar a efetividade das medidas a serem tomadas, daqui em diante para evitar que as terras assim devastadas possam de alguma maneira beneficiar os autores da destruição. Um sistema de embargo, por exemplo, poderia ser atrelado à localização espacial da destruição e não ao CPF do ocupante da terra, normalmente um ”laranja” ou vítima de engano. Se medidas como essas forem tomadas é possível que em 2015 haja uma diminuição significativa do desmatamento na região da BR-163, e, por extensão, no município de Altamira.

*Leia na íntegra no sítio do ISA.
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