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Mauricio Torres
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O
Ministério Público Federal se manifestou no processo que trata da consulta
prévia, livre e informada da usina São Luiz do Tapajós, que o governo brasileiro
quer construir na região de Itaituba, sudoeste do Pará, pedindo que o direito
da consulta seja respeitado para todos os povos afetados. O governo brasileiro
está tentando restringir o direito da consulta, sustentando nos autos que a
consulta só precisa ser feita com algumas aldeias do povo Munduruku, excluindo
índios da mesma etnia e ribeirinhos que serão impactados no alto curso do rio
Tapajós.
O
direito da consulta prévia está previsto na Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, e nunca foi cumprido
pelo governo federal nas usinas hidrelétricas que constrói na Amazônia. No caso
da usina São Luiz do Tapajós, ao pedir uma suspensão de segurança no Superior
Tribunal de Justiça para prosseguir com os estudos da obra, o governo foi
surpreendido porque a decisão do ministro Félix Fischer liberou os estudos, mas
obrigou a realização da consulta.
“O
que não se mostra possível, no meu entender, é dar início à execução do
empreendimento sem que as comunidades envolvidas se manifestem e componham o
processo participativo com suas considerações a respeito de empreendimento que
poderá afetá-las diretamente. Em outras palavras, não poderá o Poder Público
finalizar o processo de licenciamento ambiental sem cumprir os requisitos
previstos na Convenção nº 169 da OIT, em especial a realização de consultas
prévias às comunidades indígenas e tribais eventualmente afetadas pelo
empreendimento”, diz a decisão do então presidente do STJ.
Mesmo
assim, no mês passado, o governo brasileiro chegou a agendar o leilão da usina
para o próximo dia 15 de dezembro. Depois, diante da pressão dos próprios
atingidos, voltou atrás e desmarcou o leilão. Mas, no processo judicial, a
União e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente continuam insistindo em restringir
e negar o direito de consulta a boa parte dos atingidos, alegando que a
Convenção 169 não foi regulamentada e que populações ribeirinhas não podem ser
consideradas tribais.
Em
reunião com os atingidos recentemente, Nilton Tubino, da Secretaria-Geral da
Presidência da República, avisou que as populações tradicionais do rio Tapajós
não serão consultadas. “O que a gente tá discutindo é fazer um processo de
informação lá com Mangabal, mas que não seria consulta. No entendimento do
governo federal hoje, nessa fase aí, quem é ouvido na 169 são indígenas e
quilombolas. Isso já tem referências. Comunidades tradicionais ainda não se
chegou a esse acordo dentro do governo, como vão ser consultadas e em que
estágio vão ser consultadas”
“Beiradeiros,
ribeirinhos e agroextrativistas são tão sujeitos de direitos da Convenção 169
quanto os indígenas e devem ter direito a uma consulta apropriada. Afirmar o
contrário é mais uma vez incidir num discurso hegemônico, em que os diferentes
modos de viver e se relacionar com a floresta são desconsiderados”, diz a
manifestação enviada à Justiça Federal de Santarém, assinada pelo procurador da
República Camões Boaventura.
“É
com muita perplexidade que o MPF avalia a defesa do Ibama. Esquece a autarquia
que a Convenção 169 já foi reconhecida pelo STF como uma norma de status
supralegal e goza de eficácia plena e imediata no ordenamento jurídico
brasileiro, independendo, portanto, de regulamentação”, diz a manifestação do
MPF em resposta ao governo brasileiro. Para o MPF, a melhor solução para se
identificar a forma apropriada de se realizar a consulta é fazer com que cada
povo ou comunidade tradicional explicite, por meio oral ou escrito, a depender
de sua forma de organização, como deseja ser consultado.
Os
ribeirinhos conhecidos como beiradeiros, da comunidade Montanha-Mangabal, no alto
Tapajós, diretamente afetados pela usina e a quem o governo brasileiro se
recusa a consultar, elaboraram, com apoio do MPF, o seu próprio protocolo de
consulta. Eles deixam claro seu intento de serem consultados nos termos da
Convenção 169.
“Nós
queremos ser consultados todos juntos, porque todo mundo aqui sabe de alguma
coisa e luta por um só ideal. O governo não pode consultar famílias
separadamente. Nunca nos sentimos à vontade com as conversas em separado feitas
por representantes do governo ou de empresas. Sabemos que nossos direitos não
são favores. Por isso, não adianta o governo nos prometer nada em troca de
aceitarmos sua proposta. O governo também não pode nos consultar quando já
tiver tomado uma decisão: temos direito à consulta prévia”, dizem os
beiradeiros no protocolo.
O
direito dos beiradeiros, apesar das tentativas do governo de ignorá-los está
assegurado não só na Convenção e expresso no protocolo, como foi afirmado pela
ordem do ministro Félix Fischer, do STJ. “Entendo que, para se dar fiel
cumprimento aos dispositivos da Convenção, o governo federal deverá promover a
participação de todas as comunidades, sejam elas indígenas ou tribais, a teor
do seu art. 1º, que podem ser afetadas com a implantação do empreendimento, não
podendo ser concedida a licença ambiental antes da sua oitiva”, diz a decisão,
de 18 de abril de 2013.
Os
beiradeiros indicam que devem ser consultados, além de Montanha-Mangabal, as comunidades
de Mamãe-Anã, Penedo, Curuçá, Pimental, São Luiz e Vila Rayol, e as aldeias
como a do Chico Índio e a de Terra Preta (da etnia Apiaká). Para o MPF, o
governo ignora a noção correta de bacia hidrográfica, ao limitar apenas a um
trecho do rio e a alguns moradores o direito de consulta.
O
MPF quer que a Justiça expressamente determine, novamente, que “deverão ser consultadas
de forma livre, prévia e informada todas as comunidades tradicionais (sejam
elas indígenas ou tribais) situadas na bacia hidrográfica em que se pretende a
construção da UHE São Luiz do Tapajós, nos termos da Convenção 169/OIT, em
especial aquelas situadas nos denominados cursos alto, médio e baixo do rio
Tapajós.”
Boa-fé
e má-fé
Não
são apenas os ribeirinhos e beiradeiros que o governo tenta excluir do direito
de consulta. Os próprios Munduruku vêm acusando o governo de tentar dividi-los,
programando reuniões que excluem os caciques das aldeias e garantem a
participação apenas de vereadores e indígenas do médio Tapajós. Em carta
enviada ontem ao governo e também ao MPF, índios Munduruku reclamam que a
reunião sobre a consulta prevista para essa semana (4 e 5 de novembro) teve o
local modificado pelo governo em cima da hora.
“Além
disso, o governo se negou a dar a quantidade de gasolina que pedimos para garantir
a ida de nossos parentes que moram mais longe de Jacareacanga. Acreditamos que
é responsabilidade do governo garantir o transporte dos Munduruku do alto e
médio Tapajós tanto por água e por terra até o local da reunião, mas o mesmo se
nega a garantir recursos dizendo que o custo é muito alto.”
“O
governo brasileiro age como a sucuri gigante, que vai apertando devagar,
querendo que a gente não tenha mais força e morra sem ar. Vai prometendo, vai
mentindo, vai enganando”, diz a carta. No processo judicial da consulta, os
advogados da União tentam usar as dificuldades do processo de consulta, muitas
vezes causadas pelo próprio governo, como justificativa para não realizar
nenhuma consulta, sob a alegação de que os Munduruku se recusam ao diálogo.
Para o MPF, é uma tentativa clara de “falsear a verdade” depois de tantas e
seguidas violações do direito de consulta por parte do governo contra os
Munduruku e índios de toda a bacia amazônica.
O
MPF lembra que a consulta realizada pelo governo só ocorre em consequência de decisão
judicial e que incomoda justamente aos Munduruku por não ser prévia, como exige
a Convenção 169, uma vez que a decisão governamental de construir a usina já
está consolidada.
“Não
há limites para o perfil violador de direitos indígenas básicos daqueles que
figuram no pólo passivo desta Ação e de outros interessados na construção da
usina. Vigora para as rés (União, Aneel e Ibama) a máxima de que os 'fins
justificam os meios'! Os fins, na hipótese, são a implantação do Complexo Hidrelétrico
ora em comento e o “agrado” aos interesses econômicos que alimentam as
campanhas políticas”, arremata a manifestação do MPF.
Processo
nº 3883-98.2012.4.01.3902
Fonte:
Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação
Leia no sítio do Movimento Xingu Vivo: Munduruku do Tapajós denunciam má fé em negociação sobre consulta ; governo volta a recuar
Leia no sítio do Movimento Xingu Vivo: Munduruku do Tapajós denunciam má fé em negociação sobre consulta ; governo volta a recuar