quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Culpando “criminosos”, IBAMA oficializa restrição a dados do desmatamento

Por Gustavo Faleiros*
Zanardi, presidente do Ibama, explica as mudanças na divulgação de dados, ao lado diretor do Inpe, Leonel Perondi (em primeiro plano) . Foto: Ibama/divulgação
Nada nem ninguém conseguiu ainda explicar o que se passou na última sexta-feira (7) à tarde em Brasília. O presidente do IBAMA e o diretor do INPE convocaram a imprensa para oficialmente anunciarem a mudança no calendário de divulgação dos dados do sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER) e justificaram a decisão dizendo que, ao reduzirem o acesso à informação, dificultam a vida dos “criminosos'' na Amazônia.
“Para impedir a utilização das informações georreferenciadas pelos desmatadores um protocolo específico de divulgação das informações foi estabelecido entre Ibama e INPE. Assim, os criminosos não conseguirão saber onde estão situados os possíveis focos de desmatamento identificados pelo sistema. “E os fiscais que atuam na ponta também estarão mais protegidos”, explicou o presidente do Ibama, Volney Zanardi Júnior, em notícia publicada pelo órgão em sua na página na internet.
Se lido ao pé da letra, o trecho acima não faz o menor sentido. Os criminosos “não conseguirão saber'' onde estão os focos de desmatamento? Mas eles já sabem onde estão. Eles mesmo são os focos! Estão ali, cortando, derrubando, queimando, grilando, passando o correntão etc etc etc .
É como se a polícia de São Paulo deixasse de publicar os dados de homicídio, furtos e roubos explicando que essa informação, se disponível ao público, facilitaria o trabalho dos bandidos. Ou se o Banco Central deixasse de divulgar os dados de inflação e juros com temor que isso poderia beneficiar os agiotas na praça.
Não há outra forma de classificar essa decisão: retrocesso. Um grande retrocesso. O Brasil estava na frente ao criar e disponibilizar um sistema de alerta de desmatamento baseados em imagens de satélites diárias.
O DETER servia como um termômetro do desmatamento. Se ele apontava para cima, a taxa oficial – medida pelo Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica por Satélites – PRODES, geralmente divulgada no fim do ano, confirmava a tendência. O DETER era um instrumento de transparência, assim como são outros indicadores – a inflação, a produção industrial, o emprego.
Na coletiva de imprensa da última sexta, porém, o diretor do INPE, Leonel Fernando Perondi, deixou claro: “Os números do Deter são alertas e não se relacionam com a taxa anual de desmatamento do Prodes”.
Não se relacionam? Vejam as duas linhas abaixo. As linhas têm correlação clara de julho de 2005 até julho de 2014 (último mês em que os dados foram divulgados). Notem que incluímos uma projeção de aumento para o PRODES em 2014.

Comparando ano a ano, é possível calcular que a média de diferença percentual entre o DETER e o PRODES é de 47,8%.  Ou seja, este último registra uma quantidade de áreas desmatadas de fato maior que o primeiro, mas essa diferença tem sido razoavelmente estável ao longo dos anos. A tomar como base os ciclos bianuais do desmatamento, ou seja 12 meses contados a partir de agosto de cada ano, vimos que em 2013/2014, o aumento de 9,8% no DETER comparados ao mesmo período anterior, ou total de 3035 km2. Se o padrão se mantiver, haverá aumento na taxa oficial de desmatamento, elevando de 5891 Km2 para 6349 km2, ou seja  7,7% de elevação.
Daqui para frente
Agora, ao invés da divulgação mensal dos dados como ocorria desde 2008, a publicação ocorrerá apenas em meses selecionados: fevereiro, maio, agosto e novembro.
Em teoria, ao não encontrarem mais os dados, os madeireiros, grileiros, roceiros, pecuaristas e outros potenciais desmatadores serão pegos de surpresa, autuados e multados pela equipe de fiscalização do Ibama. Pode-se supor então que a intenção é impedir que os criminosos saibam que o governo está sabendo.
Mas será mesmo que o problema é o acesso à informação por cidadãos mal intencionados? Os últimos dados do Deter se referem a julho deste ano e já apontavam uma tendência de alta no início do período seco na Amazônia, quando as derrubadas normalmente se aceleram. O silêncio desde então não impediu uma alta de 122% no total de hectares derrubados em agosto e setembro, segundo números vazados à Folha de S. Paulo (que aliás continuam ocultos ao público).
Se a fiscalização do Ibama autuou ou embargou áreas neste período, também não é possível saber. Pois desde 2012 o órgão parou de divulgar na internet o balanço destes dois itens. Outro detalhe, relatórios gerenciais que eram publicados com frequência anual também estão atrasados.
Ao optar por explicar a redução ao acesso aos dados com um argumento policialesco, o Ibama e o INPE levantam dúvidas sobre a decisão. Ela serve mais para proteger aos chefes no Ministério do Meio Ambiente e no Palácio do Planalto do calor político que causa a destruição da Amazônia . Se subiu ou desceu a cada mês, não importa, o que vale é esperar a taxa “oficial'' de desmatamento, anunciada apenas uma vez por ano.
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