Marcelo Leite*
Suspeita-se que o desmate esteja em alta de novo, o que é ruim
para Dilma, como foi para Sarney
O Inpe (Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais) merece o respeito dos brasileiros. Em três décadas,
ergueu admirado sistema para monitorar com satélites o desmatamento da
Amazônia. Já exporta a tecnologia para a África e a América Latina.
Após uma década de
transparência total na publicação dos dados, engatou-se a marcha a ré. Ela faz
o Inpe retroceder a 1989, quando foi posto a serviço dos interesses do então presidente
José Sarney.
O aparelhamento do Inpe,
agora, envolve o Deter, um dos sistemas que opera para monitorar desmatamento
(do outro, Prodes, sai o dado oficial anualizado da devastação).
O Deter foi criado para
emitir alertas em tempo real. Serve para orientar a autuação dos proprietários
rurais que derrubam matas ilegalmente (sem autorização do Ibama).
Para ser ágil, sacrifica
um pouco da precisão --"enxerga" só derrubadas acima de 25 hectares
(250 mil m²). O Prodes trabalha com 6 ha.
Entre uma e outra
apresentação anual do dado totalizado pelo Prodes, que em geral ocorre em
novembro, o Deter serve como indicador das tendências do desmatamento.
Suspeita-se que a
destruição esteja aumentando, como já ocorreu em 2013. A tendência foi apontada
pelo sistema independente SAD, da ONG Imazon. Como isso seria ruim para a
candidata Dilma Rousseff (PT), suspendeu-se a divulgação.
A desculpa oficial é que
esses números serão divulgados já com a metodologia do Novo Deter, que terá
imagens com resolução melhor, similar à do Prodes. Mas o Inpe confirma que os
relatórios do velho Deter foram feitos e validados --só não foram postados no
site do sistema (www.obt.inpe.br/deter/avaliacao).
Detalhe: a própria página
do Deter diz que "a liberação dos dados ao público segue cronograma mensal
no período de maio a outubro".
Segundo o chefe de
gabinete do Inpe, Carlos Alexandre Wuensche de Souza, os relatórios mensais de
avaliação de agosto e setembro não foram ainda publicados porque o instituto
não recebeu o sinal verde do Ibama, seu cliente imediato.
"Tem de haver acordo
entre os quatro atores envolvidos", declara, referindo-se aos ministérios
da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Meio Ambiente, ao Ibama e ao Inpe.
Souza diz que não há
subordinação do Inpe ao Ibama nem qualquer "agenda oculta" de caráter
eleitoral por trás do sumiço dos dados. "Existe um combinado com o
ministro [MCTI, ao qual se vincula o Inpe], por conta da Casa Civil. Não é uma
ordem", afirma.
Em outras palavras: se o
desmatamento aumentar, o Ibama e o MMA ficarão mal na fita, mas detêm o poder
de segurar a divulgação de informações. O leitor julgue se isso é subordinação
ou não.
Em abril de 1989, o Inpe
fez muito pior, como revelaram reportagens de Maurício Tuffani na Folha. Sarney se achava sob
grande pressão internacional por causa da explosão de queimadas e desmatamentos
no ano anterior. Em dezembro de 1988 havia sido assassinado o líder seringueiro
Chico Mendes.
Para melhorar a imagem
internacional do governo Sarney, o instituto publicou relatório em que omitia
desmatamento anterior com área similar a dois Estados do Rio de Janeiro. Após
as reportagens, divulgou uma retificação, mas a imagem do Inpe já estava manchada.
Os admiradores do Inpe,
que são muitos, esperam que a história não se repita --desta vez como farsa.
*Publicado
originalmente no sítio do jornal Folha de São Paulo.