Guerreiros, guerreiras e crianças Munduruku ocuparam na manhã
desta sexta (28) a sede da Funai de Itaituba. Os indígenas queriam pressionar a
Funai a publicar o relatório e o mapa com as delimitações da terra indígena
Sawré Muybu. Ao perceber que não haveria acordo, no final da tarde, eles
resolveram seguir com a autodemarcação, iniciada na metade de outubro.
O presidente interino da Fundação, Flávio Chiarelli, chegou a
falar ao telefone com os Munduruku. Alegando falta de recursos, Chiarelli
propôs a ida de algumas lideranças até Brasília para uma reunião. A proposta
foi recusada: “Ele só quer um grupo pequeno, né?! Por que ele não vem pra cá?
Como ele diz que tá com pouco recurso, por que ele não vem aqui com a gente? A
conversa que ele vai ter em Brasília, ele pode ter aqui. A gente tá cansado de
ir pra Brasília e não resolver nada”, afirmou Juarez Saw, cacique da aldeia
Sawré Muybu.
Flávio Chiarelli disse que daria uma resposta sobre a publicação
do relatório em 13 e 14 de dezembro, quando está prevista uma reunião no alto
Tapajós. Os Munduruku não acreditaram na promessa e decidiram seguir com a
autodemarcação, que já dura 44 dias.
No início da semana, os
indígenas encontraram cerca de 300 garimpeiros explorando diamante bem próximo
ao local sagrado que dá noma à área indígena reinvidicada. Os donos são
de Israel, Alemanha e um da Rússia, conhecido como Erlen. Todas as semanas um
deles passa no garimpo para arrecadar o que é extraído. “Na semana levaram uma
garrafa de coca-cola de 2 litros inteira cheia de diamante, acho que dava mais
ou menos uns 3 mil quilates”, conta um garimpeiro que deixou o local após à
fiscalização.
“A gente veio aqui porque a gente tá vendo a necessidade. A
gente viu a destruição da nossa terra, da floresta. A gente veio aqui para
fazer que a Funai assine o nosso relatório, mas a Funai não vai assinar. Vamos
continuar nosso trabalho de autodemarcação, mas qualquer problema que acontecer
com a gente ou com os invasores a culpa é toda do governo e da Funai, que não
demarcam nossa terra”, disse Leusa Kaba Munduruku, após a desocupação da
autarquia.
A Funai é pressionada
por órgãos do Governo a segurar a publicação do relatório por causa de
interesses hidrelétricos no Tapajós (Leia também: Funai Admite pressão e condiciona demacação à hidrelétrca).
O reconhecimento dos limites tornaria a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós
completamente ilegal, pois a mesma alaga em cheio grande parte da área
secularmente ocupada pelos Munduruku.
Durante a ocupação foi
divulgada mais uma carta, na qual os Munduruku falam sobre o que sentiram ao
ver o local sagrado Daje Kapap Eypi, também conhecida pelos “brancos” como
Sawré Muybu. Leia aqui:
Aldeia Sawre Muybu, 28 de novembro de 2014
“Quando nós passamos onde os porcos passaram, eu tive uma visão
deles passando. Eu tenho 30 anos. Quando eu era criança minha mãe me contou a
história dos porcos. É por isso que devemos defender nossa mãe terra. As
pessoas devem respeitar também. Todas as pessoas devem respeitar porque a
história está viva, estamos aqui, somos nós”. Orlando
Borô Munduruku, aldeia Waro Apompu, Alto Tapajós Hoje, pela primeira vez durante a autodemarcação, chegamos ao
local sagrado Daje Kapap Eypi, onde os porcos atravessam levando o filho do
Guerreiro Karosakaybu. Sentimos algo muito poderoso que envolveu o nosso corpo.
Outra emoção forte que sentimos hoje foi ver nossa terra toda devastada pelo
garimpo bem perto de onde os porcos passaram. Nosso santuário sagrado está sendo
violado, destruído por 50 PCs(retroescavadeiras) em terra e 5 dragas no rio.
Para cada escavadeira, 5 pobres homens, em um trabalho semiescravo, explorados
de manhã até a noite por 4 donos estrangeiros. Primeiro o Governo Federal
acabou Sete Quedas, no Teles Pires, que foi destruído pela hidrelétrica, mando
o espírito da cachoeira. E agora, com seu desrespeito em não publicar o nosso
relatório, acaba também com Daje Kapap Eypi. Sentimos o chamado. Nosso
Guerreiro, nosso Deus, nos chamou. Karoskaybu diz que devemos defender nosso
território e nossa vida do grande Daydo, o traidor, que tem nome: O Governo
Brasileiro e seus aliados que tentam de todas as formas nos acabar. Nós estamos
lutando pela nossa demarcação há muitos anos, sempre que a gente vai para Brasília
a Funai inventa mentiras e promessas para nos acalmar. Sabemos que a Finai faz
isso para ganhar tempo para construção da hidrelétrica do Tapajós, agora nós
cansamos de esperar. Sem chorar ou transformando as lagrimas em coragem, em
Assembleia tomamos a seguinte decisão: a Funai tem três dias para publicar o
nosso relatório e dar continuidade à demarcação, homologação e desintrusão da
nossa terra. Caso não sejamos atendidos, vamos dar continuidade ao trabalho de
autodemarcação até o final. Por enquanto só estamos avisando os invasores que
eles devem sair do nosso território, mas se a Funai não fizer o que tem que ser
feito, ou seja, publicar o nosso relatório e demarcar nossa terra, a mesma, com
a sua omissão, estará provocando um conflito com proporções inimagináveis entre
Munduruku e invasores, que já é anunciado há muito tempo, com todas as
denúncias de ameaças que estamos sofrendo.
Fonte: Blog Autodemarcação no Tapajós - Foto: Larissa Saud