Sem sinalizações de que a
conjuntura poderá ser mais favorável aos povos indígenas no próximo período,
estabelecido pela reeleição de Dilma Rousseff e a configuração do novo
Congresso Nacional, cuja maior bancada será a ruralista, além de um quadro
agravado de violência e criminalização partindo desde o governo federal e
grupos anti-indígenas, o Conselho Diretor do Cimi, composto pela diretoria e
coordenações dos 11 regionais da entidade, reunido no Centro de Formação
Vicente Cañas, em Luziânia (GO), entre os dias 5 e 8 de novembro, se pronuncia
publicamente diante dos fatos.
Cumprindo papel semelhante
ao do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e da Fundação Nacional do Índio
(Funai) no período da ditadura militar (1964-1985), a Secretaria Especial de
Saúde Indígena (Sesai), no âmbito do Ministério da Saúde, tem priorizado ações
políticas entre os povos em vista de aprovar a privatização do setor através da
criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), preterindo assim sua
função original de promover políticas públicas de saúde e executá-las. Tal
intervenção da Sesai acontece ao arrepio do direito de consulta dos povos,
estabelecido pela Convenção 169 da OIT, com o estímulo a divisões no seio das
comunidades, entre povos indígenas e destes com aliados históricos (‘dividir
para governar’). Tudo isso na base da instrumentalização da política, da
coerção e da calúnia. Enquanto isso, nas aldeias, são altos os índices de
mortalidade infantil, suicídios, fome e desassistência diversa.
Enquanto a privatização da
saúde indígena no atual governo relembra o período neoliberal de FHC, a
paralisação das demarcações de terras indígenas segue provocando terríveis
conseqüências aos povos, suas comunidades e lideranças. Em todas as regiões do
país, se avolumam os casos em que a decisão governamental de não demarcar tem
provocado o aumento exponencial da tensão, do conflito, da violência e da
criminalização dos povos e suas lideranças. O povo Guarani-Kaiowá (MS), nas
retomadas, tem sido atacado reiteradamente por jagunços e é ameaçado
permanentemente por despejos judiciais e extrajudiciais. Nos
acampamentos, às margens das rodovias, quem ataca os Guarani-Kaiowá é a fome,
que nos últimos meses vem ceifando a vida de suas crianças. Os Munduruku, no
Médio Tapajós (PA), iniciaram a autodemarcação da terra tradicional Sawré
Muybu, ameaçada de alagamento pela construção do Complexo Hidrelétrico do
Tapajós, depois da Funai descumprir acordos de publicação do relatório
circunstanciado de identificação e delimitação.
As “mesas de diálogo”
estabelecidas ao longo dos anos 2013 e 2014 pelo Governo Dilma, por meio do
ministro José Eduardo Cardozo, têm cumprido a função de protelar a tomada de
decisões, enquanto os inimigos dos povos se fortalecem e atacam seus direitos.
Entre os objetivos das mesas, segundo o ministro, estariam a redução de conflitos
e a não judicialização das demarcações. A enxurrada de processos movimentados
nos últimos meses, com reintegrações de posse e suspensão de demarcações,
inclusive em áreas com mesas instaladas, caso dos Terena, no MS, além do quadro
de violência e criminalização contra indígenas em todo o país, comprovam a
falácia e os prejuízos causados aos povos por esta estratégia governamental.
Passado o processo
eleitoral, diante da promessa de que o ‘novo governo’ será de ‘novas ideias’, o
Cimi confia e espera que a Presidente Dilma dará um sinal positivo e imediato
aos povos, assinando os decretos de homologação das 17 terras que estão sobre
sua mesa, bem como, determinando a assinatura das Portarias Declaratórias das
12 Terras que estão sobre a mesa do Ministro da Justiça e das Portarias de
Identificação e Delimitação das 05 terras que estão sobre a mesa da Presidência
da Funai - todas sem qualquer impedimento jurídico e ou administrativo.
Sob a batuta de Cardozo, a
Polícia Federal mostra-se profundamente parcial contra os povos indígenas. Por
um lado, realiza uma devassa na vida de lideranças indígenas levando-as, por
intermédio de inquéritos evasivos e mega-operações, a prisão. Tenharim,
Tupinambá, Pataxó, Kaingang, Suruí são exemplos de povos que tiveram ou ainda
estão com lideranças presas – apenas neste ano de 2014. Não é coincidência que
tais prisões ocorram em áreas de interesse da mineração, da retirada ilegal de
madeira, do agronegócio e de grandes empreendimentos do governo. Por outro
lado, reina a omissão e a impunidade nos crimes cometidos contra os povos e
suas lideranças pela própria Polícia Federal e outras forças policiais, como no
caso dos assassinatos de Adenilson Kirixi Munduruku e de Oziel Terena, e também
por fazendeiros e seus pistoleiros, casos dos assassinatos de Julite
Lopes Guarani-Kaiowá, Ortiz Lopes Guarani-Kaiowá, Osvaldo Pereira
Guarani-Kaiowá, dentre outros. Para investigar e prender indígenas, a Polícia
Federal tem realizado operações grandiosas, com centenas de homens fortemente armados,
mas diante das denúncias e cobranças sistemáticas de povos para a retirada de
madeireiros de suas terras, a exemplo dos Ka’apor (MA), a resposta da Polícia
Federal tem sido sempre a mesma, de que não há efetivo para atuar. Por que a
Polícia Federal, órgão do Estado brasileiro, atua ‘com dois pesos e duas
medidas’ contra os povos indígenas? É preconceito institucional ou são 'ordens
superiores'?
Em vários Regionais do
Cimi, caso do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Norte I (Amazonas e Roraima) e
Norte II (Pará e Amapá), incursões da Polícia Federal, da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) e do Exército foram notificadas pelas coordenações. Seja
por telefone, visitas ou convocação. São fortes os indícios de que inquéritos
policiais estão em curso e interceptações telefônicas de vários missionários da
entidade foram comprovadas. A sede do Regional Amazônia Ocidental (Acre) foi
invadida duas vezes em menos de um mês, sem que qualquer informação sobre os
autores tenha sido apontada pelas autoridades policiais. O Cimi espera que o
governo federal paralise a utilização de dispositivos aplicados por regimes
autoritários – como aqueles revelados pelos trabalhos da Comissão Nacional da
Verdade (CNV), para intimidar a ação indigenista e o direito de
resistência dos povos.
Diante deste quadro, o
Conselho Diretor do Cimi chama a atenção para a importância da articulação dos
povos indígenas e aliados no Brasil, na América Latina e no mundo. A situação
interna potencializa a demanda por denúncias internacionais e maior atuação
junto a instâncias da Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização dos
Estados Americanos (OEA) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
dentre outras, a fim de demonstrar as contradições do discurso governamental
nessa esfera segundo o qual, no Brasil, os direitos indígenas estariam sendo
respeitados e efetivados.
Dada a correlação de forças
adversas no país, a resistência e a luta dos povos originários é marcante e
elogiável. Nos últimos anos, os povos têm se mobilizado permanentemente para
evitar retrocessos com relação a seus direitos constitucionais, fazendo um
enfrentamento destemido contra seus inimigos históricos, de modo especial os
interesses e representantes do latifúndio, do agronegócio, das mineradoras, das
empreiteiras e do próprio Executivo Federal. Para o próximo ano, com o
recrudescimento das forças conservadoras e reacionárias, os desafios e embates
prometem ser ainda mais duros. O possível cenário ainda mais adverso exigirá,
além de maior união e entendimento entre os povos, a ampliação das forças
sociais aliadas e apoiadoras desta causa.
A necessária Reforma
Política deve ser profunda e as mobilizações sociais para sua concretização
devem estar diretamente vinculadas à luta pelas mudanças estruturantes almejadas
historicamente. É imprescindível que o governo Dilma implemente a demarcação
das terras indígenas, a reforma agrária, a titulação dos territórios
quilombolas, a criação de Unidades de Conservação Ambiental e acabe com o ciclo
de altos subsídios públicos ao latifúndio no Brasil.
Por fim, o Cimi reafirma o
compromisso de estar ao lado dos povos nas suas lutas, debates e embates na
defesa e pela efetivação de seus direitos e por condições de vida
plena. Contra a onda reacionária, integracionista e criminalizante,
todo o apoio e empenho pela autodeterminação dos povos e em defesa de uma
transformação radical, descolonial do Estado brasileiro, rumo ao exercício
pleno da pluralidade dos vários modos próprios de ser que compõem o nosso país.
Conselho Diretor do Cimi
Luziânia, 08 de novembro de
2014
Fonte: Conselho Diretor do Cimi