A maior cheia já medida no Madeira,
que elevou em 19 metros o rio na altura de Porto Velho, ocorreu pouco mais de dois
anos após o início da operação das usinas de Jirau e Santo Antônio.
Santo Antônio (que fica 7 km acima da capital,
Porto Velho) e Jirau (cerca de 100 km a montante) são usinas a “fio d’água”.
Como a vazão média do Madeira é enorme, 32 mil m3/s, a água tem força para
gerar energia mesmo sem um desnível significativo entre o topo da barragem e a
saída das turbinas.
O vídeo abaixo explica como a chegada das duas
usinas ocasionaram a maior cheia da história e afundou vilas inteiras na lama.
A produção faz parte do Especial “Tudo Sobre a Crise Água”, publicado nesta
segunda-feira.
Em janeiro, perto de Jirau, a vazão era de 40 mil m3/s, um recorde desde 1967 para essa época do ano no local. Na represa de Santo Antônio, que começa já no pé da barragem de Jirau, a subida da água ameaçava Jaci-Paraná.
Além de Cujubinzinho e São Carlos, abaixo de Santo
Antônio, foi afetada a orla de Porto Velho. Acima de Jirau, na fronteira com a
Bolívia, sofreu a vila de Abunã.
A Defesa Civil de Rondônia estima que mais de 20
mil pessoas tenham sofrido o impacto direto da enchente.
Na maior cheia já medida na região, em 1984, a
vazão do rio chegou a 48 mil m3/s. À época, não havia barramentos no Madeira, e
a imprensa mostrou que a água atingiu o telhado das casas de Jaci-Paraná.
Para Antônio de Pádua Guimarães, diretor da Santo
Antônio Energia, isso mostra que a vulnerabilidade do local não está ligada à
criação do reservatório.
Dilúvio Trissecular
A estratégia das usinas para regular a vazão do rio
se baseia na probabilidade de uma certa cheia ocorrer a cada período. Capazes
de suportar uma vazão de 80 mil m3/s, Santo Antônio e Jirau oferecem proteção
“decamilenar” (uma cheia desse porte a cada 10 mil anos).
Segundo esse critério, a enchente deste ano foi
“trissecular”, com risco teórico de repetir-se a cada 300 anos. Essa cheia
fenomenal veio pouco menos de dois anos após a operação das usinas.
Dias Nunes diz que essas probabilidades devem
entrar no cálculo de risco, mas que o histórico de medidas precisas no Madeira
é curto –começou em 1967. “Uma certa segurança seria uma série histórica de cem
anos”, diz.
A margem de erro de qualquer projeção também
deveria aumentar agora, pois o aquecimento global e seus efeitos regionais são
um componente a mais de incerteza.
Carlos Hugo de Araújo, da Santo Antônio Energia,
considera vaga a demanda acadêmica de que a mudança climática seja levada em
conta na gestão de risco em hidrelétricas. “A coisa entra num terreno muito
especulativo. Ao trazer o macro para discutir o micro, fica difícil estabelecer
uma conexão.”
Fonte: Folha de São Paulo