A
viabilidade econômica do complexo hidrelétrico do Tapajós, maior aposta
energética do governo para os próximos dez anos, é colocada em xeque por um
estudo “paralelo” dos seus impactos socioambientais. Recém-concluído, o
diagnóstico leva a chancela de 20 pesquisadores e surge em um momento crucial
do licenciamento da usina de São Luiz do Tapajós – primeiro e mais importante
projeto do complexo.
Mesmo no cenário “mais otimista”
projetado pelo estudo, as hidrelétricas teriam grande dificuldade para se
viabilizar financeiramente e seus empreendedores podem arcar com um prejuízo
próximo de US$ 1,5 bilhão. Para os pesquisadores, a simulação “mais realista”
indica uma extrapolação de custos e um potencial de déficit bem mais
preocupante, que alcançaria quase US$ 10 bilhões. A diferença entre as duas
projeções está no tempo das obras (cinco ou sete anos), no preço do
megawatt-hora fixado para o leilão e no volume de energia negociado no mercado
livre.
“A análise apontou a inviabilidade do
empreendimento em ambos os cenários”, diz um trecho do estudo, organizado pelo
professor do departamento de recursos hídricos do Instituto Tecnológico de
Aeronáutica (ITA) Wilson Cabral de Sousa Júnior.
O time que assina o relatório “Tapajós
– Hidrelétricas, Infraestrutura e Caos” reúne especialistas como Célio Bermann,
professor do Instituto de Energia e Meio Ambiente da USP, Paulo Barreto,
pesquisador-sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon),
e Telma Monteiro, diretora da Associação Terra Laranjeiras.
Além dos custos normalmente associados
à construção de hidrelétricas, o estudo leva em conta também “externalidades
socioambientais”, que não foram contempladas no EIA-Rima apresentado ao Ibama.
A análise contempla, por exemplo, a necessidade de expansão da infraestrutura local
para abrigar até 45 mil trabalhadores durante as obras.
Um dos custos associados à chegada
desse contingente de operários é a construção de esgotamento sanitário na
região. Outros cálculos englobam o comprometimento de atividades pesqueiras.
Hoje, os pescadores capturam mais de 3.000 toneladas de peixes por ano. Também
são estimadas as perdas de potencial exploração sustentável da floresta.
O estudo foi concluído pouco antes da
entrega do EIA-Rima, que aumentou de 6.133 para 8.040 megawatts a capacidade
instalada de São Luiz do Tapajós, além de ter elevado a previsão de
investimento, de R$ 18,1 bilhões para R$ 30,6 bilhões.
Apesar de todas as incertezas, o
Ministério de Minas e Energia chegou a anunciar o leilão da usina para o dia 15
de dezembro, apenas 150 dias após o governo ter requerido ao Ibama a licença
ambiental prévia do empreendimento. Na semana passada, apenas quatro dias
depois de ter feito o anúncio, teve que voltar atrás.
De fato, quando se analisa o tempo
consumido no licenciamento dos demais grandes projetos hidrelétricos da
Amazônia, o prazo da licitação da primeira usina do Tapajós parecia irreal.
Levantamento feito pelo Valor aponta
que o tempo médio entre o pedido e a concessão da licença nas últimas quatro
grandes usinas na região – Santo Antônio, Jirau, Belo Monte e Teles Pires – foi
de 364 dias. Uma das partes mais importantes do EIA-Rima, o componente indígena
– que mede o impacto do empreendimento sobre as comunidades atingidas – não foi
incluído na documentação original, o que acabou inviabilizando a realização do
leilão na data inicialmente planejada.
Como a Funai tem até 90 dias para
avaliar o componente indígena, havia a possibilidade de o órgão só dar seu aval
sobre o empreendimento às vésperas do leilão. Diante do calendário apertado, o
ministério decidiu adiar o certame e não definiu nova data.
No relatório elaborado pelos
pesquisadores, há contestações ao conceito de usina-plataforma, que o governo
pretende testar pela primeira vez na hidrelétrica do Tapajós. Apresentado como revolução
nas obras de grandes empreendimentos amazônicos, esse modelo – assim chamado em
referência às plataformas marítimas de petróleo – envolve o deslocamento de
materiais e de pessoal por via aérea e fluvial, diminuindo o impacto sobre o
ecossistema da região. Para os pesquisadores, a falta de detalhamento do modelo
pode transformá-lo em “mera peça de propaganda” e acarretar “completo
descrédito” sobre suas intenções.
O relatório dos pesquisadores trabalha
com as informações do inventário elaborado pela Eletronorte, que previa
originalmente a construção de cinco usinas hidrelétricas e investimentos de US$
19,8 bilhões. Três delas, que constavam do planejamento inicial, foram
abandonadas por questões ambientais e substituídas por projetos no rio Juruena (divisa
entre Mato Grosso e Amazonas). Para os autores, isso não compromete os cálculos
feitos.
Fonte:
Valor Econômico
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