Por Cleber César Buzatto - Secretário
Executivo do Cimi*
O governo Dilma vai mesmo
aproveitar-se do período eleitoral, quando as atenções voltam-se para este
tema, para tentar aprovar dois Projetos de Lei com conteúdo flagrantemente
anti-indígena junto ao Congresso Nacional? Embora pareça estranha e
contraditória, esta é uma questão que está posta na conjuntura político
indigenista no Brasil.
Apresentado pelo Poder
Executivo ao Congresso Nacional, no dia 24 de junho de 2014, para tramitação em
regime de urgência, o Projeto de Lei 7735/2014 regulamenta o inciso II do § 1º
e o § 4º do art. 225 da Constituição; os arts. 1, 8, “j”, 10, “c”, 15 e 16, §§
3 e 4 da Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto nº
2.519, de 16 de março de 1998; dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético;
sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado; sobre a
repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade;
e dá outras providências.
Com tramitação
acelerada, em 45 dias, o PL 7735/14 já tranca a pauta do Congresso Nacional. Os
povos indígenas do Brasil desconhecem por completo o conteúdo do Projeto
de Lei que foi elaborado nos gabinetes do Ministério do Meio Ambiente (MMA). No
caso, tanto o Poder Executivo, quanto o Legislativo simplesmente ignoraram, até
o momento, o direito dos povos à consulta prévia, livre e informada preconizado
pela Convenção 169 da OIT e ratificada pelo Estado brasileiro. O abuso é
tamanho que nem mesmo uma Comissão interna do MMA que trata sobre povos
indígenas e comunidades tradicionais e a própria Fundação Nacional do Índio
(Funai), órgãos do próprio Executivo, foram ouvidos sobre o tema.
Feito sob medida para
atender interesses econômicos, dentre outros, da indústria farmacêutica e
de cosméticos, o PL 7735/14 viabiliza o acesso de forma facilitada ao
patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas. Dentre
tantos outros pontos problemáticos, o referido Projeto de Lei não
reconhece aos povos indígenas e comunidade tradicionais o direito de negar
acesso ou tomar decisão sobre o tema, assim como, promove uma mudança de
paradigma referente ao tratamento dado às atividades de acesso, não havendo
mais separação entre as atividades de pesquisa científica, bioprospecção e
desenvolvimento tecnológico, simplificando todos os processos. A
consequência prática da potencial aprovação deste projeto é a vulnerabilização
do patrimônio genético e conhecimento dos povos.
Caso não for retirado
o regime de urgência na sua tramitação, o PL 7735/14 voltará a Ordem do dia, no
Plenário da Câmara dos Deputados, no início do mês de outubro próximo.
Diante disso nos perguntamos: o governo Dilma manterá o pedido de tramitação em
regime de urgência de matéria que diz respeito à vida e futuro dos povos
indígenas sem que ao menos estes povos saibam do que está sendo tratado no
respectivo Projeto de Lei?
O segundo projeto de
lei anti-indígena pode ser enviado, pelo Executivo ao Congresso, também em
regime de urgência, nos próximos dias. Trata-se da proposta para a criação do
Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), uma empresa paraestatal que
assumiria a responsabilidade pela atenção à saúde dos povos indígenas em
substituição à recém criada Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), esta
vinculada ao ministério da Saúde.
Gestada por técnicos
dos Ministérios do Planejamento e da Saúde, o INSI tem sido “apresentado” aos
povos em reuniões que, segundo uma liderança indígena, parece “os tempos dos
coronéis”. Na contramão do que preconiza a Convenção 169 da OIT, agentes do
governo Dilma, gestores da Sesai, com apoio de diretores e funcionários de organizações
terceirizadas que atuam no setor, realizam um verdadeiro arrastão país afora
buscando a adesão dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi) ao INSI.
Como denunciado pelos próprios povos, os agentes do governo estão fazendo isso
de forma atropelada e usando o expediente da pressão político-econômica e
psicológica desinformada e de má fé, intimidando e amedrontando os conselheiros
indígenas, o que, por óbvio, retira toda e qualquer legitimidade, ainda que
limitada, que porventura poderia haver nestas “consultas”.
O que poderia justificar uma
atitude explicitamente antidemocrática, colonialista e desrespeitosa às
lideranças, povos e organizações indígenas por parte do governo Dilma em pleno
processo eleitoral? Seria a ânsia por aprovar uma forma de administrar cerca de
um bilhão de reais de recurso público de forma “livre” de instrumentos de
controle do Estado? Seria a ânsia por aprovar uma forma de gestão que permita o
uso de recurso público para a contratação de aproximadamente doze mil pessoas
sem as garantias preconizadas pelo concurso público?
Mesmo com informações
públicas de que o concurso não abrangeria os Agentes Indígenas de Saúde e os
Agentes Indígenas de Saneamento e que as atuais deficiências nos processos
licitatórios deve-se à falta de estruturação dos Distritos Sanitários Especiais
Indígenas por parte do governo, agentes deste governo continuam fazendo ameaças
de que se o INSI não for aceito haverá desabastecimento e demissão em massa dos
servidores, inclusive indígenas.
Como sabemos os instrumentos
da licitação e do concurso foram criados pelo Estado na perspectiva de evitar
atos de corrupção e o clientelismo com uso do recurso público. Diante disso nos
perguntamos: porque tantas mentiras sendo usadas recorrentemente no duro ataque
a estes dois instrumentos na tentativa de convencer os conselheiros distritais
indígenas a aderir ao INSI? Porque tanta insistência do governo nesse processo
conturbado que tem alto potencial para gerar divergências e divisões entre
povos e lideranças indígenas e organizações aliadas exatamente numa conjuntura
de ataque aos direitos destes povos por parte de setores econômicos
anti-indígenas no país,dentre as quais, os ruralistas?
Por fim, devemos ficar
atentos à resposta que será dada pelo Palácio do Planalto à questão que se
impõe no momento, a saber: o governo Dilma vai mesmo enviar ao Congresso
Nacional o Projeto de Lei para a criação da paraestatal enfrentando,
desrespeitando e tentando humilhar as diversas lideranças e organizações
indígenas, de âmbitos nacional, regional e local que vem se posicionando contra
o INSI?
Certamente, os
desdobramentos da conjuntura político indigenista no Brasil dependerá
sobremaneira das respostas do governo Dilma a estas questões.
Fonte: Cimi
Fonte: Cimi