Moradores de Altamira
(PA) protestam durante audiência pública para discutir a desapropriação de
imóveis
|
Por: Carlos Madeiro*
Moradores de Altamira, no
Pará, resistem em deixar suas casas para dar lugar ao avanço das obras da usina
hidrelétrica de Belo Monte. O problema é o valor das indenizações propostas
pelo consórcio responsável pela construção, insuficientes, segundo eles, para
compra de novas moradias. O impasse pode gerar uma geração de sem-teto.
Belo Monte é a maior obra do
PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), com gastos previstos de R$ 28,9
bilhões. O governo federal diz que a usina, quando pronta, vai beneficiar 18
milhões de pessoas.
Segundo o cadastro feito
pela Norte Energia S.A., responsável pela obra –e informado pelo MPF
(Ministério Público Federal)–, 8.000 famílias terão de deixar suas casas
durante o cronograma das obras. Dessas, 600 são indígenas.
Segundo balanço da empresa,
1.327 famílias que viviam em áreas historicamente alagadas pelo Xingu já foram
atendidas. Dessas, foram 1.000 casas enregues, 295 indenizações pagas e 32
atendidas pelo aluguel social, pago durante um ano.
Mas os valores das
indenizações estão bem aquém dos preços de novos residências. Isso deve-se,
principalmente, ao boom imobiliário causado pelas obras da usina no município
que elevou o preço do metro quadrado.
“Fiz o cadastro, entreguei
toda documentação e prometeram que eu ia ganhar uma casa. Agora não vão mais
dar casa e oferecem uma indenização de R$ 27 mil”, contou ao UOL Maria Marlete
de Freitas, 27, que mora numa casa com os dois filhos.
“Já rodei tudo, não tem nada
que possa comprar com esse dinheiro. Essa minha casa valeria pelo menos R$ 60
mil. Eles dizem que, se não assinar, vão para Justiça e passar o trator por
cima. Assim, vai todo mundo morar na rua”, afirmou.
A situação de Marlene é
semelhante a de outras centenas de moradores da região da baixada de Altamira.
Segundo o MPF, as indenizações propostas chegam a ser de apenas R$ 15 mil, o
que torna insuficiente a aquisição de um novo imóvel.
“O programa de relocação e
reassentamento tem que ter como resultado uma construção semelhante. Não é só a
avaliação do bem pelas benfeitorias: o valor tem de permitir que a pessoa tenha
uma nova moradia. Isso é indiscutível para o MPF”, disse a procuradora
procuradora da República no Pará, Thais Santi.
Audiência pública
Na última quarta-feira (12),
uma audiência pública debateu o assunto. Foram questionados os critérios usados
pela Norte Energia na seleção de quem tem direito a casa nova e sobre os
valores das indenizações.
Maria dos Santos, 80,
participou do encontro e denunciou que foi obrigada a assinar um papel em
branco e aceitar uma indenização de R$ 42 mil –valor que a impede de comprar
uma casa nova. Ela é analfabeta.
Segundo o MPF, são negadas
moradias novas para as pessoas que vivem em reservas extrativistas e em terras
indígenas que mantém casas de apoio na periferia de Altamira.
Sem defensoria
Em Altamira, não há
Defensoria Pública da União. A defensoria estadual deixou de ter profissionais
há quatro meses, o que tornou ainda mais grave o problema.
“Chegou-se a um contexto em
que o morador negociava direto com o empreendedores e, se não houvesse o acordo,
o empreendedor era o próprio âmbito recursal”, afirmou a procuradora.
O MPF considera que a melhor
solução é tentar um diálogo, em vez de buscar a judicialização.
“Foi criada uma câmara de
conciliação com o empreendedor e o Estado e defensoria para tentar avaliar a
aplicação dessas regras, com possível flexibilização, alteração do plano, para
que as pessoas tenha acesso”, disse Thais.
Segundo a procuradora, seis
defensores da União serão enviados emergencialmente para ajudar na mediação dos
conflitos.
Problema fundiário
Um dos problemas da região é
a falta de regularização das terras. Muitas casas não têm escrituras ou
registros, e os donos têm apenas contratos de compra e venda, o que dificulta
na hora de negociar e cobrar uma nova moradia.
Segundo Antonia Melo, da ONG
(organização não-governamental) Xingu Vivo, grande parte dos moradores vive em
áreas alagáveis, em casas de taipa ou madeira, em áreas ribeirinhas.
Antonia disse que, além das
indenizações, as casas já entregues apresentam problemas, como a falta de
serviços básicos.
“Prometeram que o novo
conjunto ter infraestrutura, posto de saúde, escola, transporte para as
famílias, só que esse novo projeto são cinco novos bairros com uma distância,
de 4 a 7 km de onde moravam. Nenhuma reunião aprovou esse projeto com os
moradores. As comissões de visita criadas não funcionaram, apenas serviram para
que coronograma das condicionantes fosse cumprido pela empresa”, disse.
Segundo Antonia, a empresa
tem negociado em tom ameaçador com os moradores, que quase sempre seriam
coagidos a aceitar as condições.
“Eles estão tentando
convencer as pessoas a aceitaram indenizações. Eles massacram pessoas de idade
avançada com oferecimento de indenização pequenas. Ainda ameaçam, dizendo que
tem de aceitar que, caso contrário, será pior, vão perder tudo”, disse.
Segundo a Norte Energia
S.A., os valores das indenizações foram definidos “de acordo com o Caderno de
Preços referendado pelo órgão fiscalizador do empreendimento.” A empresa disse
Norte Energia já realizou 2.746 negociações e garante que em 97% dos casos
houve acordo.
“Ao todo serão beneficiadas
4.100 famílias com casas de 63 m², com sala e cozinha conjugadas, três quartos,
sendo uma suíte e banheiro social. Os novos bairros terão estrutura urbana
completa com água tratada, esgotamento sanitário, luz elétrica e pavimentação
asfáltica”, informou a nota encaminhada ao UOL.
*Fonte: UOL