Candidata impediu criação de Reserva Extrativista pedida pelas comunidades de Montanha e Mangabal quando era ministra. Governo planeja duas hidrelétricas para o local.
O sítio da campanha presidencial da candidata Dilma Rousseff (PT) trouxe no último fim de semana a notícia da
transferência de mais de 3 milhões de hectares de terras do Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) para a ampliação de assentamentos do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e para o Ministério do Meio
Ambiente (MMA). A medida envolveria áreas nos estados do Amazonas, no Pará, no
Acre e em Rondônia.
A matéria da
campanha ressalta a cerimônia em que estes atos ocorreram no último dia 27 de
agosto, evento oficial do governo, com a presença dos ministros Miguel Rosseto
(MDA) e Izabella Teixeira (MMA), mas com a ausência da presidente e candidata a
reeleição, Dilma Rousseff.
No sítio do
Incra, a notícia institucional do evento destaca que dos “(...) 3,28 milhões de hectares, 86 mil são
para a reforma agrária e 3,19 milhões para a “conservação ambiental”.
Como durante
o governo Dilma não houve a criação de nenhuma unidade de conservação (UC) na
Amazônia Legal - ao contrário, o seu mandato motorizou-se pela redução de UCs – e como a matéria não detalha
nada sobre estas áreas “destinadas para conservação”, fica a dúvida de tratar-se
de transferência formal de terras federais para depois serem criadas as
unidades de conservação ou se ocorreu a formalização da transferência de terras
da União em áreas de unidades de conservação já criadas em governos anteriores.
Nesse segundo caso, não haveria nenhum acréscimo de novas áreas protegidas e
sim um passo (necessário) para a regularização fundiária de unidades antigas.
Em relação aos 86 mil hectares para a “reforma agrária”, as dúvidas também permanecem. Em matéria da Agência Brasil reproduzida pelo jornal Valor, é informado que dos 86 mil hectares transferidos do programa “Terra Legal” para a reforma agrária, 62,5 mil seriam para a ampliação da reserva legal do Projeto de Assentamento Acari, nos municípios de Borba, Novo Aripuanã e Apuí, no Amazonas.
Não é
informado na matéria do Valor e muito menos na
matéria publicada no sítio do Incra , para onde iriam os
23,5 mil hectares de terras públicas federais
“destinadas para a reforma agrária” restantes. É sabido também que a
reforma agrária no governo Dilma apresentou os números mais vexatórios desde o
governo Collor.
E eis que o sítio de campanha da Presidenta Dilma Rousseff, além de repetir
todos os números acima, sem detalhá-los, traz as seguintes informações:
“As terras cedidas em cerimônia
realizada na última quarta-feira (27) servirão para a ampliação da reserva legal
do Projeto de Assentamento Acari, nos municípios de Borba, Novo Aripuanã e
Apuí, no Amazonas; a criação do Projeto de Assentamento Agroextrativista
Montanha Mangabal, no município de Itaituba, e o Projeto de Desenvolvimento
Sustentável Castanheira II, no município de Senador José Porfírio, ambos no
Pará”.
Para além dos números e da falta de
confiabilidade das informações, a propaganda de Dilma destaca que parte das
terras “cedidas” pelo MDA para Incra “servirão” (futuro) para “a criação do Projeto de Assentamento
Agroextrativista Montanha Mangabal, no município de Itaituba”. O que talvez
Dilma e seus marqueteiros eleitorais tenham esquecido é que o PAE Montanha e
Mangabal, com 55.443,54 hectares, já foi criado em setembro de 2013, portanto
há quase um ano, pela Superintendência Regional do Incra de Santarém, no Pará.
Mas a ironia da história não começa e
nem termina aí. O assentamento foi criado para as comunidades ribeirinhas e
agroextrativistas do Alto Tapajós depois que essas tiveram seu pedido de
criação de uma Reserva Extrativista (Resex) na área vetado por interferência
direta da Casa Civil durante o segundo governo Lula, pasta então comandada pela
então ministra e agora candidata a reeleição, Dilma Rousseff.
Mesmo com ocupação tradicional do
território comprovada e todo o trâmite formal para a criação da unidade de
conservação concluído e dentro das exigências legais, o processo de criação da
Resex Montanha-Mangabal acabou suspenso devido à interferência direta
de Dilma, que via no reconhecimento territorial das famílias um entrave para a
construção de hidrelétricas do chamado Complexo do Tapajós.
O caso está muito bem detalhado em trecho dissertação “A Beiradeira e o Grilador”, do pesquisador Maurício Torres e reproduzido a seguir:
Recentemente, Procurador-Geral da República, encaminhou à Casa Civil um Ofício inquirindo quanto à “possível descumprimento das Convenções da Diversidade Biológica e 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT pelo Estado Brasileiro na tramitação do procedimento de criação da Reserva Extrativista Montanha-Mangabal”, e requerendo, também, seja realizada requisição à Ministra da Casa Civil com fito de obter informações sobre a tramitação dos procedimentos de criação da Resex mencionada [Montanha-Mangabal], indicando os motivos que ensejaram a remessa de tal procedimento para o Ministério de Minas e Energia, antes da assinatura do respectivo decreto de criação.
A resposta, encaminhado pela Ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, demonstra a prepotência e o desinteresse pelos danos causados àquela população e limita-se a responder:
Os estudos de inventário em andamento, realizados pela Eletronorte, indicam a existência de que apresentarão [sic] interferência direta na unidade de conservação caso ela seja criada.
A bacia do rio Tapajós está em fase final dos estudos de inventário hidrelétrico. Os resultados estão indicando a existência de 3 alternativas de barramento que poderão apresentar cerca de 10.000 MW de potência instalada. A Resex Montanha-Mangabal causará interferência em qualquer uma das alternativas estudadas, visto que as alternativas estão inseridas na área proposta para a unidade de conservação.
Desta forma, conclui-se que a unidade de conservação não deve ser criada.
O caso está muito bem detalhado em trecho dissertação “A Beiradeira e o Grilador”, do pesquisador Maurício Torres e reproduzido a seguir:
Recentemente, Procurador-Geral da República, encaminhou à Casa Civil um Ofício inquirindo quanto à “possível descumprimento das Convenções da Diversidade Biológica e 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT pelo Estado Brasileiro na tramitação do procedimento de criação da Reserva Extrativista Montanha-Mangabal”, e requerendo, também, seja realizada requisição à Ministra da Casa Civil com fito de obter informações sobre a tramitação dos procedimentos de criação da Resex mencionada [Montanha-Mangabal], indicando os motivos que ensejaram a remessa de tal procedimento para o Ministério de Minas e Energia, antes da assinatura do respectivo decreto de criação.
A resposta, encaminhado pela Ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, demonstra a prepotência e o desinteresse pelos danos causados àquela população e limita-se a responder:
Os estudos de inventário em andamento, realizados pela Eletronorte, indicam a existência de que apresentarão [sic] interferência direta na unidade de conservação caso ela seja criada.
A bacia do rio Tapajós está em fase final dos estudos de inventário hidrelétrico. Os resultados estão indicando a existência de 3 alternativas de barramento que poderão apresentar cerca de 10.000 MW de potência instalada. A Resex Montanha-Mangabal causará interferência em qualquer uma das alternativas estudadas, visto que as alternativas estão inseridas na área proposta para a unidade de conservação.
Desta forma, conclui-se que a unidade de conservação não deve ser criada.
O Complexo Hidrelétrico do Tapajós é um conjunto de usinas previstas pelo
governo federal para os rios Tapajós e Jamanxim, no Pará. Atualmente, o governo
corre para leiloar até o final do ano o primeiro destes empreendimentos: a
usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, cujo lago formado pelo barramento do
rio afetaria parte dos ribeirinhos de Montanha e Mangabal. Já a usina de
Jatobá, outra prevista para o complexo, além de inundar as áreas dos demais
moradores, ainda resultaria na fragmentação do grupo em dois, já que o
barramento do Tapajós aconteceria bem no meio da área de distribuição das
famílias ao longo do rio.
O direito ao reconhecimento territorial do grupo foi negado 6 anos antes da conclusão dos estudos de
viabilidade técnica e econômica do Complexo Hidrelétrico, ou seja, a existência
do grupo pouco importava diante da decisão política já tomada, antes de qualquer conclusão da viabilidade de construção das
hidrelétricas no rio Tapajós.
Com a paralisação do processo da Resex em 2008, as
comunidades protocolaram em 2010 junto ao Incra de Santarém, o pedido de
criação de um Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) modalidade de
assentamento destinada especificamente para as comunidades tradicionais.
Somente em setembro de 2013, o projeto é formalmente criado, conforme está bem
descrito nesta matéria vinculada no blog do jornalista Leonardo Sakamoto e
reproduzida no meu blog. Veja em: Ribeirinhos têm conquista histórica em área de barragens do Tapajós.
Ribeirinhos do Alto Tapajós agora foram lembrados pela campanha eleitoral de Dilma. Fotografia: Maurício Torres |
Privadas durante quase um século e
meio de seu direito ao território e agora ameaçadas de expulsão pelas
hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e Jatobá, as comunidades de Montanha e
Mangabal agora viraram peça de propaganda da candidata Dilma Rousseff ,
a mesma que vetou a criação de uma resex na área e com seus projetos
hidrelétricos ameaça a sobrevivência destas comunidades.