Por Gustavo Faleiros*
Zanardi, presidente do Ibama, explica as mudanças na divulgação de dados, ao lado diretor do Inpe, Leonel Perondi (em primeiro plano) . Foto: Ibama/divulgação |
Nada nem ninguém
conseguiu ainda explicar o que se passou na última sexta-feira (7) à tarde em
Brasília. O presidente do IBAMA e o diretor do INPE convocaram a imprensa para
oficialmente anunciarem a mudança no calendário de divulgação dos dados do
sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER) e justificaram a decisão dizendo que,
ao reduzirem o acesso à informação, dificultam a vida dos “criminosos'' na
Amazônia.
“Para impedir a
utilização das informações georreferenciadas pelos desmatadores um protocolo
específico de divulgação das informações foi estabelecido entre Ibama e INPE.
Assim, os criminosos não conseguirão saber onde estão situados os possíveis
focos de desmatamento identificados pelo sistema. “E os fiscais que atuam na
ponta também estarão mais protegidos”, explicou o presidente do Ibama, Volney
Zanardi Júnior, em notícia publicada pelo órgão em sua
na página na internet.
Se lido ao pé da letra,
o trecho acima não faz o menor sentido. Os criminosos “não conseguirão saber''
onde estão os focos de desmatamento? Mas eles já sabem onde estão. Eles mesmo
são os focos! Estão ali, cortando, derrubando, queimando, grilando,
passando o correntão etc etc etc .
É como se a polícia de
São Paulo deixasse de publicar os dados de homicídio, furtos e roubos
explicando que essa informação, se disponível ao público, facilitaria o
trabalho dos bandidos. Ou se o Banco Central deixasse de divulgar os dados de
inflação e juros com temor que isso poderia beneficiar os agiotas na praça.
Não há outra
forma de classificar essa decisão: retrocesso. Um grande retrocesso.
O Brasil estava na frente ao criar e disponibilizar um sistema de alerta
de desmatamento baseados em imagens de satélites diárias.
O DETER servia como um
termômetro do desmatamento. Se ele apontava para cima, a taxa oficial – medida
pelo Projeto
de Monitoramento da Floresta Amazônica por Satélites – PRODES, geralmente
divulgada no fim do ano, confirmava a tendência. O DETER era um instrumento de
transparência, assim como são outros indicadores – a inflação, a produção
industrial, o emprego.
Na coletiva de imprensa
da última sexta, porém, o diretor do INPE, Leonel Fernando Perondi, deixou
claro: “Os números do Deter são alertas e não se relacionam com a taxa anual de
desmatamento do Prodes”.
Não se relacionam? Vejam
as duas linhas abaixo. As linhas têm correlação clara de julho de 2005 até
julho de 2014 (último mês em que os dados foram divulgados). Notem que incluímos uma projeção de aumento para o PRODES em 2014.
Comparando ano a ano, é
possível calcular que a média de diferença percentual entre o DETER e o PRODES
é de 47,8%. Ou seja, este último registra uma quantidade de áreas
desmatadas de fato maior que o primeiro, mas essa diferença tem sido razoavelmente estável ao longo dos anos. A tomar como base os ciclos bianuais
do desmatamento, ou seja 12 meses contados a partir de agosto de cada ano,
vimos que em 2013/2014, o aumento de 9,8% no DETER comparados ao mesmo período
anterior, ou total de
3035 km2. Se o padrão se mantiver, haverá aumento na taxa oficial de
desmatamento, elevando de 5891 Km2 para 6349 km2, ou seja 7,7% de
elevação.
Daqui para frente
Agora, ao invés da
divulgação mensal dos dados como ocorria desde 2008, a publicação ocorrerá
apenas em meses selecionados: fevereiro, maio, agosto e novembro.
Em teoria, ao não
encontrarem mais os dados, os madeireiros, grileiros, roceiros, pecuaristas e
outros potenciais desmatadores serão pegos de surpresa, autuados e multados
pela equipe de fiscalização do Ibama. Pode-se supor então que a intenção é
impedir que os criminosos saibam que o governo está sabendo.
Mas será mesmo que o
problema é o acesso à informação por cidadãos mal intencionados? Os últimos
dados do Deter se referem a julho deste ano e já apontavam uma tendência de
alta no início do período seco na Amazônia, quando as derrubadas normalmente se
aceleram. O silêncio desde então não impediu uma alta de 122% no total de
hectares derrubados em agosto e setembro, segundo números vazados à Folha de S. Paulo (que
aliás continuam ocultos ao público).
Se a fiscalização do
Ibama autuou ou embargou áreas neste período, também não é possível saber. Pois
desde 2012 o órgão parou de divulgar na internet o balanço destes dois
itens. Outro detalhe, relatórios gerenciais que eram publicados com frequência
anual também estão atrasados.
Ao optar por explicar a
redução ao acesso aos dados com um argumento policialesco, o Ibama e o INPE
levantam dúvidas sobre a decisão. Ela serve mais para proteger aos
chefes no Ministério do Meio Ambiente e no Palácio do Planalto do calor
político que causa a destruição da Amazônia . Se subiu ou desceu a cada mês,
não importa, o que vale é esperar a taxa “oficial'' de desmatamento, anunciada
apenas uma vez por ano.