sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Comunidade quilombola garante titulação do território em conciliação com Prefeitura e Incra, em Santarém/PA

Quilombolas estão localizados na região do Maicá, em Santarém, que está sendo visada para receber três portos destinados ao escoamento de grãos e insumos agrícolas. 

Região do Maicá, em Santarém-PA
O impasse entre comunidades quilombolas e a prefeitura de Santarém/PA sobre a titulação de terras está mais perto de se resolver. Em audiência de conciliação realizada no dia 5 de novembro, o município aceitou a obrigação de titular o território quilombola Comunidade Remanescente de Quilombo do Arapemã Residente no Maicá. O tamanho da área, definido em acordo com o Instituto de Colonização e Reforma Agrária – Incra, foi mantido.

A audiência ocorreu na sala de audiência do juiz federal José Airton de Aguiar Portela, com presença da procuradora Janaína Andrade de Souza, do Ministério Público Federal – MPF, do Incra, integrantes das comunidades quilombola e da Terra de Direitos. O processo judicial tramita na 2ª Vara Federal da cidade.
A conciliação é uma etapa do processo da Ação Civil Pública movida em 2013 pela Prefeitura, com pedido de anulação do processo administrativo de titulação do território quilombola do Pérola do Maicá. A prefeitura havia alegado que o território quilombola impediria a expansão urbana de Santarém, requisito necessário para a construção de três portos no bairro.
Boatos criados por especuladores imobiliários – e disseminados inclusive pela mídia local – alegavam que a demarcação do território quilombola abrangeria toda a área do Maicá. No entanto, desde o início do processo de pedido de demarcação ficou claro que a terra requerida ocuparia pouco espaço da região – a comunidade reivindica a titulação de áreas necessárias para residências, agricultura de pequeno porte e lazer.
Segundo documento firmado entre as partes, a titulação será realizada imediatamente após a entrega dos trabalhos técnico-administrativos de identificação, de responsabilidade do Incra, algo que deve acontecer no início de 2015. A Prefeitura, por ocasião da audiência, manifestou entendimento que as demais áreas do Pérola do Maicá são de patrimônio do município. Especula-se que a haverá a titulação de diversas áreas pela prefeitura em prol de sócios da Empresa Brasileira de Portos de Santarém (Embraps).
As áreas a serem tituladas pertencem, em partes, ao município, e devem ser transferidas para a associação quilombola. No caso da parte da área que abrange propriedades privadas, o processo de titulação seguirá normalmente através do Incra.
Especulação e racismo institucional
Pedro Martins, assessor jurídico da Terra de Direitos que acompanha o caso, explica que o processo de demarcação do território está sendo marcado pela pressão contrária à titulação. “Pelo fato da área requerida estar localizada na região do Maicá, o não reconhecimento da terra favoreceria a especulação imobiliária e a construção de portos no local”, aponta.

Além disso, a resistência dos órgãos públicos para a demarcação reflete que o processo está sendo marcado também por uma espécie de racismo institucional.  Segundo o advogado, isso fica claro principalmente através do discurso de instituições e da mídia local, que tentam negar a identidade quilombola da comunidade.  “Existe uma visão – inclusive jurídica – de que as famílias que se deslocaram de seu território original perderiam o direito a titulação”, relata. Mas ele explica que esse tipo de visão não é correta, uma vez que o que define a comunidade quilombola não é o estabelecimento em antigas fazendas ou senzalas, mas o uso tradicional da terra.
Comunidades como a do Quilombo Maloca (Aracaju/SE), do Sacopã (Rio de Janeiro/RJ), e a Comunidade Negra do Barranco (Manaus/AM) seguiram trajetória semelhante a da Remanescentes de Quilombo do Arapemã Residentes no Maicá, e foram reconhecidos como território quilombola urbano.
Entenda o caso
A região do Maicá, em Santarém (PA), está sendo visada para receber três portos destinados ao escoamento de grãos e insumos agrícolas. Apesar de serem defendidos como obras para o desenvolvimento da região, o projeto dos portos atinge nove bairros da cidade onde vivem comunidades tradicionais que se estabeleceram na área urbana após uma série de deslocamentos forçados pela ausência de políticas públicas. Hoje, em sua maioria, as famílias do Maicá sobrevivem da pesca.
Uma das obras é de responsabilidade da Embraps e está em fase de elaboração dos estudos socioeconômicos e ambientais. A construção de outros portos visa favorecer as atividades do Grupo Cevital, da Argélia, que atua no ramo agroalimentar e é favorecido pelas plantações da região Centro-Oeste do Brasil, e pela empresa CEAGRO.

Fonte: Terra de Direitos
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