A extraordinária saga de Montanha e Mangabal, da escravidão nos
seringais à propaganda do governo que pretende botar uma hidrelétrica na terra
que habitam há quase 150 anos
Fotografia: Lilo Clareto |
Por Eliane Brum*
De repente, a comunidade de Montanha e Mangabal apareceu no
noticiário. Em 27 de agosto, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel
Rossetto, anunciou em cerimônia que o governo federal destinaria “3,2 milhões
de hectares para reforma agrária e preservação ambiental” na Amazônia. Entre os
destinos dessa terra é citada a criação do “Projeto de Assentamento
Agroextrativista (PAE) Montanha e Mangabal”, no município de Itaituba, no Pará.
O anúncio foi destacado no “Muda Mais”, um “site de apoio à candidatura à
reeleição de Dilma Rousseff”, num momento em que a presidente era
criticada por sua política para a Amazônia. Dias depois, o governo marcou para
15 de dezembro a data do leilão de São Luiz do Tapajós, a primeira das grandes
hidrelétricas planejadas para a região. Vale a pena botar uma lupa sobre esses
dois nomes bastante enigmáticos – Montanha e Mangabal – para fazer a necessária
relação entre as notícias produzidas pelo governo em momento eleitoral e
ampliar a compreensão sobre o trato da Amazônia. Na comunidade de Montanha e
Mangabal está contida a extraordinária luta de um povo para tornar-se visível para
o Brasil que o desconhece. E, ao existir para os olhos do país, preservar sua
terra e sua vida.
O povo de Montanha e
Mangabal enfrenta hoje o momento mais crítico em quase 150 anos de uma
trajetória povoada por épicos. Se o Complexo Hidrelétrico da Bacia do Tapajós
for implantado, como Dilma Rousseff pretende, ele será passado. No território
em que vive a comunidade, assim como outras populações ribeirinhas e indígenas,
está sendo gestada a mais acirrada luta socioambiental depois de Belo Monte. É
nas margens do Tapajós que será decidido o próximo capítulo do que é o futuro,
para o Brasil. E também se povos como o de Montanha e Mangabal estarão nele.
Seguir a trajetória de
homens e mulheres ao longo de 70 quilômetros das águas azuladas do Tapajós, um
dos mais belos rios do mundo, é uma aula de anatomia sobre a ocupação da
Amazônia. É também testemunhar uma das vitórias mais bonitas de um povo que
construiu sua memória pela oralidade no mundo da palavra escrita. Uma vitória
sempre provisória, como eles têm aprendido desde que os primeiros
“pesquisadores” – biólogos, arqueólogos, antropólogos, sociólogos etc –
apareceram com a missão de fazer o levantamento da área para a implantação das
hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e Jatobá.
*Leia tudo na coluna de Eliane Brum para o jornal El Pais.